Acórdão nº 232/06.8TAMNC-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução07 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO Nos autos de instrução n.º232/06.8TAMNC do Tribunal Judicial de Monção, por despacho proferido em 28/9/2012, foi decidido não pronunciar os arguidos Eduardo E... e Maria E... pelo crime de desobediência qualificada pelo qual foram acusados.

Inconformada com a decisão, a assistente Maria G... interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1-O presente recurso vem do douto despacho que não pronunciou os arguidos pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 391º do CPC e 14º, 26º, n.º 1, e 348º, nºs 1 e 2 do CP, e que, na sequência, fixou a taxa de justiça devida pela assistente (aqui recorrente), a título de custas, em 4 CUS.

2- Face ao objecto desse recurso, relevam, cronologicamente, os seguintes factos: 1.

25/07/2006 - É proferida a douta sentença que decretou a providência cautelar requerida pela aqui recorrente; 2.

1/08/2006 - Os arguidos Maria E... e Eduardo, respectivamente, são notificados pessoalmente para cumprir essa decisão; 3.

22/09/2006 - A ofendida instaurou a competente queixa – crime contra ambos os arguidos; 4.

31/01/2008 - É proferido douto acórdão pela Venerando Relação de Guimarães, que manteve a decisão referida em 1. Supra; 5.

13/06/2008 - O arguido entregou à ofendida uma das chaves do portão que lhe dava acesso à servidão de passagem.

3- A recorrente não se conforma com o douto entendimento vertido no, também douto, despacho “a quo” de que os arguidos agiram convictos que, tendo interposto o recurso, poderiam aguardar a decisão do Tribunal superior.

4- O recurso de que a Ma. Juiz “a quo” fala foi – adequadamente – recebido como de agravo e com efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 738º, n.º 1, alínea b) e 740º, n.º 1, a contrario senso, e 758º, n.º 1, a contrario senso, do CPC, na redacção anterior ao DEC. Lei n.º 303/2007, de 24.08, então aplicável (cf. douto despacho de admissão do recurso, a fls. dos autos).

5- A interposição desse recurso, com o efeito que lhe foi fixado, não impedia que a douta sentença proferida na acção cautelar se tornasse imediatamente exequível logo após a sua notificação aos arguidos.

6- Pelo que se impunha que os arguidos dessem imediato cumprimento a essa douta decisão, máximo ao ordenado em a) do seu dispositivo: a) (…) Para, no prazo de 48 horas a partir de tal notificação, abrirem o portão que instalaram na extremidade Norte do caminho ou entregarem uma chave do mesmo aos requerentes, de modo a permitir que estes por aí possam passar a pé, com gado com carro ou tractor;” 7- Os arguidos foram notificados pessoalmente dessa douta decisão e com a cominação expressa de que “incorrerão em crime de desobediência, nos termos do artigo 391º do CPC, se infringirem a providência ora decretada.

” - Parte final da douta sentença.

8- Resulta dos autos que nenhum dos arguidos acatou essa decisão, mantendo vedado o acesso ao terreno da aqui recorrente durante cerca de dois anos.

9- É pacífico, sempre foi, que “a infracção penal pode considerar-se consumada independentemente de haver ou não transitado em julgado a decisão. Desde que ao recurso interposto seja atribuído efeito meramente devolutivo, tal significa que a decisão produzirá efeitos imediatos cujo não acatamento faz incorrer o requerido na referida infracção penal” – cf. Abrantes Geraldes, “Temas de Reforma de Processo Civil”, III, 3ª ed., p.327.

10- A conduta dos arguidos preenche, assim, o tipo objectivo do crime de desobediência qualificada: o não cumprimento de uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados ao destinatário e provenientes de autoridade ou funcionário competente (cf. artigos 348º do CP e 391º do CPC).

11- Quanto ao preenchimento do tipo subjectivo, considerando a objectividade e clareza da douta decisão judicial em causa e da sua subsequente notificação pessoal a ambos os arguidos, da qual fazia parte a expressa cominação da prática de um crime de desobediência qualificada, não se pode assumir aqui que os arguidos tenham agido com falta de consciência ou em erro sobre uma ilicitude que lhes foi comunicada de forma clara e inequívoca.

12- Conhecida a sentença e o seu objecto, não tendo sido questionada a notificação e a cominação efectuadas, a falta de consciência da ilicitude ou o erro sobre a ilicitude equivaleria aqui a assumir um desconhecimento daquilo que os arguidos não podiam ignorar, face à cominação contida na sentença e na notificação pessoal que lhes foi feita.

13- Os arguidos agiram, assim, ilícita e culposamente, culpa aqui sob a forma de dolo (que opera aqui em qualquer uma das suas três modalidades), porquanto agiram com consciência – sem que o pudessem ignorar, como se disse – de que desrespeitavam um ordem judicial regularmente emanada e a que deviam dar cumprimento no prazo de 48 horas, conformando-se com o resultado dessa sua conduta.

14- Se os arguidos agiram “convictos que, tendo interposto recurso, poderiam aguardar a decisão do Tribunal superior”, como se fez constar do douto despacho “a quo”, agiram com eventual (porque não se concede) desconhecimento da ilicitude penal do seu acto, pelo que a Ma. Juiz devia ter convocado as regras próprias do erro, o que não fez.

15- Se o destinatário ignora que a desobediência é crime, há falta de consciência da ilicitude, censurável ou não censurável, consoante as circunstâncias do caso (cf. artigo 17º do CP).

16- Considerando que os arguidos foram devidamente notificados da douta sentença a cumprir, por contacto pessoal, e foram aí expressamente advertidos do crime em que incorriam se não cumprissem aquela decisão, o erro em que alegadamente (porque não se concede) incorreram só pode ter-se como censurável.

17- A obter vencimento a “tese” perfilhada no douto despacho recorrido, assinada está a “sentença de morte” das acções cautelares, já que bastaria ao requerido, condenado na acção cautelar, interpor sucessivos recursos nas...

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