Acórdão nº 157/05.4TAPVL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelPAULO FERNANDES DA SILVA
Data da Resolução04 de Março de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: --- I.

RELATÓRIO.

--- Nos autos de processo comum de que os presentes constituem apenso, em 29.10.2012, o 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe proferiu o seguinte despacho: (transcrição) --- «O arguido José M... foi condenado, por sentença transitada em julgado, em multa de 330 dias (cfr. fls. 351 e seguintes).

Não tendo sido possível o pagamento coercivo da multa, por inexistência de bens penhoráveis, foi aquela multa convertida em 220 dias de prisão subsidiária, por despacho de 13-12-2011 (cfr. fls. 405/406).

O ilustre defensor foi notificado do despacho de conversão da multa.

Ordenada a notificação pessoal do arguido daquele despacho não foi a mesma possível até agora por o mesmo se encontrar em paradeiro incerto.

Promove então o Ministério Público que o arguido seja notificado do referido despacho via postal simples para a morada indicada no TIR ou domicílio pelo mesmo indicado.

Cumpre apreciar e decidir: Diremos desde já que seguimos o entendimento de que a notificação ao arguido do despacho que converte a multa em prisão subsidiária deve ser pessoal.

Na verdade, a douta promoção do Ministério Público implica a possibilidade de subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da sentença condenatória o que, salvo o devido respeito, esbarra, inevitavelmente, com a redacção clara do artigo 214º nº 1 alínea e) do CPP, nos termos da qual as medidas de coacção extinguem-se de imediato com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Incluindo-se o TIR entre as medidas de coacção legalmente previstas, e não constando da lei qualquer ressalva à referida extinção, como sucede, com o caso da caução no nº 4 do citado preceito, não vemos como aderir à tese promovida. - cfr, neste sentido, Acórdão da Relação do Porto, de 18-05-2011, publicado em www. dgsi.pt.

Assim, inexistindo, porque extinto, o TIR, impossível se torna a notificação por via postal simples por aplicação conjugada dos artigo 113º nº 1 alínea c) e artigo 196º nº 3 alínea c) do CPP.

Acresce que como é referido no Acórdão da Relação de Guimarães, de 03-07-2012, publicado em www.dgsi.pt. ao qual aderimos na íntegra "Como é sabido, após a revisão de 1995, a prisão subsidiária não é aplicada na sentença pelo que o arguido não se vê confrontado com ela nesse acto decisório. O despacho que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária consubstancia uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença que tem como efeito directo a privação de liberdade do condenado e até se reveste de maior gravidade do que algumas das incluídas no elenco das ressalvadas na citada norma. Na verdade, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada ao arguido que passa ser uma pena detentiva. Daí que se justifique a sua notificação não apenas ao defensor mas também ao próprio arguido porque esta forma se mostra mais consentânea com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido (tenha-se presente a cessação ou rarefacção de contactos que entre este e o seu defensor habitualmente ocorre depois do trânsito da decisão condenatória e que é susceptível de dificultar, se não mesmo de inviabilizar, o cumprimento por parte do último do dever funcional e deontológico de comunicar o teor da notificação e, assim, pôr em causa a sua cognoscibilidade por parte do arguido/condenado" Em suma, a notificação do despacho que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária deve ser efectuada quer ao defensor quer ao condenado, este por contacto pessoal - Neste sentido, por todos, Acórdãos da Relação do Porto de 20-04-2009, 19-01-2011, de 23-02-2011, de 09-03-2011, de 16-03-2011, de 30-03-2011, de 06-04-2011, 18-05-2011 e de 14-12-2011; da Relação de Coimbra de 07-03-2012 e 09-05-2012 e da Relação de Évora de 20-01-2011, 25-10-2011 e 28-02-2012, Acórdão da Relação de Lisboa, de 15-09-2011, todos disponíveis em www.dgsi .pt.

Face ao exposto, indefere-se o promovido.

Notifique» Cf. fls. 39 a 41. --- .

Do recurso para a Relação.

--- Notificado daquele despacho, o Ministério Público dele interpôs recurso para este Tribunal em 19.11.2012, segunda-feira, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) -- «1) O condenado (tal como o arguido) deve ser encarado como um sujeito processual com direitos e com deveres. Isto implica que o mesmo não pode ser visto como alguém detentor de uma qualquer capitis deminutio. Mais. Ao mesmo é de exigir conhecimento da lei tal como a todos os outros cidadãos, designadamente aos que cumprem com a lei e que não transgridem. Deste modo, não se vislumbra qualquer base legal para presumir o seu desconhecimento da lei. Aliás, como é sabido, o seu desconhecimento não o pode favorecer - art. 6.º do CC.

II) Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.° 4989/08.3TAMTS-A.P1, de 16-03-2011, in www.dgsi.pt, se o arguido teve conhecimento da pena de multa em que foi condenado (por sentença transitada em julgado), como sucedeu neste caso e, não a pagou voluntariamente, nem requereu a substituição por trabalho, não pode desconhecer as consequências dessa sua conduta (no sentido de não sendo paga coercivamente a multa é fixada prisão subsidiária como "sanção de constrangimento"), nem invocar a ignorância da lei para a falta do seu cumprimento (artigo 6º do Código Civil). Nessa perspectiva, a pena de multa torna-se exigível a partir do momento em que a sentença condenatória transitou em julgado (neste caso foi proferido, em 3/11/2009, despacho ao abrigo do art. 397º do CPP que "vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado"), não podendo a arguida (que nesta forma de processo não se opôs às sanções concretamente propostas pelo Ministério Público) desconhecer as consequências do seu não pagamento voluntário (sendo uma das últimas etapas do cumprimento da pena de multa, a da fixação de prisão subsidiária).

III) Assim, o condenado a pena de multa deverá presumir-se conhecedor da lei e deverá presumir-se saber que não pagando a pena de multa pode vir a ter de cumprir pena de prisão. É por isso que nas sentenças, em bom rigor, não deve constar essa consequência como outrora no passado se fazia (designadamente antes da reforma de 1995). Mais, o condenado que quer cumprir a sua pena, o cidadão condenado que quer curar o seu mal não se limita a que a máquina judicial o relembre do crime que cometeu.

IV) O condenado que quer cumprir não aguarda a sua vez, esperando que o sistema judicial o apoquente e se lhe dirija através de agentes policiais.

  1. Não. Esse condenado toma a iniciativa e extingue a pena pelo seu cumprimento. Porque sabe que tem de a expurgar. Isto é, ele ouviu atentamente a sua sentença condenatória e sabe que tem de a cumprir.

    VI) Afinal, não pode passar pela cabeça de nenhuma pessoa, a não ser a de um inimputável, que, apesar da condenação em uma pena de multa, o condenado possa escapar a essa pena criminal. Como não tenho dinheiro, não pago e nada me acontece ou a acontecer, eles terão que me encontrar.

    VII) Podemos assim proclamar que o sistema jurídico-penal não pode ser complacente com estas situações. O sistema penal não pode ser complacente com condenados a penas de multa por sentenças transitadas em julgado.

    VIII) O sistema penal, e bem, baseia-se na presunção de inocência e na garantia dos direitos de defesa. Mas tudo isto encontra-se necessariamente funcionalizado ou essencialmente funcionalizado para os suspeitos, para os arguidos. E não tanto, ou pelo menos não com toda a intensidade para com os condenados por sentença já transitada em julgado. Para estes não podem prevalecer todas as garantias como se de um mero arguido se tratasse. Há que distinguir o arguido, que é pessoa não condenada, de um condenado, que é pessoa condenada por sentença transitada em julgado.

    IX) Voltemos novamente a citar o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.° 4989/08.3TAMTS-A.P1, de 16-03-2011, in www.dgsi.pt: Não há sequer legítimas expectativas a tutelar quando o próprio arguido condenado não cumpre a pena de multa em que foi condenado por sentença transitada em julgado Não é por isso aceitável a tese que pretende, ainda assim, assegurar ao condenado, de forma preferencial, uma modalidade de notificação diferente da prevista para o arguido não condenado, que se presume inocente.

  2. A prática judiciária demonstra, todos os dias, que o paternalismo, a visão hipergarantista redundam, muitas das vezes, num trato de favor para estes condenados que pretendem escapar à pena na qual foram condenados.

    XI) As prescrições de penas de multa, infelizmente, estão aí para comprovar o que acabamos de afirmar.

    XII) O condenado cumpridor e que não desaparece do mapa cumpre a sua pena. Já o condenado...

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