Acórdão nº 724/11.7TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2013
Magistrado Responsável | HELENA MELO |
Data da Resolução | 14 de Março de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório A…, Lda. veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo sumário contra B…, alegando, em síntese, que no exercício da sua actividade industrial de prospecção, captação e exploração de furos de água e montagem de electrobombas, a pedido do Réu, executou um furo de 172 metros de profundidade, destinado à captação de 10.000L/dia, e instalou uma electrobomba, tendo os trabalhos ficado concluídos e entregues ao Réu no dia 12 de Maio de 2008. Emitiu a correspondente factura que entregou ao Réu, que ascendia ao valor de € 4.682,70. Sucede que o Réu, apesar de várias vezes instado, não procedeu ao pagamento do valor em divida.
Pediu a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de euros 4.682,70, acrescida dos juros à taxa legal a contar da data de emissão da factura que contabiliza à data da propositura da acção em 524,46 e dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
O Réu contestou, invocando a excepção de prescrição, nos termos do disposto no art.º 317º, al. b) do CC. No mais, defendeu-se por impugnação, alegando que procedeu, por intermédio da sua mandatária, à devolução da factura dado que problemas na electrobomba impediam o adequado aproveitamento do furo, situação que foi ultrapassada, mediante a intervenção de funcionários da Autora, tendo procedido, consequentemente, ao pagamento do valor reclamado pela execução dos trabalhos.
A Autora respondeu, impugnando os factos invocados pelo Réu.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto (cfr. despacho de fls. 40-41).
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
O Tribunal respondeu à matéria de facto controvertida constante da petição inicial e da contestação, sem reclamações.
A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 4.682,70 (quatro mil seiscentos e oitenta e dois euros e setenta cêntimos), acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar do vencimento da factura até efectivo e integral pagamento.
O R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo oferecido as seguintes conclusões: 1. Na douta Sentença ora impugnada, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” procedeu a um incorrecto julgamento da matéria de facto dada como provada, 2.sendo que, em primeiro lugar, se impõe a exclusão no elenco dos factos dados como provados da matéria constante da alínea k), uma vez que, competindo à Autora, aqui Apelada, a prova de que o Réu, ora Apelante, não efectuou o pagamento da factura que se reclama nos autos, 3.e só podendo tal prova resultar de confissão do devedor, nos termos do disposto no artigo 313.º do Código Civil, 4.impõe-se concluir pela procedência da excepção peremptória da prescrição presuntiva consagrada na alínea b) do artigo 317.º do Código Civil.
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Atento o depoimento de parte prestado pelo Réu, ora Apelante, constante do CD, sob a referência 201220516151920_17, do dia 16/05/2012, com início em 15:19:21 e fim em 16:34:09, de forma alguma pode concluir-se ter este confessado, expressa ou tacitamente, que não efectuou o pagamento.
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Se é certo que a confissão expressa foi peremptoriamente afastada pela própria Magistrada Judicial que proferiu a decisão ora em crise, a verdade é que igualmente se impõe afastar a ocorrência de uma confissão tácita, 7.uma vez que o aqui Recorrente não só prestou depoimento e juramento, como não adoptou qualquer postura ou praticou qualquer acto susceptível de pôr em causa a presunção de cumprimento, de que beneficia.
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Mais importa considerar que, salvo o devido respeito, se não verifica existir qualquer divergência entre os factos plasmados na contestação e o depoimento de parte, sendo incontornável que nem a circunstância de ter devolvido inicialmente a factura é incompatível com a afirmação de que procedeu posteriormente ao pagamento da mesma, 9.nem a participação por diferentes e novas dificuldades na captação de água, após esse pagamento, constituiu, em si mesma, uma contradição, como resulta demonstrado não apenas pela prova documental produzida, mas também pelas declarações do R./Recorrente no seu depoimento de parte.
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Donde se impõe concluir que não tendo o R./Apelante admitido, na contestação que apresentou a juízo, que não efectuou o pagamento, tendo antes alegado claramente que pagou e impugnado especificadamente os factos invocados pela Autora/Apelada, não foram por si confessados, expressa ou tacitamente os factos constantes da p.i., 11.pelo que haveria que se considerar procedente a excepção peremptória de prescrição por si deduzida.
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O referido erro de julgamento na matéria de facto decorre ainda da inclusão na alínea p) da Fundamentação de Facto da asserção de ser “…o Réu industrial de construção civil…,” e dos factos constantes da alínea r) do mesmo elenco.
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Com efeito, e contrariamente ao que foi dado como provado, o aqui Apelante não é comerciante ou industrial, assumindo apenas funções como gerente da sociedade comercial “C…, Lda”, 14.na medida em que é consensual, atenta a doutrina e a jurisprudência dominantes e o disposto nos artigos 13.º e 230.º do Código Comercial, que o exercício do cargo de gerente em empresa de construção civil não confere ao aqui Apelante a qualidade de comerciante ou industrial.
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Resultou claramente provado quer documentalmente, quer pelo depoimento de parte e da testemunha D…, com a referência 20120516151920_ 175336_65259, de 11/06/2012, com início em 15:36:00 e fim em 15:49:15, que o furo foi efectuado em terreno pertencente ao Apelante, com vista a uma utilização de carácter pessoal.
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A utilização temporalmente circunscrita e pontual por parte da “C…, Lda” não permite o entendimento de que a execução do furo visou a satisfação das suas necessidades e interesses, 17.razão pela qual se impunha resposta diversa ao nível da alínea r) da Fundamentação de Facto, eliminando-se da frase a sua parte final, nomeadamente desde “…e para utilização…” até “…sócio gerente…”.
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A decisão ora em crise merece igualmente censura, e salvo o devido respeito, no que concerne à interpretação e aplicação do direito aos factos, uma vez que a Mma. Juiz do tribunal “a quo” não respeitou a previsão dos artigos 313.º, 314.º e 317.º, alínea b) do Código Civil, bem como dos artigos 13.º e 230.º do Código Comercial.
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Com efeito, e primeiramente, importa considerar que a Mma. Juíz do Tribunal “a quo” procedeu a uma incorrecta interpretação e preenchimento do conceito de “actos incompatíveis com a presunção de pagamento”, 20.sendo certo que o dispositivo legal restringe essa prática à actuação em juízo e não a momentos anteriores, apenas relevando a actuação que, no decurso do processo, se mostre incompatível com a alegação de que foi cumprida a obrigação.
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Salvo o devido respeito, a douta sentença exarada na Primeira Instância assentou numa inaceitável e notória confusão entre a qualidade de comerciante/industrial que a lei atribui às sociedades comerciais, nos termos prescritos nos artigos 13.º e 230.º do Código Comercial e o exercício, por parte do Apelante, do cargo de gerente na “C…, Lda”.
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Nesta conformidade, o afastamento da aplicação do disposto na alínea b) do artigo 317.º do Código Civil resultou de uma errónea interpretação desse preceito e dos citados normativos do Código Comercial.
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Em face do precedentemente exposto, não pode o ora Apelante deixar de considerar que a decisão impugnada, para além de ter procedido a um incorrecto julgamento da matéria de facto, incorreu igualmente em vício de interpretação e aplicação de lei, devendo ser, em conformidade, revogada e substituída por outra que considere procedente a excepção de prescrição presuntiva invocada pelo Réu, aqui Apelante, absolvendo-o do pedido.
TERMOS EM QUE deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se, consequentemente, a decisão ora em crise, que deverá ser substituída por outra que absolva o R./Apelante dos pedidos formulados.
A parte contrária não contra-alegou.
Objecto do recurso Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se a matéria de facto deve ser alterada, o que implica apreciar se o apelante confessou tacitamente não ter pago o crédito reclamado pela A., por ter praticado em juízos actos...
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