Acórdão nº 981/04.5TBFAF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução02 de Maio de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório A… e marido, B… intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C…, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 64.750,00, acrescida de juros.

Para tanto alegam, em suma, que durante o ano de 2002 a ré, que é tia da autora mulher, acordou doar-lhes a quantia resultante do produto da venda de uma sua casa, cujo valor se estimava em € 110.000,00, com a qual contribuiria para a aquisição, pelos autores, de uma moradia destinada à habitação de todos.

Convencidos das intenções da ré, os autores celebraram contrato-promessa de compra e venda de uma moradia que descrevem, pelo preço de € 204.507,13, tendo passado sinal no montante de € 59.855,75.

Atenta a idade avançada da ré, mandaram realizar na moradia diversas obras de adaptação, para a adequarem à mobilidade diminuída daquela, o que veio a determinar que o custo final da mesma ascendesse a € 224.459,00. Simultaneamente colocaram à venda, através de uma imobiliária, a referida casa da ré.

Contudo, sem lhes dar qualquer explicação, a ré deixou a casa de morada dos autores e recusou-se a outorgar o contrato-promessa de venda da sua casa, bem como a subsequente escritura pública, sendo certo que já havia comprador para a mesma.

Em virtude da conduta da ré, tiveram os autores que suportar integralmente, através de empréstimo bancário, o custo da moradia que adquiriram, não tendo condições financeiras para suportar o respectivo pagamento.

Por força do comportamento da R., sofreram diversos danos patrimoniais e não patrimoniais que enumeram.

A ré contestou alegando, em suma, que nunca contratou com ninguém a venda da sua casa ou a doação aos autores do que quer que fosse, pelo que, se os autores compraram uma casa e a adaptaram a seu gosto, nada disso pode ser-lhe imputado.

Conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto já assente e elaborada a base instrutória.

Findo o julgamento, foram dadas as respostas aos quesitos.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

Os AA. não se conformaram e interpuseram recurso de apelação.

Por acórdão de 28.04.2010 deste Tribunal da Relação foi decidido anular a decisão proferida para ampliação da matéria de facto, ordenando-se o aditamento de novos artigos à base instrutória e foi determinado que o Tribunal a quo desse nova resposta a outros artigos, servindo-se, para tanto, da prova já produzida na primeira audiência de julgamento.

Foram aditados à base instrutória seis novos quesitos.

Procedeu-se de novo a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, condenou a R. a pagar aos AA. a quantia de 64.750,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo oferecido as seguintes conclusões: 1º- Funda-se o presente recurso no disposto nos arts.º 690º, 690-Aº e 712º todos do CPC; 2º- Fez o Meritíssimo juiz a quo uma errada fundamentação de direito, bem como uma errada interpretação do direito aos factos, e ainda uma errada interpretação dos mesmos; 3º- Por sentença datada, de 29 de Abril de 2009, perante os factos provados, o Meritíssimo juiz a quo absolveu a Ré aqui apelante.

  1. - Perante a factualidade provada o Meritíssimo juiz a quo, enquadrou juridicamente a questão numa promessa de doação, porquanto a Ré prometeu doar aos aqui Apelados o produto da venda de sua Casa de Arões, que se estimava em 110.000,00 Euros; 5º- Não havendo tradição da coisa, no caso o dinheiro, nem documento escrito nesse sentido, esta promessa de doação seria inválida, uma vez que perante a observância do disposto nos arts. nº 947º/ nº2, 393º, 219º e 342º/ nº1 todos do CC se exige uma coisa ou outra.

  2. - Não conformados com a douta sentença ora recorrida, os AA, aqui apelados, recorreram, defendendo que o caso em apreço nos transporta para o instituto da responsabilidade pré-contratual.

  3. - Entendimento igualmente perfilhado pelo Tribunal ad quem, decidindo dessa forma anular a decisão de 1ª instância, mandando ampliar a matéria de facto e consequente repetição do julgamento.

  4. - Considerando que não existe obstáculo algum para que os artigos 3º e 7º da base instrutória sejam provados por prova testemunhal, e aditou-se à mesma base a matéria de facto alegada pela Ré sob os artigos 16, 17 e 18 da sua PI, que consequentemente deram origem aos artigos 32, 33, 34, 35, 36, e 37 da mesma base instrutória.

  5. - Repetindo-se o julgamento o Meritíssimo juiz a quo também enquadrou o caso sub judice neste instituto, condenando para o efeito a Ré aqui apelante na totalidade do pedido.

  6. - Para tanto deu como provados os artigos 34º, 36º e 37º e como não provados os artigos 32º, 33º e 35º, todos da base instrutória.

  7. - Argumentando para o efeito a existência de uma relação objectiva de confiança por parte dos apelados na concretização do negócio e que havia uma obrigação da apelante em celebrar o mesmo.

  8. - Referiu ainda neste sentido, o Meritíssimo juiz a quo que a ruptura das negociações não era justificada, apesar de ficar provado que os aqui apelados e AA., levantaram a quantia de 9.693,97 Euros que era pertença da aqui ré, e que fizeram sua tal quantia.

  9. - Entende a aqui apelante que não decidiu bem o Meritíssimo juiz a quo ao decidir como decidiu, por vários e diversos motivos.

    Como já supra se referiu, no caso em concreto, não há, nem pode haver, negociações preliminares, uma vez que o suposto contrato planeado seria uma doação pura, onde efectivamente não há debate sobre o assunto que fundamente uma confiança na concretização do referido contrato, não se enquadrando assim na previsão legal do artigo 227º/ nº1 do CC.

    Mesmo que assim não se entenda, pelos artigos ora aditados provou-se factos que leva, sem margem para dúvidas, à ruptura legítima, lícita e justificada parte da aqui apelante. (artigos 34, 36 e 37 da base instrutória) Entende ainda a apelante, nestas circunstâncias, que das transcrições supra resulta decisão diversa sobre a matéria alegada nos quesitos 32º, 33º e 35º da base instrutória, para que estes fossem considerados pelo Tribunal a quo como provados.

    Face a esta alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem baseada nos depoimentos ora transcritos não resulta dúvida que não haverá lugar a qualquer indemnização por parte da aqui apelante aos apelados.

  10. - Se o Meritíssimo juiz a quo tivesse atendido quer à matéria produzida em audiência de julgamento, quer à falta de credibilidade das testemunhas dos aqui apelados, pelo grau de afinidade e proximidade que existe entre elas, bem como à falta de credibilidade das mesmas depositada pela Meritíssima juiz a quo do processo nº 761/04.8TBFAF e certificada ainda pelo Meritíssimo juiz a quo dos presentes autos (diálogo já transcrito), teria decidido em sentido diverso.

  11. - Se o Tribunal ad quem enquadrar o caso em litígio no instituto da responsabilidade pré-contratual, não há duvida que o contrato a ser realizado seria uma doação, como ficou provado que “… a Ré C... prometeu doar aos AA o produto da venda de sua casa, que se estimava em 110.000,00 Euros.”, sendo que esta doação seria uma doação de bens futuros; 16º- À luz do nosso ordenamento jurídico, prescreve o art. 942º no seu nº 1 do CC que as doações que abranjam bens futuros são inexistentes, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos para ambas as partes, até porque a aqui apelante ainda não era detentora de tal quantia objecto de doação.

  12. - Face a este circunstancialismo, o douto acórdão apelado fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos.

  13. - Pois, como já se referiu, os danos peticionados pelos apelantes além de não ficarem provados em julgamento, também não são os danos indemnizáveis à luz do instituto da responsabilidade pré-contratual.

  14. - Sendo que os danos indemnizáveis neste enquadramento são os danos negativos ou de confiança, configurando estes as despesas que o lesado fez inutilmente por as negociações terem sido interrompidas ou o contrato ter sido declarado nulo.

  15. - Aqui chegados, conclui-se que os danos alegados pelos AA., não podem nunca constituir danos de confiança, pois diversa é a sua noção e compreensão.

  16. - Logo daqui podemos concluir que o Meritíssimo juiz a quo além de violar vários preceitos legais nomeadamente os arts.º 405º, 410º, 414º, 441º, 442º, 755º, 830º, 219º, 393º, 947º, 942º todos do CC, violou também o art.º 227 também do CC; 22º- Ao condenar a Ré em danos completamente diferentes daqueles que foram peticionados pelos AA., pois os danos que os AA peticionam e querem ver ressarcidos não são, nem de perto nem de longe, os danos que o Meritíssimo juiz a quo condenou, sendo a sua natureza bem diferente.

  17. - Acrescenta-se que o Meritíssimo juiz a quo na sua fundamentação conhece de factos que não deveria conhecer, porque não são factos conclusivos, nem tão pouco alegados pelos AA., aqui apelantes, nomeadamente que a Ré C... presenciou as diligências da venda da casa de Arões, que presenciou a aquisição da nova casa dos AA, que deixou que os apelados contratassem um empréstimo, que a Ré deixou que eles efectuassem as obras, quando na realidade o que ficou provado foi simplesmente o que consta do art.º 4, 5, 7 e 8 da base instrutória, já supra transcritos.

  18. - Não pode a apelante deixar de referir que não consegue, por mais que tente, perceber o alcance da soma dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais, que os apelados alegam na sua PI e nas suas alegações de recurso, sendo que pedem em cada uma delas valores diversos.

  19. - Pelo exposto, conclui-se que o Meritíssimo Juiz a quo além de proceder a uma errada interpretação dos factos e aplicação dos direito aos factos, pronunciou-se sobre questões que não devia conhecer, e condenou em objecto diverso do peticionado, violando...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT