Acórdão nº 205043/14.1YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | ANABELA TENREIRO |
Data da Resolução | 14 de Abril de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO Run, Lda. apresentou requerimento de injunção, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, contra José B, pedindo que o réu fosse notificado no sentido de lhe ser paga a quantia global de € 10.167,08, correspondendo € 9.598,90 a capital, € 466,18 a juros de mora e € 102,00 a taxa de justiça paga.
Invocou, para tanto e em síntese, que vendeu ao réu duas bicicletas, tendo-se este comprometido a pagar o preço respectivo na data de vencimento das facturas atinentes à predita venda, o que não fez, apesar de instado a fazê-lo.
Devidamente notificado, veio o réu deduzir oposição, alegando, em síntese, que o acordo de compra e venda em causa nos autos não foi celebrado nas datas e pelos preços alegados pela autora, mais alegando que pagou integralmente os preços acordados, pelo que, conclui, as dívidas em causa estão prescritas.
Mais alegou o réu que a autora lhe furtou uma das bicicletas, tendo já apresentado por estes factos, a respectiva queixa crime.
* Proferiu-se sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
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Condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 2.299,00 (dois mil duzentos e noventa e nove euros), acrescida dos respectivos juros de mora, contabilizados à taxa comercial, desde 21.03.2014, data do vencimento da respectiva factura, até efectivo e integral pagamento; b) Absolveu o réu do demais peticionado pela autora.
* Inconformado com o julgado, o Réu recorreu, terminando com as seguintes Conclusões
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Violou-se o princípio do dispositivo previsto no art. 3º do CPC, nas vertentes que limitam o Tribunal ao pedido e à causa de pedir. O art. 609º e 615º nº 1 al e) limita a actividade do tribunal, pela pretensão do demandante: a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
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Significa pois que o Recorrente, quando citado para a acção, apresenta e baseia a sua defesa, consoante a causa de pedir e pedidos que lhe são formulados, não sendo lícito a sua alteração fundamental.
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O Tribunal só deve usar os factos articulados pelas partes, a quem cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções e o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art 611º, da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. 3 - Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
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No caso vertente a causa de pedir assenta nos seguintes factos: e) No dia 19/02/2014, o R. adquiriu no seu estabelecimento comercial uma bicicleta da marca Speciallized modelo Safira, com o número de série M8IK41078, no valor de 2 299,00€, correspondente à factura nº Sec1/1, vencida em 21 de Março de 2014.
No dia 26/03/2014, adquiriu uma segunda bicicleta, da marca Speciallized modelo S-Works, com o número de série TAX110D0066, no valor de 7 299,90€, correspondente à factura nº Sec1/2, vencida em 25 de Abril de 2014.
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Mais alegou que as facturas foram apresentadas a pagamento nas datas de vencimento e que o R. recusou o seu pagamento.
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Em sede de julgamento, considerou-se no entanto que, - O acordo havido entre as partes não era de venda, mas de empréstimo das bicicletas, a título de patrocínio, portanto, o A. deixava o R. fazer uso da bicicleta em troca de publicidade que fazia ao andar com ela e de angariar eventuais compradores.
- Não havia lugar ao pagamento de qualquer contrapartida.
- Era portanto uma cedência a título de empréstimo, havendo portanto um contrato que se poderá classificar de comodato.
- Que a primeira bicicleta em crise nos autos (Safira) foi emprestada em 2009, tratando-se de uma bicicleta de senhora, destinada à esposa do R.. Na mesma época, foi igualmente emprestada uma segunda bicicleta de homem ao R. José B, que em 2011 foi trocada por outra.
- Em 2015 o A. entendeu por sua iniciativa emitir as facturas, SEM QUE O R: TENHA DITO OU PEDIDO OU DECIDIDO COMPRÁ-LAS.
- Em nenhum momento houve qualquer acordo ou conversa que permitisse ao A. concluir que o R. pretendia comprar as bicicletas ou converter o comodato numa compra e venda.
- No dia 24 de Outubro de 2014, portanto em momento muito anterior à emissão das facturas, o A. através do seu legal representante, decide subtrair pela força a bicicleta S-Works ao R.
- Na Bicicleta S-Works o R. comprou um guiador novo ao A. que foi instalado e encontra-se na bicicleta que foi subtraída e em posse do A.
- Que entre o A. e uma empresa de contabilidade do R. subsistem contas por fazer. O A. queixa-se de que a contabilidade era mal feita o R. queixa-se que o A. não lha pagava uma conta que lá deve.
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Ora, face ao exposto, temos que a petição inicial configurou o processo como um contrato de compra e venda, ocorrido em 2015. O depoimento prestado pelo legal representante do A. configura o negócio como um contrato de comodato ocorrido em 2009.
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Por fim, não obstante se vir a considerar que o R. nunca quis ou manifestou qualquer vontade de adquirir a ditas bicicletas, o R. decidiu por sua iniciativa emitir facturas de venda das mesmas em 2015, como se houvesse compra e venda nessas datas, que o próprio A. diz não ter havido.
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Há portanto uma violação flagrante do princípio do dispositivo.
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Na verdade, a crê-se na versão do A., a presente acção nunca poderia ser de cobrança de valor certo, mas sim de entrega de coisa certa, já que, dizendo este que o R. nunca manifestou vontade de comprar as bicicletas, o que haveria lugar era a uma acção para as pedir de volta se foram emprestadas.
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De contrário, estaríamos no campo de venda forçada, absolutamente ilegal.
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De resto, e como se viu, tal negócio de comodato remonta a 2009. Estando nós em 2015, momento desta acção. Pelo depoimento do A. verifica-se que as relações já andavam mal pelo menos desde 2012.
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Verificou-se que há contas pendentes entre a A. e a empresa de contabilidade do R.
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Verificou-se que na bicicleta subtraída foi instalado um guiador, comprado pelo R. no estabelecimento do A., que foi instalado nessa bicicleta e que o R. levou e ainda hoje se mantém com ela, não se tendo o Tribunal pronunciado sobre pelo menos a devolução desse guiador.
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Verificou-se ainda que em Outubro de 2014 o A. subtraiu a bicicleta S-Works ao R. e que não obstante isso em 2015 decidiu emitir uma factura como se este a tivesse comprado nessa data.
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Verificou-se que ao longo dos anos o R. comprou ali diverso material, sem ser de desgaste, que instalou nessa bicicleta.
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Não decorre pois das regras elementares de experiência comum que estejamos perante um comodato. Na verdade ninguém investe e tanto dinheiro numa coisa que não é sua. Só o faz se for sua. Indício muito forte de que o R. tem razão e efectivamente comprou já em 2009 ambas as bicicletas e uma delas trocou em 2011.
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Não se pode aceitar pois «que se tenha como credível as declarações do legal representante do R. face ao que fica dito, de resto a única prova que sustenta a decisão do Tribunal, já que todas as demais testemunhas nada sabem sobre o caso, repleto de contradições, com a própria causa de pedir.
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Na verdade alguma coisa não está bem na sentença recorrida e subjacente à mesma estão duas facturas que não...
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