Acórdão nº 2749/14.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução10 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo n.º 2749/14.1T8BRG.G1 2.ª Secção Cível – Apelação Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 529) Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Tenreiro *** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.RELATÓRIO S (SUVA), pessoa coletiva de direito helvético, com sede na Suíça, deduziu ação declarativa contra L Seguros, SA pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 124.052,56 (posteriormente ampliada € 134.761,37), acrescido de juros de mora desde a citação, por tais serem os montantes que pagou em virtude de um atropelamento de que foi vítima um seu beneficiário e pelo qual foi responsável o condutor do veículo atropelante, cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a ré, bem como danos futuros nos quais a autora venha a incorrer decorrentes do acidente objeto dos autos e, mais concretamente, a condenação da ré a indemnizar e reembolsar nos termos do artigo 495.º do CC todos os gastos desembolsados pela autora em virtude do acidente, indicando-se, entre outros, despesas de assistência médica, medicamentosa, assistência e pensões, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Contestou a ré sustentando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do peão, beneficiário da autora, e impugnando por desconhecimento as lesões por aquele alegadamente sofridas, bem como os montantes que a autora lhe pagou.

Dispensada a audiência prévia, foi definido o objeto do litígio e fixados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo a ré do pedido.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1. Escreve-se na sentença: “5 - Surpreendido, o condutor do XF nada pôde fazer para evitar embater, como embateu, com a parte da frente do veículo na perna esquerda do peão; Aliás, reconheceu ter pago ao proprietário do veículo atropelante o custo da reparação do veículo, sinal inequívoco de que se considerava responsável pela produção do sinistro”.

  1. De facto, a minutos 0.33 o lesado disse que “deu ao condutor 60.00 € para não se chatear como era pouco.” 3. A minutos 9.46 disse “como era pouco dinheiro para não se chatear”.

  2. A instância do Tribunal a minutos 15.00 o lesado continua a dizer que pagou para não se chatear, mas que achava que não era culpado.

  3. A minutos 10.02 disse “eu vou por a acção para quê, eu resolvi as coisas na Suíça. A Suva deu-me a invalidez... “ 6. Deste depoimento conclui-se que o lesado pagou para não ser chateado e porque era pouco.

  4. A minutos 3.10 o lesado disse que parou, viu se havia carros a passar, que passaram dois carros e depois verificou que não vinham carros e avançou a seguir avançou e foi atropelado.

  5. A minutos 20.21 o lesado afirmou que como o seu seguro era na Suíça era a Suíça que tinha que resolver o acidente.

  6. Atento os depoimentos supra é importante modificar os factos acima indicados e dar resposta aos mesmos nos seguintes termos: “O lesado parou a sua moto, desmontou-se da mesma e assegurou-se que podia atravessar a via, deixou passar 2 viaturas e depois foi colhido pela viatura segurada na R.

    Aliás, reconheceu ter pago ao proprietário do veículo atropelante o custo da reparação do veículo, o que não é de forma alguma sinal inequívoco de que se considerava responsável pela produção do sinistro. Tal pagamento decorre apenas da situação de o lesado ter pago “como era pouco dinheiro para não se chatear”.

    De facto, o lesado entendia estar plenamente indemnizado pela Suva, pelo que não haveria mais nada a reclamar da L, o que se confirma com a afirmação de que como a Suíça pagava tudo não valia a pena por uma acção contra a L, aliás o lesado disse que quem tinha que tratar do assunto era o seguro na Suíça (ver indicação de depoimentos e minutos supra).

    Há que aditar o seguinte facto provado: No local não há qualquer local destinado à passagem de peões.

  7. A sentença recorrida sustenta que foi o lesado quem deu causa ao acidente, por ter atravessado a via após ter-se apeado, sem ver se vinha algum carro 11. Ora, não havia no local nenhuma passadeira de peões (facto que aparentemente é indiferente ao Tribunal recorrido...).

  8. O facto de o lesado ter atravessado a via, não é por si só bastante para o considerar o exclusivo responsável pela produção do sinistro 13. O Tribunal tenta fundamentar a culpa exclusiva do lesado com base no pagamento de 60 Euros e no facto de o lesado não ter intentado acção contra a L.

  9. Ora, do depoimento decorre que o pagamento foi feito para o vizinho não chatear e que a Suíça pagava tudo, pelo que nada haveria a reclamar.

  10. Daí que se tenha que insistir que a fundamentação da douta sentença é simplista inadequada e está em contradição com os depoimentos indicados, que só por si implicam a alteração da mesma.

  11. Perante todo o exposto deveria a douta sentença recorrida, ter optado por uma repartição de culpas, na ordem dos 70% para a viatura e 30% para o peão.

  12. Ora, vem a A. indicar que, na eventualidade de por falta de prova ser afastada a imputação com base na culpa, serão sempre os danos imputáveis à R no âmbito da responsabilidade pelo risco.

  13. Na nossa opinião, a própria Lei prevê a especial obrigação de indemnizar os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas 19. Em virtude de uma interpretação generosa da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho o seguro automóvel em Portugal desde o da DL 291/2007 passou na nossa modesta opinião e de acordo com uma leitura atenta do artigo 11º a o cobrir os danos dos peões com base na responsabilidade objectiva.

  14. Como em muitas matérias referentes ao seguro automóvel a redacção da lei é complexa. É curioso como o legislador usa frequentemente formulações complicadas para dizer aquilo que é simples.

  15. O nº 2 artigo 11 da DL 291/2007 é um desses casos. Citamos: Artigo 11.º Âmbito material 1 – O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange: a) Relativamente aos acidentes ocorridos no território de Portugal a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil; b) Relativamente aos acidentes ocorridos nos demais territórios dos países cujos serviços nacionais de seguros tenham aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros, a obrigação de indemnizar estabelecida na lei aplicável ao acidente, a qual, nos acidentes ocorridos nos territórios onde seja aplicado o Acordo do Espaço Económico Europeu, é substituída pela lei portuguesa sempre que esta estabeleça uma cobertura superior; c) Relativamente aos acidentes ocorridos no trajecto previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, apenas os danos de residentes em Estados membros e países cujos serviços nacionais de seguros tenham aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros e nos termos da lei portuguesa.

    2 – O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas quando e na medida em que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine o ressarcimento desses danos.

  16. A lei no nº 1 define a cobertura do seguro em termos geográficos e no nº 2 estabelece um regime de acordo com os danos sofridos por determinado tipo de vítimas.

  17. De facto, a Lei é clara e pretende criar um regime especial para este tipo de vítimas.

  18. Na nossa opinião a Lei quis proteger os peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas que tenham danos. Não todos os danos, mas apenas os danos que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine serem ressarcíveis.

  19. Poder-se-á argumentar que a Lei limita-se a remeter a definição do direito à indemnização para a lei geral sobre responsabilidade civil, mas então porque apenas nos casos de indemnização devida a peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas? 26. Por que razão deveria fazê-lo apenas para estas vítimas? As outras vítimas têm um regime diferente? 27. Interpretar desta forma o artigo seria retirar qualquer sentido útil ao preceito, pois tal como qualquer outro lesado, os peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas estão abrangidos pelo seguro, que indemniza nos termos gerais da responsabilidade civil.

  20. De facto o legislador no nº 2 artigo 11º quis e veio dizer algo de novo, que consiste na nossa opinião em duas regras: 1 - O princípio geral de que o seguro automóvel abrange os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas, tal como acontece com os passageiros.

    2- Os danos cobertos são aqueles que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine deverem ser ressarcíveis.

  21. Ou seja, todos danos dos peões que a lei determina serem ressarcíveis estão cobertos e abrangidos pelo seguro automóvel.

  22. Um exemplo prático de danos não ressarcíveis seria o caso de um peão apanhar um susto por o condutor ter buzinado e ter um eventual dano. Ora, este dano não será digno de ser ressarcível e por isso não está abrangido.

    Será um mero incómodo eventualmente.

  23. Dito de outra maneira, os danos dos peões estão sempre cobertos e abrangidos pelo seguro, desde que tais danos mereçam a tutela do direito.

  24. Outra interpretação para o nº 2 seria de que os danos estão cobertos nos termos de pontos, propostas razoáveis e tudo mais previsto no DL 291/2007.

  25. Por isso os danos estão cobertos, o que faz sentido para proteger a parte mais fraca de um acidente, ou seja passageiros e peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas numa tentativa de socializar o risco indo além das regras do CC e criando um regime próprio.

    Nestes termos e nos mais de Direito, deve a sentença ser revogada, devendo a R, ser condenada a pagar à Suva os danos provados (pontos 15 a 26), bem como...

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