Acórdão nº 256/09.3TBMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Eduardo R e Daniel L intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra: 1ª - Maria P 2ª- Maria F 3º - Carlos A 4º - Alda M e marido João P 5º - Vitalina G e marido José M, pedindo a condenação solidária dos RR. a cederem aos AA. a propriedade do imóvel descrito nos artºs 28º a 31º da petição inicial, pelo preço de € 8 800,00, por forma a que os AA. se possam subtrair à passagem sobre o seu prédio.

Para tanto, alegam, em síntese, que AA. e RR. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no artº. 2º da petição inicial, tendo a referida casa de morada, desde 1981, ficado dividida em duas partes fisicamente autónomas e independentes, separadas entre si e com entradas separadas, descritas nas alíneas a) e b) do artº. 17º daquele articulado.

Após invocarem factos tendentes a demonstrar a aquisição originária (por usucapião), por parte dos AA., do direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na alínea a) do artº. 17º supra referido, mais alegam que em 30/01/1989 o falecido marido da 1ª Ré, Júlio M, adquiriu por escritura pública de compra e venda o prédio rústico identificado no artº. 36º da petição inicial, que se situa entre os terrenos dos AA. e dos RR. referidos nos autos, sendo que este terreno, agora propriedade dos RR., não tinha comunicação directa com a via pública pelos prédios dos AA. que foram objecto da partilha referida naquele articulado, mas teria possibilidade de tal comunicação ser estabelecida pelos terrenos dos RR., bastando manter aberto o portão que estes entretanto taparam.

Mais alegam que os agora RR. intentaram uma acção ordinária contra os aqui AA., precedida de uma providência cautelar de restituição provisória da posse, que correu termos sob o nº. 318/06.9TBMNC, mediante a qual visam a constituição de uma servidão de passagem a favor do aludido prédio rústico dos RR. e a onerar o prédio dos AA., a qual se encontra provisoriamente estabelecida, estando descrita nos artºs 41º e 42º da petição inicial.

Referem, ainda, que os terrenos dos AA. se encontram vedados com muros altos, de pedra, formando uma pequena “quintinha” murada, tendo como único acesso um portão e sendo todos eles adjacentes da casa de morada dos Autores, e onerando o aludido caminho de servidão, ainda que provisoriamente, o prédio dos AA. a favor dos terrenos comprados pelo falecido marido da 1ª Ré, que estão encravados pois não têm outra via de comunicação com a via pública e nenhuma possibilidade de a constituírem, assiste aos AA. o direito de adquirirem o prédio dos RR., a fim de se desonerarem da obrigação de dar passagem, pelo preço de € 8 800,00 que consideram justo e equilibrado.

Os 1º, 3º, 4º e 5º RR. contestaram, suscitando o incidente do valor da causa e invocaram a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, alegando que a 1ª Ré foi casada, no regime da comunhão geral de bens, com Júlio M, falecido em 29/07/1992, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido, como únicos e universais herdeiros, o cônjuge sobrevivo e os filhos de ambos Maria F, Carlos A, Alda M e Vitalina G (todos aqui RR.), fazendo parte do respectivo acervo hereditário o prédio rústico em causa nestes autos, e não tendo havido ainda partilha dos bens que compõem essa herança, deveria a presente acção ter sido proposta contra a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júlio M, representada em juízo por todos os seus herdeiros acima referidos, e não contra os RR. em nome próprio.

Defendem-se, ainda, por impugnação, negando a verificação dos pressupostos de que depende o exercício do alegado direito dos AA., uma vez que em face do circunstancialismo descrito na contestação, a servidão de passagem sobre o prédio dos AA. a favor do prédio dos RR. constituiu-se por usucapião, por força da aplicação do preceituado no artº. 1547º, nº. 1 a contrario sensu do artº. 1548º ambos do Código Civil.

Mais alegam que em 1/08/2006, os aqui RR., por si e em representação da herança do falecido Júlio Evangelista, propuseram contra os agora AA. uma acção com processo ordinário, que corre seus termos sob o nº. 416/09.6TBMNC – e à qual se encontra apensa a mencionada providência cautelar de restituição provisória de posse nº. 318/06.9TBMNC, que foi decretada por sentença proferida em 25/07/2006, confirmada por sentença de 23/04/2007 que julgou improcedente a oposição deduzida pelos requeridos (aqui AA.), tendo tal decisão sido confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31/01/2008 – sendo que naquela acção ordinária, os ali AA. (aqui RR.) não pedem a constituição de uma servidão de passagem, mas antes que seja judicialmente declarado que a mesma já se encontra constituída (por usucapião), onerando o prédio dos AA. e que estes sejam condenados a reconhecerem esse direito.

Referem, ainda, que acaso se viesse a entender que com a mencionada acção ordinária nº. 416/09.6TBMNC, os aqui RR. queriam, efectivamente, constituir uma servidão legal de passagem, a verdade é que na contestação ali oferecida pelos agora AA. estes não fizeram uso da faculdade a que alude o artº. 1551º, nº. 1 do Código Civil, mormente em sede de pedido reconvencional, extinguindo-se, assim, aquele seu direito por caducidade, excepção esta que invocam.

Invocam o abuso de direito por parte dos AA. ao intentarem a presente acção e não aceitam o preço de € 8 800,00 proposto pelos AA. para aquisição do prédio rústico denominado “Poça e Ria”, nem a avaliação que foi feita desse prédio, entendendo que o justo valor a pagar pela aquisição coerciva deste prédio aos RR., não deverá ser inferior a € 42 500,00.

Concluem, pedindo que sejam julgados procedentes o incidente do valor da acção e as excepções deduzidas e pugnando pela improcedência da acção e consequente absolvição dos RR. do pedido, bem como pela condenação dos AA. por litigância de má fé no pagamento de uma multa e indemnização a favor dos RR. de montante não inferior a € 1 000.

Os AA. apresentaram réplica, impugnando o incidente do valor da causa e os factos alegados pelos RR. atinentes às excepções por eles deduzidas, requerendo, ainda, a intervenção principal provocada da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júlio M, representada por todos os RR. supra identificados, com vista a suprir a ilegitimidade passiva invocada por estes.

Em 28/01/2010 foi proferido despacho a determinar a realização de arbitramento com vista a apurar o valor de mercado do imóvel descrito nos artºs 28º a 31º da petição inicial, para apreciação do incidente de verificação do valor da causa e a admitir a intervenção principal provocada da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júlio M, a fim de ocupar a posição passiva na instância (cfr. fls. 208 a 212).

Em 20/06/2011 foi proferido despacho a determinar a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida no âmbito do processo nº. 416/06.9TBMNC (cfr. fls. 265 a 268).

Por despacho proferido em 6/07/2015 foi julgado parcialmente procedente o incidente do valor da causa suscitado pelos RR. e, em consequência, fixado à mesma o valor de € 18 897,50 (cfr. fls. 316 e 317).

Em 3/11/2015 realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, onde se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, se determinou a junção aos autos da certidão da sentença proferida no processo nº. 416/06.9TBMNC, com a respectiva nota de trânsito em julgado, e a notificação de ambas as partes para se pronunciarem sobre o eventual conhecimento do mérito da causa, dado o Tribunal “a quo” considerar que o processo se encontrava em condições de proferir decisão de mérito (cfr. fls. 330 a 367).

Ambas as partes vieram fazer uso do contraditório relativamente à questão do conhecimento do mérito da causa, mantendo as posições expendidas nos respectivos articulados (cfr. fls. 368 a 376).

Em 27/11/2015 foi proferida sentença que conheceu do mérito da causa em face dos elementos constantes do processo, julgando improcedente a presente acção, com a consequente absolvição dos Réus do pedido formulado pelos Autores, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas pelas partes, nomeadamente, a questão da litigância de má fé suscitada pelos Réus.

Inconformado com tal decisão, o Autor Eduardo R dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: A. A questão substancial em questão nos autos é a seguinte: “…a) Constituída uma servidão legal de passagem por destinação de pai da família pode o detentor do direito potestativo conferido pelo artigo 1551º do CC adquirir o prédio encravado?” B. A sentença supra expressamente condena no seguinte: “…b) Declarar que sobre o prédio dos Réus E e mulher Maria C, e Daniel L e mulher Maria I, identificado na alínea D) dos factos assentes, e a favor do prédio da Autora, está constituída uma servidão de carro de tracção animal, tractor e máquinas agrícolas, a exercer em duas épocas do ano: durante o mês de Maio, para preparação dos terrenos e sementeiras; durante o mês de Outubro, para fazer as colheitas, sendo essa serventia feita através da faixa de terreno que descreve a resposta ao quesito 5º.” C. Os Réus/requeridos pretenderam por via da acção nº 416/06.9TBMNC a alteração profunda da servidão existente.

Logo, D. Pretendendo alteração da servidão existente para nova servidão de conteúdo mais amplo os Autores deram fundamento aos Réus para a presente acção que tem fundamento legal e acolhimento no teor do nº 1 do artigo 1551º do CC.

E. O disposto no nº 1 do art. 1551º do Código Civil tem como pressuposto a existência da obrigação de ceder passagem e por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT