Acórdão nº 2588/15.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO DA 2ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO 1. J, invocando encontrar-se numa situação económica difícil, mas ainda susceptível de recuperação, veio, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, instaurar Processo Especial de Revitalização, com vista a estabelecer negociações com os seus credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

  1. Procedeu-se à nomeação do administrador judicial provisório, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

    Junta aos autos a lista provisória de créditos, veio a mesma a ser convertida em definitiva, na ausência de impugnações.

    Pelo Sr. Administrador Judicial nomeado foi requerida a junção aos autos do Plano de Recuperação apresentado pelo devedor e a respectiva votação, como consta de fls. 78 a 96, informando que o mesmo foi votado por 6 credores, que representam 99,97% dos créditos totais, dos quais votaram favoravelmente o plano 3 credores, que representam 57,55% dos créditos reconhecidos (cf. fls. 77 e 95/96).

  2. Na sequência da junção do referido plano e documentação anexa foi proferido o despacho de fls. 97, do seguinte teor: “O prazo para homologação ou não homologação do plano de recuperação é extremamente curto.

    Numa primeira análise entendemos que o plano fere o princípio da igualdade, já que os créditos do Millennium (onde se incluem créditos comuns) e da Fazenda Nacional se mantêm imutáveis. Já os restantes credores verão reduzidos o seu crédito a 15% do capital.

    Trata-se de uma redução extremamente elevada.

    Assim, antes de mais, porque tal não consta do plano, deverá o requerente justificar o motivo da destrinça e uma justificação plausível para uma diferenciação acentuadíssima dos credores.

    O prazo máximo que é possível conceder serão 3 dias. Igualmente o administrador provisório caso se queira pronunciar terá igual prazo.” 4. Em resposta veio o Administrador Judicial Provisório informar: - que a elaboração do plano ficou a cargo do devedor, “sendo que as condições de pagamento ali previstas resultaram daquilo que o mesmo entendia ser razoável, tendo em consideração as suas fontes de rendimento”; - que, “no que concerne à Fazenda Nacional as condições de pagamento não se mantiveram inalteradas, isto porque os termos de pagamento ali previstos se demostram prestacionais, tendo em consideração as condições sobejamente conhecidas para este credor e que se encontram previstas no Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT)”; e que “no entanto, no que concerne ao credor Banco Comercial Português, S.A., não consegue o aqui signatário descortinar formalmente quais as razões que justificam o tratamento desigual deste credor no que concerne aos créditos comuns, razão pela qual deverá o mesmo vir aos Autos apresentar tais esclarecimentos.” (sublinhado nosso) O Devedor, devidamente notificado (cf. fls. 98), nada disse.

  3. Após, foi proferido despacho, no qual se decidiu homologar o plano de revitalização apresentado, com os seguintes fundamentos: “(…) O plano de recuperação considera-se aprovado nos termos do art. 17º-C, n.º 3, alínea a) do CIRE, conforme informação do Sr. Administrador.

    O cerne da questão prende-se com o princípio da igualdade, sendo que a sua violação consiste numa violação grave não negligenciável das regras aplicáveis (assim Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, Volume II, Quid Juris, Lisboa 2006, pago 46).

    Oficiosamente o plano de recuperação pode ser recusado caso viole a igualdade entre os credores da insolvência (cfr. disposições conjugadas dos arts. 17º-F, n.º 5, 194º e 215º do CIRE.

    O tratamento igual dos credores da insolvência não é absoluto. Nos termos do art. 194º, n.º 1 parte final do CIRE, são possíveis diferenciações justificadas por razões objectivas. Mais não é do que a consagração do princípio de que situações distintas podem ser objecto de tratamento desigual.

    E mesmo existindo uma desigualdade objectiva, sempre será admissível se o credor afectado der o seu consentimento, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável (art. 194º, n.º2, do CIRE).

    A jurisprudência tem sido uniforme no sentido da diferenciação de tratamento consoante a natureza dos créditos (entre outros ac. da RE, Rel. Alexandra Santos, proc. n.º• 63/14.1T8RMZ.E1, 10.9.2015, consultado em www.dgsi.pt: “1 - Resulta do nº 1 do art.º 194º do CIRE que é admissível a desigualdade entre os credores, desde que, para tanto, se invoquem razões objectivas; 2 - A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos nos termos em que agora está assumida no arts 47º desse Código. Ou seja, a gradação prevista no CIRE (garantidos, privilegiados, comuns e subordinados), permite tratamento diferenciado de tais créditos, justamente atenta a diversa garantia que os mesmos beneficiam").

    Mas a lei não é taxativa. Ou seja, são admissíveis todas as diferenciações justificadas por razões objectivas. Em princípio se dirá que a distinção entre créditos da mesma natureza fere o princípio da igualdade. Neste sentido veja-se recente ac. da RP, Rel. Rodrigues Pires, proc. n.º 2438/14.7T80AZ.P1, 15.9.2015, consultado em www.dgsi.pt: “I - A consagração do princípio de igualdade de tratamento dos credores, previsto no art. 194º do CIRE, faz com que se procurem soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente. II - O princípio da igualdade não pode ser tido por absoluto, não se impondo, de forma necessária, uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, tal como não se permite toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de diversa natureza. III - Não podem, porém, os valores subjacentes ao princípio da igualdade deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade. IV - Ocorre violação do princípio da igualdade quando no plano de recuperação se propõe o pagamento integral de dois créditos comuns, quando relativamente aos demais créditos comuns se propõe o perdão de 70% do capital, bem como da totalidade dos juros vincendos.”. Como se salienta nesse acórdão a questão da diferenciação dos credores não se pode “radicar na própria necessidade de viabilização do plano”.

    Mas no fundo a questão prende-se em apurar se existem diferenciações injustificadas, ou seja, que não têm por fundamento qualquer razão objectiva. E aqui reiteramos que dependerá das circunstâncias em concreto: motivo da diferenciação, valor dos créditos, número de créditos diferenciados, garantias dos créditos, etc. O número de votos contrários, a autonomia (da maioria de credores) na aprovação do plano, o objectivo primordial da lei em permitir a recuperação económica de devedores, a proporcionalidade de recusar planos em determinadas circunstâncias em concreto também relevam. Importa também considerar as votações e qual foi a posição dos credores diferenciados e o seu comportamento à posteriori, ou seja, se após o resultado das votações, solicitaram a recusa de aprovação do plano de insolvência.

    Só após sopesar todas essas circunstâncias e considerando-se que os credores estão em idêntica situação, é que poderá ter aplicabilidade o n.º 2 do art. 194º do CIRE. Ou seja, pressuposto da aplicabilidade sempre serão diferenciações não justificadas de credores em idêntica situação, sendo que como dissemos diferenciações de credores com a mesma categoria de créditos indicia fortemente uma diferenciação injustificada. Mas não obstante, como referimos, não são um limite intransponível (veja-se ac. da RC, proc. 5570/14.3T8CBR.C1, Rel. Arlindo Oliveira, 15/09/2015, consultado em www.dgsi.pt: “O princípio da igualdade entre credores não afasta a possibilidade de diferenciações entre credores em idênticas circunstâncias, desde que justificadas por razões objectivas, tendo em vista uma adequada e necessária ponderação de todos os interesses em confronto.”).

    No caso em concreto existe uma clara diferenciação entre o crédito comum do Millenium e dos restantes credores comuns. Embora o Requerente não tenha apresentado justificações, cremos que essa diferenciação prende-se com o facto de ser o credor hipotecário e de modo a viabilizar o plano de recuperação.

    Em princípio essa diferenciação colidiria com o princípio da igualdade. Mas uma visão global torna aceitável a mesma. Na verdade o crédito comum é só de 850,47€, sendo a esmagadora maioria do crédito garantido por hipoteca. Importa ainda considerar que um dos credores comuns votou favoravelmente, o plano foi aprovado segundo as regras instituídas, e nenhum dos credores veio posteriormente pedir a recusa de aprovação do plano. Por último, é considerado a única forma de revitalizar o devedor, objectivo primordial do CIRE para evitar insolvências e os efeitos nefastos que daí advêm.

    Pelo exposto: Homologo por sentença, nos termos do 17º-F n.ºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de revitalização do devedor J. (…)” 6. Inconformado, interpôs recurso o credor BANCO P, SA., pedindo a revogação do despacho, com a consequente recusa de homologação do plano, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões sintetizadas na sequência do despacho do relator de fls. 163/164]: 1.ª O presente recurso tem por objecto o douto despacho de 09-10-2015, o qual homologou o acordo de pagamento entre o supra identificado Devedor e todos os seus Credores reclamantes.

    1. O plano de revitalização apresentado foi homologado, porquanto o Tribunal a quo considerou que o mesmo foi aprovado segunda as regras instituídas e nenhum dos credores veio posteriormente pedir a recusa da aprovação do plano, apesar do voto de...

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