Acórdão nº 42/13.6TBMDB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCA MENDES
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório MANUEL A, B.I. n.º 2.865.007, residente no Lugar de B, 4880 Vilar de Ferreiros, Mondim de Basto, instaurou, ao abrigo da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, acção popular, sob a forma de processo ordinário, contra MARCELINO M e a esposa MARIA A, residentes no Lugar de P, 4880 Atei, Mondim de Basto, pedindo que seja declarado e reconhecido do domínio público o caminho de passagem a pé, animais, alfaias agrícolas e veículos automóveis e de tracção animal que liga o lugar do Eiral às azenhas do ribeiro dos Grelhos e Serra da Estrela, na circunscrição territorial da freguesia de Atei, Mondim de Basto, e melhor identificado nos artigos 9.º a 33.º da petição inicial.

O A. pediu ainda que os RR. sejam: - Condenados a retirar e repor o leito do caminho ao estado em que se encontrava antes da colocação do entulho e pedras colocados no leito do caminho no dia 13 de Março e 28 de Março de 2012, garantindo a circulação ao longo do seu percurso e sem qualquer restrição; - Condenados a não mais perturbarem a livre utilização do mencionado caminho público.

Para tanto, alegou, em síntese, que existe um caminho público, denominado “Gongeba”, na freguesia de Atei, concelho de Mondim de Basto, que se inicia no lugar do Eiral e se projecta até ao ribeiro de Grelhos, com uma extensão de 250 metros e que apresenta as características descritas nos artigos 13.º a 26.º e 28.º a 31.º da petição inicial, fruído há mais de 100 anos pela generalidade das pessoas, nos termos narrados nos artigos 27.º e 32.º a 40.º desse articulado, cuja fruição os réus se encontram a obstaculizar desde Março de 2012, colocando entulho e pedras no leito do caminho, na parte em que confronta com imóveis que lhes pertencem, por se arrogarem proprietários desse trato de terreno.

Procedeu-se à publicitação da acção.

Procedeu-se à citação do Município de Mondim de Basto e da Junta de Freguesia de Atei, não tendo sido oferecida contestação por essas entidades.

Os RR. contestaram, invocando a ilegitimidade activa do autor e impugnando a existência do descrito caminho público.

Concluíram pela improcedência da presente acção.

O autor replicou, pugnando pela improcedência da excepção dilatória arguida pelos RR.

Foi proferido despacho saneador, onde, além do mais, se decidiu julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa.

Após realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença.

Pelo Tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos: 1- Na freguesia de Atei, concelho de Mondim de Basto, descortina-se um trato de terreno, com a extensão aproximada de 296,10 metros, o qual, atendendo o sentido norte/sul, tem o seu início no largo do Eiral e termina num terreno agrícola de um filho dos réus (Rui P), nas imediações das ruínas de um moinho de água/azenha, existentes nas margens do Ribeiro dos Grelhos, afluente do Rio Tâmega - cfr. art. 9.º a 12.º, 15.º, 20.º e 31.º da p.i.

2-(…) delimitado ao longo de todo o seu percurso por terrenos particulares de cultivo agrícola, confrontando de um lado com os prédios pertencentes aos réus e do outro com prédios de que o autor é proprietário, aos quais pode aceder através desse trato de terreno, embora disponha de outros acessos - cfr. art. 12.º a 14.º, 20.º, 21.º, 30.º e 41.º da p.i. e 37.º da cont.

3-(…) que no seu início, atendendo o sentido norte/sul, apresenta uma largura de 4 metros, ao longo de uma extensão aproximada de 40 metros, onde possui o piso com cubos em granito, após o alargamento e beneficiação da responsabilidade do Município de Mondim de Basto - cfr. art. 17.º e 22.º a 25.º da p.i.

4- (…) após o que prossegue para sul, com largura variável, de sensivelmente 1,5 a 3 metros, apresentando-se o piso em terra batida, dura e compactada e as margens definidas por muros em pedra delimitadores dos prédios que com ele confrontam, em parte significativa do percurso - cfr. art. 18.º, 19.º e 26.º da p.i.

5- Há mais de 100 anos que o trato de terreno identificado em 1 vem sendo utilizado para acesso aos terrenos agrícolas que com ele confrontam, bem como para aceder ao terreno actualmente pertencente a Rui P e a outros dois terrenos pertencentes a terceiros, pelos proprietários destes imóveis e respectivos colaboradores, deslocando-se apeados e com veículos de tracção animal, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de estarem a servir-se de coisa afecta ao uso de todas as pessoas e que consideram pertencente ao domínio público - cfr. art. 27.º, 29.º, 30.º, 34.º a 40.º da p.i.

6 -(…) e, desde há mais de 100 anos e até pelo menos 1986, era utilizado pelos agricultores da freguesia de Atei, para transportarem o grão que produziam, até à azenha aludida em 1, para ser transformado em farinha, deslocando-se apeados e com veículos de tracção animal, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de estarem a servir-se de coisas afectas ao uso de todas as pessoas e que consideram pertencente ao domínio público - cfr. art. 27.º, 31.º, 32.º e 34.º a 40.º da p.i.

7-Por escritura pública, outorgada em 10/09/1993, no Cartório Notarial de Mondim de Basto, Maria M declarou vender ao réu, pelo preço global de 847.738$00, sete imóveis sitos na freguesia de Atei, entre os quais se contava o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 195 e o prédio urbano ali descrito sob o n.º 200, tendo o réu declarado adquirir os bens nos termos exarados – cfr. art. 12.º, 14.º e 16.º da cont.

8-Os prédios rústicos e o prédio urbano pertencentes aos réus constituem uma unidade agrícola - cfr. art. 42.º da p.i.

9-Em data não concretamente apurada, por pessoas não identificadas, foram colocadas pedras de grandes dimensões no início do trajecto indicado em 4, impedindo a circulação de tractores e alfaias agrícolas, apenas sendo aí possível a passagem apeado, com alguma dificuldade - cfr. art. 43.º, 44.º, 46.º, 49.º e 50.º da p.i.

10-Ao longo do trajecto indicado em 4 existem videiras em bardos e ramadas, que cobrem o trato de terreno - cfr. art. 38.º da cont.

11-O Município de Mondim de Basto e a Junta de Freguesia não fizeram nenhuma intervenção no trajecto indicado em 4 - cfr. art. 42.º da cont.

12-Existe uma mina de água, que está praticamente à superfície, apenas coberta por lajes em pedra, próximas da entrada da propriedade dos réus - cfr. art. 43.º e 44.º da cont.

Pelo Tribunal a quo foram considerados não provados os seguintes factos: 1-O trato de terreno identificado no facto provado n.º 1 era conhecido como “caminho da Gongeba” - cfr. art. 16.º da p.i.

2-(…) entronca com outros caminhos públicos e privados - cfr. art. 28.º da p.i.

3-(…) era utilizado para a circulação de veículos automóveis, tractores e alfaias agrícolas - cfr. art. 27.º da p.i.

4-(…) era utilizado para a circulação dos habitantes dos lugares do Eiral, Minhatoso, Loureiro, Serra da Estrela e Portela e servia para a intercomunicação da freguesia de Atei - cfr. art. 27.º, 29.º, 34.º e 35.º da p.i.

5-As videiras indicadas no facto provado n.º 10 foram plantadas pelos réus e por antepossuidores dos seus prédios, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém - cfr. art. 38.º da cont.

6-A mina de água aludida no facto provado n.º 12 serve única e exclusivamente o prédio dos réus e, a sua fragilidade implica que a circulação apenas seja efectuada com alguns cuidados e reservas - cfr. art. 43.º, 44.º e 47.º da cont.

Com base nos factos provados acima indicados, foi proferida a seguinte decisão : « Em face de todo o exposto, julgam-se parcialmente procedentes os presentes autos de acção popular, sob a forma de processo ordinário, instaurados por MANUEL A contra MARCELINO M e MARIA A, e, consequentemente, decide-se: a) Declarar integrar o domínio público o caminho descrito nos factos provados n.ºs 1 a 6, condenando-se os réus MARCELINO M e MARIA A a reconhecê-lo e a se absterem de qualquer acto de perturbação da livre utilização do mencionado caminho público; b) Julgar improcedente o peticionado pelo autor MANUEL A a fls. 9, sob a alínea b), absolvendo-se os réus MARCELINO M e MARIA A de tais pretensões».

Os RR. recorreram desta sentença e formularam as seguintes conclusões: 1ª -Neste recurso coloca-se uma única questão: a de saber se em face da matéria de facto apurada e dada como assente se pode concluir, como concluiu o tribunal a quo, que o trato de terreno em litígio é um caminho público.

  1. -Os réus entendem que não e, salvo o devido respeito, que é muito, entendem que o tribunal a quo fez um errado julgamento da questão, tendo feito uma errada aplicação do direito aos factos. Senão vejamos: 3ª -A questão da dominialidade de determinados acessos gerou acesa controvérsia, apenas serenada (mas não totalmente resolvida) com a prolação do Assento do STJ de 19 de Abril de 1989, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, que fixou a seguinte doutrina: "são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.

  2. -De acordo com a jurisprudência que entretanto pacificamente se firmou nos nossos tribunais superiores deve o referido Assento ser interpretado restritivamente, no sentido de que a publicidade dos caminhos exigirá ainda a sua afetação a utilidade pública, isto é, que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância.

  3. - Acontece que a relevância deste uso coletivo só poderá...

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