Acórdão nº 86/14.0T8AMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo I - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. B. e mulher, C. (aqui Recorridos), residentes na Rua …, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra D. e mulher, E. (aqui Recorrentes), residentes em …, pedindo que • se declarasse extinta a servidão predial de passagem, existente sobre um prédio seu em favor de um prédio dos Réus.

Alegaram para o efeito, em síntese, que sendo proprietários do prédio rústico «Bouça das Leiras da Poça Nova», e confrontando o mesmo do sul e de nascente com estrada pública, e de poente com o prédio rústico dos Réus «Monte de São Tiago», numa extensão de trezentos metros, viram aquele onerado com uma servidão de passagem a favor deste, numa faixa de largura de dois metros, para passagem esporádica de tractor ou carro de bois, com vista ao transporte de matos, madeira e lenha, conforme sentença judicial que a reconheceu constituída por usucapião.

Mais alegaram que, confrontando o prédio dos Réus de nascente com estrada municipal, os mesmos efectuaram há cerca de doze anos obas de melhoramentos do acesso àquela, quando ali construíram uma moradia, permitindo agra que se aceda ao prédio com qualquer veículo, e de forma directa à nova casa edificada.

Alegaram ainda que esse novo acesso à via pública proporciona inclusivamente melhores condições de utilidade e de comodidade, face à anterior servidão, pelo que esta se teria extinto por desnecessidade, tanto mais que os Réus deixaram de ter árvores e mato no seu terreno, encontrando-se o mesmo hoje apenas relvado.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (aqui Recorrentes) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo eles próprios absolvidos do pedido; e deduzindo reconvenção, impetrando: • a condenação dos Autores a reconhecerem o seu direito a aumentarem a largura da servidão de passagem que onera o prédio daqueles a favor do seu próprio prédio, por forma a que a mesma proporcione a passagem de veículos automóveis ligeiros e pesados, de máquinas agrícolas e de exploração florestal, e de ambulâncias ou carros de bombeiros.

Alegaram para o efeito, em síntese, e relativamente à acção deduzida contra si, não ser verdadeira a quase generalidade dos factos invocados pelos Autores, nomeadamente por o acesso do seu próprio prédio à via pública não ser o melhor relativamente à sua casa de habitação, e nem sequer à maior parte do «Monte de São Tiago» (nomeadamente, mercê da natureza e da morfologia do terreno - com inclinação que ultrapassa os 25% e menores raios de curvatura - e da distância a percorrer - superior a 150 metros), estando nomeadamente vedada a utilização de carros ligeiros.

Mais alegaram que só a realização de obras de movimento, compactação e pavimentação de terras, e a execução de um muro de suporte das mesmas, numa distância de cerca de 150 metros, com um custo superior a € 250.000,00, viabilizaria a utilização do aceso referido pelo Autores à sua própria casa.

Alegaram ainda os Réus que a servidão de passagem em causa nos autos implica um sacrifício máximo de 10 m2 para os Autores, enquanto que para si é absolutamente imprescindível para acesso à respectiva casa de habitação, e aos terrenos onde plantaram dezenas de árvores de fruto, de novas árvores para produção de madeiras, pés de videira, e de plantas ornamentais.

Defenderam, por isso, não se verificar a desnecessidade invocada pelos Autores como causa de extinção da servidão em causa, não exigindo a lei para este efeito a indispensabilidade, mas apenas que se mantenha alguma utilidade, inerente à mesma, para o prédio dominante.

Já relativamente à reconvenção que eles próprios deduziram, os Réus, reiterando o antes afirmado, alegaram que a servidão de passagem em causa - absolutamente imprescindível ao seu imóvel - seria manifestamente exígua para as finalidades do seu uso e fruição, assistindo-lhes por isso o direito de a verem alargada, por forma possibilitar a passagem de veículos automóveis ligeiros e pesados, máquinas agrícolas e de exploração florestal, e de ambulâncias e carros de bombeiros.

1.1.3. Os Autores replicaram, pedindo que a reconvenção não fosse admitida, ou, subsidiariamente, fosse julgada improcedente.

Alegaram para o efeito, novamente em síntese, não se subsumir a reconvenção deduzida a qualquer uma das situações previstas no art. 266º, nº 2 do C.P.C., antes sendo apenas o efeito contrário do direito por eles próprios aqui exercido, pelo que seria inadmissível.

Mais alegaram que a servidão em causa foi constituída a favor de um prédio rústico (para fins agrícolas), e não de um prédio urbano (para acesso a habitação); e disporem os Réus neste momento de um novo acesso à via pública, que lhes proporciona melhores condições de utilidade e de comodidade do que a servidão de passagem em causa.

Alegaram ainda que a pretensão reconvencional dos Réus ofenderia o caso julgado anterior, já que a servidão em causa foi constituída apenas para permitir a passagem, por uma faixa com a largura de dois metros, de carro de bois e/ou tractor, para transporte de matos, madeira e lenha, e não para os demais propósitos reclamados pelos Réus.

1.1.4. Em sede de audiência designada para tentativa de conciliação das partes, e frustrada a mesma, foi proferido despacho: admitindo a reconvenção deduzida (embora, nesta parte, inicialmente apenas de forma oral, sendo reduzido a escrito em sede de audiência de julgamento); certificando a validade e a regularidade da instância; e apreciando os requerimentos probatórios das partes.

1.1.5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu pela procedência total da acção e pela improcedência total da reconvenção, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) 5.1.- Julgar procedente a presente ação e, em consequência, declaro extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem que onera o prédio dos autores em benefício do prédio dos RR., e que tinha como finalidade o “transporte esporádico, a pé ou de carro, de matos e lenhas ou madeiras existentes no atual prédio dos RR.”.

5.2.- Julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolvo os reconvindos do pedido reconvencional deduzido nos autos contra si pelos reconvintes.

5.3.- Custas da ação pelos réus.

5.4.- Custas da reconvenção pelos reconvintes.

(…)» * 1.2. Recurso (fundamentos) Inconformados com esta decisão, os Réus (João de Deus de Sousa Pereira e Maria João Gonçalves Carneiro Pereira) interpuseram recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida, sendo a acção julgada improcedente e a reconvenção julgada procedente.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como provados factos susceptíveis de caracterizarem a diferente natureza e características dos dois acesos do prédio dos Réus a via pública, manter-se a servidão em causa como o melhor acesso à dita via pública, e ser desproporcionado o encargo imposto aos Réus com a sua extinção, face ao prejuízo que a mesma importa para os Autores.

B - O Tribunal recorrido não deu por provado, como podia e devia, a existência, há muitos anos, quer do identificado caminho de servidão, quer do caminho existente a norte/poente do prédio dos RR., com entrada e saída pelo portão azul, a que se alude nos autos, tudo como resulta, quer na prova documental, quer na prova testemunhal produzidas, factos que têm absoluta importância para a decisão da manutenção do caminho de servidão atenta a dimensão do prédio dominante - 48.000 m2 -, a sua natureza e as suas utilidades.

C - Se, há longos anos, o Monte de S. Tiago tem duas – 2 – entradas/saídas, foi porque sempre delas precisou, tendo em conta o seu tamanho e a morfologia do solo, por forma a permitir o seu normal e adequado aproveitamento florestal, donde os sucessivos proprietários retiram – legitimamente e porque precisam proveito económico, tudo como reporta a prova testemunhal produzida.

D - Se assim foi, enquanto no Monte de S. Tiago não havia a casa de habitação que os RR/Recorrentes lá construíram há cerca de 12 anos, por maioria de razão se justifica, não só a existência da servidão, como a ampliação da sua extensão, tal como foi peticionado em sede de Reconvenção, TENDO EM CONTA AS necessidades normais e previsíveis, porque naturalmente decorrentes da evolução dos tempos.

E - O Tribunal Recorrido não deu por provado, como devia, porque alegada tal matéria e toda a prova produzida - inclusivé a produzida por testemunhas dos próprios Autores - assim o impunha, os seguintes factos, que inequivocamente também decorrem dos documentos, das fotografias, do Relatório Pericial e dos esclarecimentos dos Srs. Peritos:

  1. A Bouça de São Tiago sempre teve duas – 2 – entradas/saídas, uma a que constitui o caminho de servidão e outra aquele que se começa/termina no portão azul.

  2. O caminho a que alude o art.° 40 da P. I. apenas constitui melhor acesso à área Nascente/Norte do Monte de Santiago, já não quanto ao seu lado sul e nascente.

  3. No caminho a que alude o art.° 40 da P. I. existem zonas em que a inclinação é superior a 25%, existindo também zonas de inclinação inferior.

  4. O caminho a que alude o art.° 40 da P. I. não é plano e implica vencer um desnível.

  5. No caminho a que alude o art.° 40 da P. I. o trânsito de veículos ligeiros é impossível.

  6. A natureza, a morfologia e a utilização de tal caminho para ligação à casa de morada do casal e à parte nascente/sul do Monte de S. Tiago, implicaria trabalhos de pavimentação, movimentação, compactação de terras e drenagem, podendo haver a necessidade de construção de um muro de suporte de terras, numa distância não inferior a 150 m, com dimensões a serem determinadas em fase de estudo e projeto.

  7. ...

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