Acórdão nº 3726/15.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução10 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: P. F.

APELADOS: “X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, e “MS & FILHOS, LIMITADA”, Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Frustrada a tentativa de conciliação, P. F., viúva, residente na Rua d…, freguesia de ..., Póvoa de Lanhoso instaurou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra “X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

”, com sede na Rua … Lisboa e “MS & FILHOS, LIMITADA”, com sede na Rua …, freguesia de ..., Póvoa de Lanhoso, pede a condenação das Rés a pagar-lhe: a) pensão anual por morte, até à idade de reforma da Autora, no valor de €:2.765,24 (dois mil setecentos e sessenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), perfazendo o valor total de € 30.406,64 (trinta mil quatrocentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos); b) pensão anual por morte e vitalícia, após a idade de reforma até aos 83 anos de idade (esperança média de vida da Autora), no valor de €: 3.686,99 (três mil seiscentos e oitenta e seis euros e noventa e nove cêntimos), perfazendo o montante total de € 62.678,83; c) subsídio por morte na cifra de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos); d) subsídio por despesas de funeral, no montante de € 1.844,57 (mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos); e) dano de morte do sinistrado, correspondente a uma indemnização no montante nunca inferior a € 70.000,00 (setenta mil euros); f) pensão a que se refere a al. a), do nº4 do art. 18º da Lei nº 98/2009, no montante de € 9.217,48 (nove mil duzentos e dezassete euros e quarenta e oito cêntimos), anuais e vitalícios, até aos 83 anos de idade (esperança média de vida da Autora), perfazendo o montante total de € 258.089,44 (duzentos e cinquenta e oito mil e oitenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos); g) danos não patrimoniais da Autora por causa da morte do sinistrado uma compensação, no montante nunca inferior a €: 20.000,00 (vinte mil euros); e h) juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias peticionadas, até efectivo e integral pagamento; *Regularmente citadas, ambas as rés contestaram.

A Ré seguradora defende que a morte do marido da autora se ficou a dever a cardiopatia isquémica crónica, que é causa de morte natural e não acidente de trabalho, não devendo por isso ser responsabilizada pelo pagamento das prestações peticionadas pela Autora.

Por sua vez, a Ré patronal nega qualquer responsabilidade na morte que vitimou o seu trabalhador, alegando que para além de não ter violado qualquer regra ou condição de segurança no trabalho, não existe causalidade entre a morte do seu funcionário e a sua prestação laboral e/ou o facto de ter falecido no local e tempo de trabalho.

Os Autos prosseguiram os seus normais trâmites, tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e que terminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgo a acção improcedente e, consequentemente, absolvo ambas as Rés de todos os pedidos.

Custas a cargo da Autora (levando-se em consideração, no entanto, de que goza do benefício de apoio judiciário).

Registe e notifique.” *A Autora inconformada interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: “1.

O objeto do julgamento, em particular nas ações emergentes de Acidente de Trabalho, é delimitado pela base instrutória e definida no Despacho Saneador, conforme o disposto no artigo 131º do CPT, por se entender que a matéria contida na base instrutória é auto-suficiente.

  1. O Tribunal só pode ter em consideração um facto inserido na base instrutória ou em sede produção de prova nos termos do nº 1 do artigo 72º do CPT.

  2. O Tribunal só pode ampliar a Base Instrutória, por considerar o facto em apreço como novo e relevante para a boa composição da causa, findos os debates, se os mesmos forem vertidos pelas partes nos articulados, conforme estatui o artigo 72º, nº4 do CPT, sob pena de violar o princípio do contraditório.

  3. Tal não se sucedeu com o facto provado L) da Sentença Recorrida.

  4. Destarte, o Tribunal a quo, ao considerar e julgar provado, o referido facto, excedeu os limites dos seus poderes-deveres, conhecendo uma questão que não poderia conhecer, consubstanciando-se, nos termos do artigo 615º, nº1, al. d), 2ª parte, ex vi artigo 1º,nº 2, al. a) do CPT, em nulidade de sentença.

  5. O tribunal a quo, sem qualquer justificação ou motivação, considerou não provados os factos controvertidos nos números 6, 7 e 8 do Despacho Saneador proferido, desconsiderando em absoluto o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora, que confirmaram sobejamente a realidade ôntica dos mencionados factos.

  6. O Tribunal a quo, não fundamenta, ainda que parcamente, as razões pelas quais julga não provados, os aludidos factos, quando há pelo menos três testemunhas que corroboram a veracidade dos mesmos.

  7. Assim, atendendo aos elementos probatórios disponíveis, conjugados com as mais elementares regras de experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter julgado provados, os factos controvertidos nos números 6, 7 e 8 do Despacho saneador, pelo que incorreu aquele Tribunal, em erro na apreciação da prova, por flagrante desconformidade entre a prova produzida e a decisão em relação à matéria de facto.

  8. Factos esses que corroboram e demonstram, inequivocamente, o nexo de causalidade entre as parcas condições de trabalho impostas ao Sinistrado e o decesso deste.

  9. A partir de Setembro de 2013, o Sinistrado iniciou as funções de guarda noturno, por imposição da Empregadora, substituindo um colega, que havia abandonado o posto de trabalho.

  10. Efetivamente, foi nessa altura que o sinistrado se começou a sentir cansado, em virtude das horas de trabalho exercidas, de forma consecutiva, conforme se depreende do depoimento da Testemunha Marcelo, aos 5.44 min. e 6.30 min. da gravação áudio - ficheiro 20171010151229_4969704_2870520.

  11. Assim, deveria o Tribunal Recorrido, julgar provado, o facto controvertido nº 6 constante do Despacho Saneador.

  12. A degradação das condições físicas e anímicas do Sinistrado, pela falta de repouso adequado, em consequência das parcas condições de trabalho, foi atestada pela testemunha P. T., aos 3.55 min., 4.35 min. e 5.03 min. da Gravação Áudio, Ficheiro 20171010160034_4969704_2870520.

  13. Destarte, o Tribunal a quo, de igual forma, deveria ter julgado provado, o facto nº 7 do Despacho Saneador proferido.

  14. Não obstante o depoimento da testemunha, P. T., as regras de experiência comum (e dado como provado, o horário de trabalho, alegado na Petição Inicial), seriam suficientes, para presumir, que a falta de repouso, causado pelo excesso de horas de trabalho, seriam suscetíveis e idóneas, para concluir o cansaço sentido.

  15. São cada vez mais conhecidos estudos científicos, que alertam para os efeitos da falta de repouso e da inversão dos hábitos normais do quotidiano, nocivos para a saúde.

  16. Atento o exposto, o facto controvertido nº7 do Despacho Saneador, deveria ser julgado como provado.

  17. De igual forma, o facto controvertido com o nº8 do Despacho Saneador, deveria ter sido julgado como provado. Isto porque, assumindo como premissas verdadeiras: o horário de trabalho praticado pelo Sinistrado; o cansaço sentido em consequência do horário de trabalho praticado bem como, que o Sinistrado e a Autora eram casados, a conclusão é obvia: naturalmente, o Sinistrado queixava-se à Autora.

  18. Contudo, a testemunha Marcelo, aos 7.52 min., da gravação áudio - ficheiro20171010151229_4969704_2870520, filho da Apelante e do Sinistrado, também confirmou que este (sinistrado), se queixava àquela (Autora), do excesso de horas de trabalho e, consequentemente, que se sentia exausto.

  19. No mesmo sentido, depôs a testemunha, Susana, aos 7.57 min., da Gravação Áudio - Ficheiro 20171010153049_4969704_2870520.

  20. Perante o exposto, deveria ter sido julgado como provado o facto controvertido nº 8 do Despacho Saneador.

  21. O Sinistrado a partir de Setembro de 2013, passou a exercer o seguinte horário de trabalho:

    1. Trabalhava dia sim / dia não, das 20:00 horas da noite às 08:00 da manhã do dia seguinte, ou seja trabalhava 12 horas seguidas em horário noturno; b) As sextas e os sábados eram alternados com um colega de trabalho, também Guarda Noturno, de nome Abel (funcionário que hoje se mantém na empresa), sendo que: - quando trabalhava às sextas, entrava às 20:00h e saía às 13:00 de sábado (17 horas seguidas de trabalho); - quando trabalhava aos sábados, entrava às 13:00h e saía às 13:00 de domingo (24 horas seguidas de trabalho).

  22. O Sinistrado, no dia 25 de Dezembro de 2014 (quinta feira, dia de Natal), iniciou o seu trabalho às 13:00 horas e terminou no dia seguinte, dia 26, pelas 13:00 horas, o que significa que laborou durante 24 horas seguidas - cfr. facto assente F) do Despacho Saneador.

  23. À semelhança do horário praticado nos dias 25 e 26 de Dezembro (das 13h às 13h), no dia 27 de Dezembro de 2014 (sábado), o Sinistrado, iniciou o seu trabalho às 13:00 horas, sendo que o mesmo, terminaria no dia seguinte, dia 28 de Dezembro (domingo), pelas 13:00, o que significa que iria laborar durante 24 horas seguidas - cfr, Facto assente G) do Despacho Saneador.

  24. O Sinistrado padecia de uma cardiopatia isquémica crónica, devidamente advertida pelo Médico de Trabalho da empresa, Dr. Camilo.

  25. A Entidade Empregadora, conforme admite no artigo 64º da sua Contestação, sabia que o Sinistrado padecia de doenças do foro cardíaco.

  26. As parcas condições de trabalho, impostas a partir de Setembro de 2013, agravaram a doença prévia do Sinistrado, causando-lhe a morte.

  27. Foram as condições de trabalho, em particular o exercício de trabalho noturno, executado continuamente, durante longas horas (24 horas), que precipitou o decesso do Sinistrado.

  28. O sinistrado prestava trabalho noturno, durante períodos de trabalho ilegais (12, 17 e 24 horas de trabalho seguidas).

  29. Hodiernamente, são amplamente conhecidos e divulgados, os efeitos nefastos do trabalho noturno, do excesso de horas trabalho...

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