Acórdão nº 1317/18.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | PEDRO DAMI |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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RELATÓRIO.
*S. P.
, de nacionalidade portuguesa, residente em Portugal, veio requerer contra V. S.
, residente em França, acção de alteração das responsabilidades parentais em relação à filha menor J. P.
, pedindo que se fixe um regime de visitas nas férias escolares da criança.
Para o efeito, alega que requerente e requerida se divorciaram (em Março de 2014) no tribunal de Vila Pouca de Aguiar. No processo de divórcio regularam as responsabilidades parentais, tendo a criança ficado a residir com a mãe. Mais alega que no ano de 2014, após o divórcio, foi para França trabalhar, país onde o casal já tinha vivido e onde a criança nasceu. Cerca de três meses depois, a requerida também se deslocou para aquele país na companhia da filha do casal e ainda viveram juntos por um período de dois meses, até que o requerente se afastou definitivamente da requerida. Entre o ano de 2015 e 2017, o requerente manteve-se num vai e vem entre Portugal e França para poder conviver com a filha que permaneceu a viver naquele país com a mãe. Desde a Páscoa de 2017 que o requerente está a viver definitivamente em Portugal.
*Notificado para se pronunciar sobre a competência do tribunal, o requerente veio ainda alegar que a criança, apesar de ter nascido em França, veio muito pequena para Portugal e é aqui que residem os avós paternos, restante família e amigos.
*Na sequência, o Tribunal de 1ª Instância veio pronunciar-se sobre a excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal, tendo concluído com a seguinte decisão: “ … Perante este circunstancialismo, parece-nos pois que a actual residência da menor é, sem dúvida, em França, pelo que, não obstante o progenitor residir em Portugal e ter nacionalidade Portuguesa, será o Tribunal Francês da área da residência da requerida e da menor aquele que melhor estará habilitado a definir a sua situação.
Nestes termos, julgo verificada a incompetência internacional deste Tribunal – art. 17º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27/11 – para a apreciação desta acção de alteração das responsabilidades parentais.
Custas pelo requerente.
Notifique. …”*É justamente desta decisão que o Requerente/Recorrente veio interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES: 1 - O Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida que julgou verificada a incompetência internacional do Tribunal a quo, para a apreciação da presente acção de alteração das responsabilidades parentais.
2 - Desde logo, porque, a menor encontra-se a residir em França desde finais de 2014 com a sua mãe, cuja guarda lhe foi atribuída e, em consequência, tornou-se impossível manter por parte do Requerente o regime de visitas quinzenais anteriormente estabelecido.
3 – A matéria da competência para a regulação do poder paternal de menores filhos de cidadãos portugueses residentes em Estados membros da Comunidade Europeia é regida pelo Regulamento (CE) no 2201/2003, de 27 de Novembro. No caso sub judice, sendo a França e Portugal membros da Comunidade Europeia, será aplicável o referido Regulamento (CE).
4 – Que, no artigo 8º nº 1 dispõe " Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.
5 - Este artigo estabelece que, quanto às responsabilidades parentais o tribunal competente é o do Estado-Membro da residência habitual da criança, à data em que o processo é instaurado, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.
6 – Embora o Regulamento não defina o que se deve entender por residência habitual, a jurisprudência comunitária e nacional considera que o conceito de residência habitual do menor deve ser aferido segundo o critério de proximidade, procurando apurar qual o Estado Membro que está melhor colocado para resolver o litígio atendendo à vinculação do menor e dos seus progenitores a esse mesmo Estado.
7 - Neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia 3ª Secção, Acórdão da Relação de Lisboa proferido no dia 22.09.2011, o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no dia 07.05.2013, no âmbito do processo no 257/10.9TBCBT-D.G1., e o Ac. da Relação de Lisboa de 1729/10.0TMLSB-B.L1-8 de 22/09/2011, in dgsi.
8 – Assim, o conceito de residência habitual não se prende apenas com o facto de saber se a morada do menor se situa em França, Inglaterra ou Portugal, mas antes em perceber com que Estado Membro o menor e os seus progenitores têm maior e efectiva ligação, em que o menor está melhor integrado, do ponto de vista familiar, social e cultural, para se conseguir encontrar a jurisdição que está em melhor posição para a resolução do litígio nos termos exigidos pelo interesse superior deste último.
9 – Neste sentido a Jurisprudência supra mencionada, refere que embora o regulamento não defina residência habitual. “Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjectivo "habitual" tende a indicar uma certa duração” 10 – Acresce que, o dito Regulamento prevê situações de excepção à regra geral, nos arts. 9º, 10º, 12º e 13º visando a protecção do interesse do menor e, que consideramos serão de aplicar ao caso sub judice.
11 – Isto porque, embora a menor tenha nascido em França, tem nacionalidade portuguesa, veio com os pais ainda muito pequena para Portugal, é filha de pai português e mãe brasileira, foi em Portugal que foram reguladas as responsabilidades parentais, e é aqui que residem o pai e os avós paternos, dois pilares importantes da sua vida, ao que acresce a circunstância da mãe ser de nacionalidade brasileira e, estar em França há pouco tempo, bem como a menor.
12 - Toda a família paterna reside em Portugal, o pai em Ponte de Lima e, os seus avós paternos e tios residentes em Vila Pouca de Aguiar, com quem aliás, o pai mantém contacto regular, visitando-os pelo menos de quinze em quinze dias, passando as suas férias em Vila Pouca de Aguiar, bem como as épocas festivas, de Natal, Páscoa, etc.
13 - A decisão do Tribunal a quo ao considerar-se incompetente, salvo o devido respeito por melhor opinião, limitou-se a efectuar uma interpretação literal do artº 8º do Regulamento, sem atender ao critério da proximidade e à defesa do interesse superior da menor, nomeadamente, não atendeu às circunstâncias familiares, sociais e culturais daquela, considerando apenas os elemento formal de esta residir actualmente em França.
14 - Até, porque, a ligação desta família, menor, pai e família paterna, nomeadamente, avós, está exclusivamente em Portugal, e a relação existente com a França é incipiente, quer para a menor, quer para os progenitores, país com o qual estão por ora desvinculados.
15 - Além de que, ambos os pais viveram grande parte da sua vida em Portugal, a menor viveu grande parte da sua vida em Portugal, todos têm como língua de referência a língua portuguesa e o sistema judicial português, o que induz uma clara desvinculação, por ora, à França.
16 - Pelo que, se a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, for apreciada por um tribunal francês corre-se sério risco de não ser acautelado o supremo interesse da menor, uma vez que, tal tribunal terá à sua disposição muito poucos elementos para tomar uma decisão que abranja toda a realidade social e familiar que envolve a menor.
17 - Neste sentido concordamos com o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no dia 22.09.2011 e o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no dia 07.05.2013, no âmbito do processo no 257/10.9TBCBT-D.G1.e o Ac. Da Relação de Lisboa de 1729/10.0TMLSB-B.L1-8 de 22/09/2011, in dgsi, que referem: “ Integramos, portanto, a situação na última parte do nº (12) dos Considerandos do Regulamento onde se lê:” (…) a competência deverá em ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado – Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.
18 – Ora, uma vez que o pai da menor reside e trabalha em Portugal, o casal e a menor viveram cá, encontrando-se a mãe e a menor há pouco tempo em França, o critério da proximidade, aponta a competência para os tribunais portugueses.
19 - Deste modo, o Tribunal a quo deveria ter-se considerado competente para decidir a presente acção, de acordo com a jurisprudência apontada e, no interesse superior da menor.
Nestes termos e nos melhores de direito devem as presentes alegações de recurso ser recebidas e, em consequência, ser proferido acórdão que substitua a sentença proferida por outra que considere Tribunal a quo competente internacionalmente, para decidir os presentes autos.
*Não foram apresentadas contra-alegações.
*Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca apenas a seguinte questão que importa apreciar: - saber se o Tribunal Recorrido é internacionalmente competente para conhecer da pretensão do Requerente (que diz respeito apenas ao direito de visita, nomeadamente, regulação dos períodos de férias – Páscoa e Férias de Verão).
*A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO São os seguintes os factos que se podem desde já considerar provados, atentos os elementos processuais constantes do processo: 1...
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