Acórdão nº 2366/16.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO José e mulher Maria deduziram ação declarativa contra “Banco A, SA” e “Banco B, SA” pedindo que a ação seja julgada procedente com fundamento na circunstância de a 1.ª ré ter assumido perante os autores a obrigação contratual de lhes restituir o capital entregue (num total de € 130.000,00) e o pagamento dos respetivos juros e, em consequência, ser a 2.ª ré, enquanto sucessora nos direitos e obrigações da 1.ª ré, condenada a restituir aos autores a quantia de € 130.000,00, correspondente ao valor global das duas aplicações efetuadas, respetivamente, em fevereiro e abril de 2014, acrescidos de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, desde a data da respetiva citação até efetiva e integral restituição. Quando assim não se entender (no que só por mera hipótese se concede), deverá, subsidiariamente, a presente ação ser julgada procedente com fundamento na circunstância de a 1.ª ré ter incorrido na responsabilidade civil prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 304.º-A do Código dos Valores Mobiliários, ser a 2.ª ré, enquanto sucessora nos direitos e obrigações da 1.ª ré, condenada a ressarcir os autores da quantia de € 130.000,00, acrescidos dos juros de mora, contados à taxa legal em vigor, desde a data da respetiva citação até integral pagamento. Finalmente, no caso de se entender que, atendo o teor da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em 03/08/2014, a 2.ª ré não sucedeu nas responsabilidades da 1.ª ré previstas nos pontos anteriores (no que só por mera hipótese se concede), sempre deverá, de forma subsidiária, a presente ação ser julgada procedente e, em consequência, ser a 1.ª ré condenada a pagar aos autores a quantia de € 130.000,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegaram que, sendo detentores de conta de depósito à ordem no balcão da 1.ª ré em Valença, foram convencidos pelo gestor de conta a colocar as suas poupanças em produtos sem qualquer risco, com restituição do capital entregue e pagamento de juros no termo do prazo de vencimento. Só após a constituição do Banco B, veio o autor a saber que o seu dinheiro tinha sido aplicado na compra de ações preferenciais em duas sociedades offshore com sede em Jersey, tendo ficado privados do montante global de € 130.000,00, uma vez que não puderam até à data, utilizar ou levantar essa quantia, sendo que aquelas ações preferenciais não distribuem quaisquer dividendos e não apresentam liquidez em mercado.

Contestou o “Banco A, SA – Em liquidação” pedindo que se declare a extinção da instância nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, absolvendo-se o réu da instância ou que se ordene a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1 do CPC, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco A, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância.

Contestou o “Banco B, SA” excecionando a sua ilegitimidade processual passiva por não ter sido para ele transferida a responsabilidade que os autores imputam ao Banco A. Exceciona, também, para o caso de se entender que é dotado de legitimidade processual, a sua ilegitimidade substantiva, que decorre dos efeitos das deliberações do Banco de Portugal que afastaram a responsabilidade do Banco B quanto ao direito indemnizatório invocado pelos autores. Finalmente, contesta por impugnação.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido o réu “Banco B, SA” julgado parte processualmente ilegítima e, consequentemente, absolvido da instância. Mais foi declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao réu “Banco A, SA”, que foi absolvido da instância, com custas pelos autores.

Os autores interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões:

  1. Contrariamente ao decidido na Sentença recorrida, a ora Recorrida “BANCO B S.A.” não é “parte processualmente ilegítima”.

  2. Com a redacção dada ao art. 26º-3 do anterior CPC pelo DL nº 180/96, de 25/09 (redacção essa que se manteve no actual art. 30º-3), foi definitivamente adoptada a teoria subjectivista que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade da relação controvertida descrita pelo autor na petição inicial.

  3. Uma vez que, conforme consta na própria Sentença Recorrida, “no caso dos autos a acção foi proposta contra o Banco A, S.A. e contra o Banco B, S.A.”, alegando os ora Recorrentes, designadamente, “que este é o sucessor do Banco A, S.A.”, nunca poderia a Recorrida “Banco B S.A.” ser, em termos processuais, parte ilegítima no pleito.

  4. O tribunal a quo confunde a legitimidade processual com a legitimidade substantiva, uma vez que baseou a sua decisão única e exclusivamente na circunstância de, no seu entendimento, as responsabilidades que os Recorrentes imputaram ao “Banco A, S.A.” não terem sido transferidas para a Recorrida “Banco B S.A.”.

  5. Atendendo a que essa é uma questão de mérito que se prende com a procedência/improcedência da acção, e não com a legitimidade enquanto pressuposto processual, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a Recorrida “Banco B S.A.” parte legítima, com as legais consequências.

    Sem conceder, f) O art. 607º-4 do CPC (aplicável ao despacho saneador-sentença por força do disposto no art. 595º-1/-3 do mesmo diploma legal) determina que o juiz, na fundamentação da sentença, declare os factos que julga provados e os que julga não provados, sendo causa de nulidade a não especificação dos concretos “fundamentos de facto” em que se baseou a decisão (cfr. art. 615º-1/b do CPC).

  6. Aquando da prolação do despacho saneador-sentença, os factos que podem ser levados em consideração na decisão são, além dos factos notórios e daqueles que o juiz tem conhecimento em virtude das suas funções (cfr. art. 412º do CPC), aqueles que resultam de confissão judicial (cfr. art. 356º-1 do CC), de acordo expresso ou tácito das partes nos articulados (cfr. art. 574º-2 do CPC), do funcionamento de presunção legal inilidível (cfr. art. 350º-2 do CC), ou de documento com força probatória bastante (cfr. arts. 371º, 376º e 377º do CC).

  7. Em contravenção com o supra exposto, o tribunal a quo, na Sentença recorrida, não especifica, em momento algum, quais foram os concretos factos que julgou provados (nem, por maioria de razão, os respectivos meios de prova) e que lhe permitiram concluir que as responsabilidades que os Recorrentes imputaram ao “Banco A, S.A.” não foram transferidas para a Recorrida “Banco B S.A.”.

  8. Em contrário não se diga que estão em causa factos notórios que, por serem do conhecimento geral, não carecem de prova nem de alegação, uma vez que está em causa um conhecimento muito especializado e que só é próprio de um número reduzido de pessoas.

  9. Termos em que a Sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º-1/b (1ª parte) do CPC, que aqui expressamente se argui e que deverá determinar a respectiva revogação.

    Ainda sem conceder, k) De forma contrária ao que consta na Sentença em apreço, a Recorrida “Banco B, S.A.”, enquanto entidade sucessora nos direitos e obrigações do “Banco A, S.A.” e para a qual foram transferidos, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 145º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro”), conjugado com o art. 17º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “Banco A, S.A.” que constam nos Anexos 2 e 2A à deliberação tomada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal em 03/08/2014, é a entidade responsável pelo eventual ressarcimento aos Recorrentes da quantias peticionadas na P.I..

  10. Ainda que efectivamente se entendesse, conforme se propugna na Sentença recorrida, que a apreciação dos pressupostos da medida de resolução adoptada pelo Banco de Portugal é da competência da jurisdição administrativa (no que não se concede e apenas se admite por cuidados de patrocínio), sempre competiria ao tribunal a quo, por força do disposto no art. 204º da CRP, apreciar se as disposições legais a coberto das quais o Banco de Portugal adoptou, nos moldes em que o fez, a referida medida, padecem de inconstitucionalidade.

  11. É manifesto que, conforme os Recorrentes referiram em resposta às excepções deduzida pela Recorrida “Banco B, S.A.” na respectiva Contestação, o conteúdo da citada medida de resolução, para além de violar a lei civil, viola a CRP.

  12. Atento o teor da deliberação tomada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal em 03/08/2014 (na redacção que lhe foi dada pelas deliberações do mesmo Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11/08/2014 e de 29/12/2015), não pode deixar de se concluir que apenas ficaram excluídas do âmbito de transferência para a Recorrida “Banco B, S.A.” as responsabilidades associadas às relações com o Grupo A, tendo todas as outras, incluindo a que está em causa nos autos em epígrafe, sido objecto daquela transferência.

  13. Da conjugação do disposto no nº 9 do art. 145º-H do RGICSF (na redacção anterior àquela que lhe foi dada pela Lei n.º 23-A/2015, de 26/03) com os considerandos da deliberação de 03/08/2014, resulta, com clareza, que aquilo que o Banco de Portugal pretendeu foi que a actividade até então desenvolvida pelo “BANCO A, S.A.” fosse transferida, na sua globalidade, para a Recorrida “BANCO B, S.A.”.

  14. Dos pontos 11, 12 e 16 dos citados considerandos da deliberação de 03/08/2014 resulta ainda que o critério que presidiu à determinação dos concretos elementos que, a título excecional, foram excluídos da transferência, foi o de “isolar, em definitivo, o Banco B dos riscos criados pela exposição do Banco A, SA. a entidades do Grupo A”, libertando-o “da exposição que...

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