Acórdão nº 2367/17.2T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Janeiro de 2018

Data18 Janeiro 2018

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente: Caixa de Previdência X.

Recorrido: José.

*Caixa de Previdência X, instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa contra José, advogado, tendo em vista a cobrança coerciva deste das contribuições em dívida para aquela, no montante de 86.238,52 euros, e respetivos juros de mora, servindo de título executivo a certidão emitida pela Direção da exequente.

Conclusos os autos, foi proferida decisão, indeferindo liminarmente o requerimento executivo, com fundamento em os tribunais comuns serem incompetentes, em razão da matéria, para apreciar da presente execução, constando aquela decisão da seguinte parte disjuntiva: “Em face do exposto, julgo este tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar a presente execução e, consequentemente, indefiro liminarmente o requerimento executivo”.

Inconformada com o assim decidido, veio a exequente interpor recurso daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª O Tribunal a quo é o tribunal competente para a decisão e tramitação deste processo executivo.

  1. Pois a Caixa De Previdência X, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística. Com efeito 3.ª A Caixa De Previdência X «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. Art.º 1.º, n.º 1 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06) não fazendo parte do sistema público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in “Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva”).

  2. A Caixa De Previdência X não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. Art.º 97.º do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06), sendo essa tutela meramente inspectiva.

  3. A Caixa De Previdência X não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado.

  4. Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores».

  5. Mas além disso a Caixa De Previdência X não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.

  6. Pelo que a Caixa De Previdência X não deve ser qualificada como uma mera “entidade pública”.

  7. As contribuições para a Caixa De Previdência X não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.

  8. As contribuições para a Caixa De Previdência X assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.

  9. A este facto acresce que, nos termos do disposto no art.º 80.º, n.º 4 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.

  10. Nos termos da sentença recorrida, os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação e decisão de execução fundada em certidão de dívida reportada a contribuições para instituição de previdência.

  11. Todavia, o n.º 2 do art.º 148.º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.

  12. No novo regulamento da Caixa De Previdência X, aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à Caixa De Previdência X sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças.

  13. O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da Caixa De Previdência X, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à Direcção da Caixa De Previdência X. (doc.1) 16.ª E porque “não há direito sem acção”, não resta à Caixa De Previdência X outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.

  14. Assim a interpretação das referidas normas de modo a concluir pela incompetência do Tribunal a quo, acarretaria o incumprimento de preceito constitucional, constante do art.º 20.º, n.º 1 da CRP, que estipula que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…» 18.ª Tendo em conta o princípio constitucional previsto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP que dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…», a interpretação conjugada da alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 32/2002, de 19/02) e do n.º 2 do art.º 148.º do CPPT, perfilhada na sentença recorrida, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a Caixa De Previdência X e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP, na medida em que, como vimos, levará a um verdadeiro “beco sem saída” pois a Caixa De Previdência X ficaria, dessa forma, sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.

  15. Pois, as dívidas à Caixa De Previdência X não poderão ser cobradas judicialmente nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela AT, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Segurança Social, por falta de norma habilitante para o efeito.

  16. A sentença recorrida violou, assim, o art.º 2.º, n.º 2 do C.P.C.; o art.º 179.º, n.º 1 e 2 do NCPA e o art.º 148.º, n.º 2 do CPPT; o art.º 81.º, n.º 5 do R Caixa De Previdência X; a alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o artigo o art.º 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

O recorrido não apresentou contra-alegações.

*Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

* II- FUNDAMENTOS O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, a única questão que é submetida à apreciação desta Relação consiste em saber se os tribunais comuns são materialmente competentes para conhecer da presente execução.

*A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os fundamentos de facto com relevância para a decisão a proferir nos autos são os que constam do relatório acima elaborado.

*B- FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Conforme acima se deixou dito, a única questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação consiste em saber se os tribunais comuns são competentes, em razão da matéria, para conhecer da presente execução instaurada pela Caixa de Previdência X contra o advogado José, tendo em vista a cobrança coerciva deste de contribuições obrigatórias para a exequente e respetivos juros de mora.

Passando à apreciação desta concreta questão, cumpre referir que na ordem jurídica interna a competência dos tribunais reparte-se de acordo com a matéria, o valor, a hierarquia e o território.

No que respeita à matéria, dispõe o art. 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “os tribunais judiciais são os tribunais...

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