Acórdão nº 223/14.5T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO N. C.

, residente na Urbanização da Ribeirinha, nº 216, freguesia de Travassós, concelho de Fafe, na qualidade de progenitor e representante legal do menor G. C.

, solteiro, menor, residente na Urbanização …, freguesia de … e concelho de Fafe, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BANCO X S.A., pessoa coletiva nº …, com sede na rua do … Lisboa, COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A.

, pessoa coletiva nº …, com sede na rua de … Lisboa, COMPANHIA DE SEGUROS A S.A.

, pessoa coletiva nº …, com sede na Avenida … Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5000,00 e ainda na quantia mensal de € 500,00, durante 50 meses, acrescidas de juros de mora desde a citação.

Alega, para tanto, que a mãe do menor G. C. celebrou com a Ré Companhia de Seguros A, SA., um contrato de seguro de acidentes pessoais, titulado pela apólice junta, que, na sequência de uma cirurgia, para remoção de um quisto no ovário, a mesma veio a falecer, tendo sido apurada como causa da morte, uma tromboembolia pulmonar, evento que consubstancia um acidente para os efeitos do seguro celebrado e que portanto, lhe assiste, enquanto beneficiário do mesmo, direito a receber as quantias aí previstas, ou seja, € 5000,00, acrescidos de € 500,00 mensais durante 50 meses.

A Ré contestou, impugnando que o evento que levou à morte da sua segurada tenha sido um acidente por o mesmo não ter origem em qualquer causa externa à mesma, mas sim no seu próprio corpo.

*Foi proferida decisão a homologar a desistência do pedido contra a Ré Companhia de Seguros A Vida, S. A. – cfr. ata de fls. 144 e 145.

*Foi admitida a intervenção principal provocada passiva da Banco X – cfr. ata de fls. 144 e 145 –, a qual veio contestar afirmando que o contrato de seguro celebrado foi com a Ré Companhia de Seguros A S. A. e que ela, chamada, é tomadora do mesmo, tendo apenas a obrigação de proceder ao pagamento à 2ª ré dos prémios daquele seguro, não lhe cabendo a obrigação de segurar nem de cobrir os riscos a que se reporta a respetiva apólice.

*Foi proferida decisão a homologar a desistência do pedido contra a Ré Banco X– Associação Mutualista IPSS – ata de fls. 184 a 186 verso.

*Foi realizada audiência prévia, na qual se identificou o objeto do litígio e se fixaram os temas da prova (cfr. ata de fls. 184 a 186 verso).

*Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

* Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em conformidade com o exposto, decido condenar a Ré COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A., no pagamento ao Autor G. C. da quantia de € 5000,00 (cinco mil euros) e ainda na quantia de 22.000 (vinte dois mil euros) correspondente a 44 (quarenta e quatro) rendas de € 500,00 cada uma; condena-se ainda a Ré no pagamento das 6 rendas mensais, ainda em dívida ao autor, nesta data; sobre a quantia de € 5000,00 e a quantia de € 6500,00 (referente às rendas vencidas até à citação) são devidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação; sobre as restantes rendas vencidas após a citação e até esta data são devidos juros à taxa legal desde a respectiva data de vencimento.

Mais, decido absolver do pedido a Ré BANCO X S.A.”.

*A Ré COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A apresentou recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela sua absolvição do pedido.

Formula as seguintes CONCLUSÕES: 1. Os contratos de seguro regem-se, em primeiro lugar, pelas estipulações constantes da respetiva apólice, não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições legais aplicáveis.

  1. Importa, pois, atender, na determinação do risco assumido, antes de mais, às disposições contratuais, nomeadamente às que excluem determinados riscos ou limitam um certo risco.

  2. Ora, a determinação do âmbito do risco assumido, das suas exclusões ou limitações, pode ser feita contratualmente, vingando, neste domínio, o princípio da autonomia privada, embora com os limites da boa fé e, caso sejam pré-determinadas, desde que comunicadas e observado o dever de informação, o que não foi colocado em crise na sentença recorrida.

  3. No caso dos autos, do contrato de seguro, que se encontra junto aos autos, resultam claros quer o conceito de acidente, quer os riscos cobertos e as suas exclusões.

  4. Em primeiro lugar, estabelece o contrato, na sua Cláusula 1ª, alínea j) que um acidente é um “acontecimento devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador do seguro, da pessoa segura e do beneficiário, que produza lesões corporais, invalidez temporária ou morte, clínica e objetivamente constatadas”.

  5. Em segundo lugar, a Cláusula 6ª, que estabelece quais são as exclusões absolutas, no seu n.º 2, alínea f) refere expressamente que “ficam sempre excluídas (das coberturas do contrato) as consequências de sinistros que se traduzam em: (…) “Quaisquer outras doenças, quando não se prove, por diagnóstico médico inequívoco e indiscutível, que são consequência direta do acidente”.

  6. Para que um evento possa ser qualificado como um acidente é necessário que se verifiquem todos os elementos integradores deste conceito: evento involuntário, externo, violento e súbito – José Vasques Contrato de Seguro, Coimbra Editora – págs. 60 e 61.

  7. A exterioridade do evento relativamente ao corpo afasta (do acidente) os danos sofridos sem intervenção de forças exteriores (sirva de exemplo a doença).

  8. A exterioridade deve ser vista como não inerente à própria pessoa da vítima.

  9. Ora, no caso dos presentes autos, a causa da morte da segurada não foi um acidente pois resultou provado que a morte foi consequência duma tromboembolia, um evento interno do corpo da segurada ao qual falta o elemento da exterioridade para que possa ser qualificado como acidente.

  10. Concluindo, a causa direta da morte da segurada foi uma tromboembolia pulmonar, que apesar de súbita e imprevista é uma doença e não um acidente.

  11. Como tal, não tem enquadramento nas coberturas do contrato de acidentes pessoais celebrado com a ora Recorrente que exige que a morte fosse consequência de um acidente – o que não foi, pois foi consequência de uma doença.

  12. Recorre, porém, a sentença recorrida à teria da causalidade adequada para tentar estabelecer o nexo causal entre a cirurgia realizada no dia 31 de Outubro de 2013, pelas 16h30 e a tromboembolia pulmonar que veio, por sua vez, a causar uma paragem cardiorespiratória e a morte da segurada já no dia 1 de Novembro, pelas 12h05, após ter sido dada alta à segurada, por volta das 11h deste último dia.

  13. Ora, conforme foi corretamente considerado como provado na sentença recorrida, no dia 31 de Outubro de 2013, a progenitora do A. foi operada pelas 16h30, para a realização de anexectomia por via laparoscópica por quisto do ovário direito na SCM, operação cirúrgica de risco diminuto.

  14. Operação essa que foi bem-sucedida, tendo a mesma tido alta clínica no dia seguinte por volta das 11 horas, 1 de Novembro de 2013.

  15. No entanto, logo após ter recebida alta clínica, pelas 12h05, a mesma entrou em paragem cardiorrespiratória, tendo falecido.

  16. Ao exposto acresce que o Relatório de Anatomia Patológica Forense, junto aos autos a fls. , refere, expressamente e de forma clara, que a causa da morte da segurada foi uma tromboembolia pulmonar, sendo esta uma causa de MORTE NATURAL, não estabelecendo qualquer conexão da tromboembolia com cirurgia a que a segurada havia sido submetida.

  17. No sentido de estabelecer o nexo causal entre a cirurgia e a tromboembolia e, indiretamente, a morte da segurada, a sentença recorrida refere que: - “Para que a morte da autora (nota da Recorrente: embora, na verdade, não se trate da Autora, mas, sim da segurada) esteja coberta pelo seguro importa estabelecer o nexo causal entre a cirurgia e o tromboembolismo e entre este e a morte”; - “Este último nexo está assegurado pelo teor do relatório médico-legal, pelo que não oferece dúvidas”; - “Quanto ao primeiro dos nexos a estabelecer, temos que a autora (melhor dito, a segurada) foi submetida a uma cirurgia laparoscópica para a remoção de um quisto no ovário esquerdo, tendo no dia seguinte sido acometida de um tromboembolismo que resultou na sua morte”; - “Cremos que desta cadeia de factos, não pode deixar de se vislumbrar o nexo causal sucessivo, necessário à responsabilização da Ré”.

  18. Ora, a discordância da Recorrente assenta neste último nexo de causalidade que a sentença recorrida dá como provado.

  19. Na verdade, nada no processo aponta para que tal nexo causal exista, nomeadamente a conclusão objetiva do relatório médico-legal quando este refere que a morte da segurada foi uma morte natural. Apesar de ser do conhecimento do perito médico o facto da segurada ter sido submetida a uma cirurgia laparoscópica, em momento algum refere que tal cirurgia concorreu para a ocorrência da tromboembolia e, indiretamente, a morte da segurada.

  20. O próprio relatório da perícia realizada nos autos (Aditamento ao Relatório/Prestação de Esclarecimentos/Resposta a Quesitos) que se encontra junto aos autos a fls. não conclui de forma inequívoca que a cirurgia a que a segurada foi submetida foi a causa da tromboembolia, referindo que tal será apenas um “fator de risco e, portanto, aumentar a probabilidade de ocorrência de TEV”. Esclarecendo, ainda, que “No entanto, o nível de risco estará dependente do tipo de cirurgia, da duração da mesma e da coexistência de outros fatores de risco” e que “o TEV pode também ocorrer em doentes não submetidos a tratamento cirúrgico ou mesmo na ausência de qualquer fator de risco conhecido e/ou atualmente descrito na literatura”.

  21. Refere-se, ainda, no mesmo relatório que a segurada apresentava outros fatores de risco, a saber “hábitos tabágicos recentes (terá parado de fumar cerca de um mês e meio antes da intervenção cirúrgica) e a toma de contracetivo hormonal (Belara®).

  22. Assim, toda a sucessão de factos e o lapso de tempo que decorreu entre a referida e bem...

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