Acórdão nº 3134/14.0TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMI
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

*A X., S. A., Credora Reclamante nos presentes Autos de Insolvência de pessoa singular em que é Insolvente F. P., veio interpor recurso de apelação da seguinte decisão proferida pelo Tribunal Recorrido naqueles autos: “Porque a procedência da acção de impugnação pauliana não importa um regresso dos bens à propriedade dos insolventes, outrossim, nos termos do artº 616 do CC a possibilidade do credor/A atingir esses bens, atenta a ineficácia em relação a si do acto praticado, entendemos não ser de reabrir a liquidação, note-se que com a decisão proferida e sem necessidade de outras formalidades pode o A/credor executar ou exigir do terceiro aquele bem na estrita medida do seu crédito, atenta a ineficácia do acto em relação a si.”*A Recorrente termina as suas alegações, apresentando as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES 1.O presente recurso vem interposto do Douto Despacho que indeferiu o pedido de reabertura da liquidação com fundamento de que a procedência da acção de impugnação pauliana não importa um regresso dos bens à propriedade dos insolventes atenta a ineficácia em relação ao Credor/Autor do acto praticado.

  1. A 24 de agosto de 2011, a Credora X., S.a. instaurou uma acção executiva contra a Insolvente F. P. e outros para a cobrança de uma livrança preenchida pelo valor de € 164.101,93, tendo a mesma sido distribuída com o número de processo 268/11.7TBVRM que correu os seus termos na Secção única do Tribunal Judicial de Vieira do Minho.

    No âmbito do referido processo executivo, a Credora X., S.A. teve conhecimento de duas escrituras de doação de vários bens realizadas nos dias 20 de janeiro e 1 de abril, ambas do ano de 2010 entre a Insolvente F. P. e marido Joaquim, na qualidade de doadores, e o seu filho T. A., na qualidade de donatário.

  2. A 18 de outubro de 2012, a Credora X., S.A. instaurou uma acção declarativa de impugnação pauliana contra a Insolvente F. P. e marido Joaquim e ainda contra o filho de ambos, T. A., tendo a mesma sido distribuída com o número de processo 497/12.6TBPCV, que correu os seus termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Penacova.

  3. Na referida acção foram impugnadas as escrituras de doação outorgadas a 20 de janeiro e a 1 de abril de 2010 que tiveram por objecto dos seguintes bens: 1) Prédio urbano situado no Lugar …, da freguesia e concelho de …, inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …; 2) Prédio urbano situado na Rua …, antigo Lugar …, da freguesia e concelho de …, inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …; 3) Prédio rústico situado no Lugar …, da freguesia de …, concelho de Pena…cova, inscrito na matriz sob o artigo ....º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ….; 4) Quota nominal no valor de € 12.469,95 titulada em nome de Joaquim da sociedade comercial “Y, Lda.” com o NIPC ...; 5) Prédio urbano composto por parcela de terreno destinado a construção, da freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz sob o artigo 684.º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ….

  4. Através das escrituras de doação outorgadas a 20 de janeiro e a 1 de abril do ano de 2010, a Insolvente F. P. e o marido Joaquim doaram os seus bens ao seu filho único, T. A..

  5. A 17 de dezembro de 2015, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a referida acção e, em consequência, foi declarada a ineficácia, em relação à Autora X., S.A., das escrituras de doação realizadas nos dias 20 de janeiro e 1 de abril de 2010. Acontece que o Douto Tribunal ordenou “a restituição dos imóveis ao património dos Réus Joaquim e F. P., para aí serem executados na medida do interesse da Autora e até onde for necessário para a cobrança dos seus créditos”.

  6. A Devedora F. P. foi declarada insolvente a 9 de junho de 2014 no âmbito dos presentes autos de insolvência, na pendência da referida acção de impugnação pauliana.

  7. Na assembleia de credores, realizada a 1 de agosto de 2014, o processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, al. d) e 232.º, n.º 2, ambos do CIRE, uma vez que não foram localizados bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente. A 20 de fevereiro de 2015, foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, encontrando-se a decorrer o prazo de cinco anos.

  8. Perante o teor da sentença proferida a 17 de dezembro de 2015, no âmbito do processo n.º 497/12.6TBPCV, nomeadamente com a ordem de restituição dos bens ao património dos ali Réus, aqui Insolvente F. P. e marido, a Credora X. requereu a reabertura do presente processo de insolvência com a liquidação dos referidos bens objecto da ação n.º 497/12.6TBPCV.

  9. Por despacho proferido a 11 de janeiro de 2018, o Douto Tribunal a quo indeferiu o pedido de reabertura do processo de insolvência uma vez que a procedência da acção de impugnação pauliana não importa um regresso dos bens ao património dos insolventes, atenta a ineficácia em relação a si do acto praticado.

  10. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a aqui Recorrente X., S.A. não pode deixar de manifestar a sua discordância com a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo, porquanto vai ao desencontro com as disposições legalmente consagradas, bem assim como o entendimento jurisprudencial sufragado.

  11. Perante a factualidade supra descrita, verificamos que numa decisão judicial posterior ao encerramento do presente processo de insolvência, foi declarada a ineficácia de duas escrituras de doação que a Insolvente F. P. e marido tinham feito de vários bens imóveis de que eram titulares, ainda antes da respectiva declaração de insolvência. Em consequência, no dispositivo da respectiva decisão judicial foi expressamente ordenada “a restituição dos imóveis ao património dos Réus Joaquim e F. P. (…)”.

  12. O artigo 601.º do Código Civil dispõe que o património do devedor é responsável pelo cumprimento das suas obrigações, podendo o credor salvaguardar os seus direitos através de garantias reais ou pessoais.

  13. A acção de impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial do devedor que consiste na possibilidade de o credor atacar os actos praticados pelo devedor tendentes a dificultar ou impossibilitar o ressarcimento do respectivo crédito.

  14. Nos termos do disposto no artigo 610.º do Código Civil, os actos que envolvam uma diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor se, por um lado, o crédito foi anterior ao ato e, por outro, resultar do mesmo a impossibilidade de satisfação integral do crédito do credor.

  15. O n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil dispõe que, julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

    Deste modo, o credor impugnante tem o direito à restituição do que for necessário à satisfação do seu crédito, podendo directamente executar o património de quem estiver obrigado à restituição.

  16. Não se está aqui perante uma declaração de nulidade cuja consequência é a repristinação do estado anterior das coisas, ou seja, a restituição de tudo aquilo que foi prestado, permitindo a todos os credores do devedor executar o património deste.

  17. A acção de impugnação pauliana tem, com efeito, um carácter pessoal ou obrigacional, uma vez que os respectivos efeitos apenas aproveitam ao credor que a tenha requerido nos termos do n.º 4 do artigo 616.º do CC. Deste modo, a lei concede ao credor impugnante o direito de restituição dos bens ao património do devedor na medida do respectivo interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição.

  18. De acordo com o teor do n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil, a lei concede três direitos ao credor impugnante, nomeadamente, o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse; o direito a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; e o direito de execução no património do obrigado à restituição (assim, cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, Vol. I, pp. 633-634). De acordo com os referidos Autores, a restituição efectiva dos bens ao alienante, neste caso, à Insolvente F. P., não tem interesse na generalidade dos casos.“ Mas pode tê-lo, se a execução ainda não foi possível ou se há falência ou insolvência, caso em que os bens revertem para a massa falida (cfr. Código de Processo Civil, art. 1203.º)”.

  19. Nos termos do n.º 4 do artigo 616.º do CC, verificamos que os efeitos da procedência da acção de impugnação pauliana aproveitam-se apenas ao credor que a tenha requerido, pelo que não ocorre necessariamente um retorno dos bens ao património do devedor. No entanto, julgada procedente a impugnação, o credor impugnante pode optar por exigir a restituição dos bens; por executá-los no património do obrigado à restituição ou ainda por praticar os actos de conservação de garantia patrimonial.

  20. A Insolvente F. P. doou vários bens imóveis ao seu filho, tendo sido este ato gratuito objecto de uma acção de impugnação pauliana instaurada pela Credor X., S.A. Na pendência da referida acção de impugnação pauliana, a Insolvente F. P. foi declarada insolvente nos presentes autos de insolvência. Ainda na pendência da acção de impugnação pauliana, o presente processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, porquanto não foram localizados bens pertencentes à Insolvente F. P. susceptíveis de apreensão para a massa insolvente.

  21. Após o encerramento do presente processo de insolvência, foi proferida sentença na acção de impugnação pauliana, tendo sido declarada a ineficácia das escrituras de doação e, em consequência, ordenada a restituição dos bens imóveis ao património dos ali Réus F. P. e marido para aí serem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT