Acórdão nº 211/17.0T8VLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 – RELATÓRIO Maria intentou contra A. F.

a presente acção(1) declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

Alega, em síntese, que nasceu no dia 17 de Outubro de 1961 e que, apesar de apenas ter sido registada no assento competente como filha de sua mãe, é ela também filha do R., já que nasceu em consequência das relações sexuais que aquele manteve com a sua mãe em total exclusividade, sendo certo ainda que o R. sempre tratou a A. como sua filha, o que deixou de suceder sensivelmente há seis meses a esta parte, não a reconhecendo desde então como tal.

Conclui pedindo que seja declarada judicialmente a paternidade do R. relativamente à aqui A.

O R., válida e regularmente citado, não contestou a acção.

Procedeu-se à produção antecipada de prova requerida e foi elaborado o competente relatório pericial, que teve por objecto a investigação da paternidade da A.

Dispensada a realização da audiência prévia ao abrigo do disposto no art. 593º/1 do CPC, proferiu-se despacho saneador, identificaram-se o objecto do litígio e os temas da prova, sendo que tais despachos não mereceram das partes a apresentação de qualquer reclamação.

De seguida admitiram-se os meios de prova cuja produção foi requerida e agendou-se data para realização da audiência de discussão e julgamento, à qual se veio a proceder com inteira observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta.

No final, foi proferida decisão que, na improcedência da acção, julgou caduco o direito de a A.

Maria propor a presente acção de investigação de paternidade pelo decurso do prazo de dez anos a que alude o artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, e, em consequência, absolve-se o R.

A. F.

do pedido.

As custas foram fixadas a cargo da A.

*Inconformada com essa sentença, apresentou a A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1ª – No que concerne à matéria de facto, foram incorretamente julgados os seguintes factos dados como não provados: “- No período referido no ponto 7 dos factos provados a mãe da A. não manteve relações de sexo com outro homem para além do R.; - O R. sempre tratou a A. como sua filha, apesar de publicamente pretender evitá-lo;- Até se casar com a sua atual esposa não se conheceu ao R. qualquer outra mulher para além da mãe da A.; E, finalmente, - Segundo foi dito à A. pela esposa do R., desde há seis meses que a atitude deste último mudou, já não reconhecendo a A. como sua filha”; 2ª – Existindo, todavia, concretos meios probatórios constantes no processo e no registo de gravação que impunham que os mesmos sejam dados como provados, pelo que se deixam expressamente impugnados; 2ª – Relativamente ao evidenciado em primeiro lugar, apenas o recorrido se pronunciou, como se depreende do seu depoimento, nas passagens 00:00:01 a 00:15:58 (14h09m30s a 14h24m48s), concretamente na passagem a 7m50s, aludindo apenas e vagamente a outro homem que havia falecido há cerca de três anos; 3ª – Para além disso, neste facto dado como não provado vem uma concatenação com o facto provado sob o nº 7, não se divisando qualquer conexão com o mesmo; 4ª – Por outro lado, que o Recorrido sempre tratou a Recorrente como sua filha, apesar de publicamente pretender evitá-lo, resulta do facto dado como provado sob o nº 7; 5ª – Pois é das regras da experiência que se a esposa do recorrido reconhecia a recorrente como filha do seu marido, é por que aquele, seguramente, lho terá transmitido; 6ª – Muito embora, o recorrido o negue no seu depoimento - passagem 12m52s, da contraposição do mesmo com o facto dado como provado em 7. é evidente que o mesmo falta à verdade; 7ª – Para tal facto dever dar-se como provado, releva o facto dado como provado e sob o nº 8 e o depoimento da recorrente, Maria – passagens 00:00:01 a 00:18:09 (entre as 14h30:15 e as 14:48:26), na passagem 02m23s; 8ª – Onde releva que, para além de a ter tratado como filha com 7/8 anos de idade, o recorrido a chamou, já no estado de casada e nos campos lhe disse: “Anda cá, que eu sou o teu pai!”; 9ª – Bem assim como o dado como provado em 9., pois é natural, de acordo com as regras da experiência, que um avô só trata a sua neta como tal, no pressuposto de o seu filho reconhecer ser pai daquela; 10ª – Que até o recorrido se casar com a atual esposa não se lhe conheceu qualquer outra mulher para além da mãe da recorrente, resulta do depoimento de parte do recorrido - 00:00:01 a 00:15:58 (14h09m30s a 14h24m48s), onde nenhuma alusão faz a tal facto, particularmente no hiato temporal entre 1961, ano do nascimento da recorrente, e 1974, ano do seu casamento; 11ª – Bem assim, das declarações de parte da recorrente, onde também nada refere a tal facto, ela que, embora criança entre 1961 e 1974, sempre morou em B. e nunca referiu ser conhecida ao recorrido outra mulher nesse período de tempo, que não a sua mãe; 12ª – E, finalmente, das declarações da testemunha, esposa do recorrido, M. G., passagens 00:00:01 a 00:09:17 (das 15h34m03s às 15h43m21s), onde nada diz sobre que o seu marido tivesse outra mulher que não a mãe da recorrente, ela que afirmou ser sempre residente no lugar de Lordelo, freguesia de B., onde veio a casar com o recorrido; 13ª – Por último, que desde há seis meses (atenta a data de entrada da ação em juízo), que a atitude do recorrido mudou, já não reconhecendo a recorrente como sua filha, resulta, desde logo, das declarações de parte da recorrente - Maria – passagens 00:00:01 a 00:18:09 (entre as 14h30:15 e as 14:48:26); 14ª – Com particular destaque na passagem 12m49s, onde frisou: “A mulher disse que o marido já não me reconhecia como filha”; 15ª – E na passagem 14:00, onde a recorrente se apercebeu, na conversa entre uma vizinha e a M. G., assim se reproduzindo: “Recorrente – Ouvi a esposa (do recorrido) a falar com uma vizinha e esta disse-lhe: Olha, também casastes com o A. F. e ele tinha uma filha! E a mulher do A. F. respondeu: Tu vistes?”; 16ª – Tudo isto a propósito de uns campos de um familiar do recorrido emigrante no Brasil, que a recorrente e marido pretendiam adquirir e que originou uma mudança de comportamento do recorrido e esposa; 17ª – Acresce que, para além das já citadas regras da experiência, o nosso ordenamento jurídico consagra igualmente como meio de prova as presunções, as quais consistem, de acordo com o previsto no artigo 349º, do Código Civil, nas ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”; 18ª – Ora, articulando o facto dado como provado sob o nº 7, com as declarações da recorrente e da esposa do recorrido, M. G., deve dar-se por provado que, cerca de seis meses antes de a ação entrar em juízo, o recorrido deixou de tratar a recorrente como filha; 19ª – E tanto basta para, apenas por aqui, a ação ser tempestiva, à luz do previsto na alínea b), do nº 3, do artigo 1817º, do Código Civil, e, conjugando tal facto com o dado como provado sob o nº 11, é evidente que não resta outra decisão se não declarar a recorrente filha do recorrido; 20ª – Assim, os impugnados factos dados como não provados, deverão considerar-se como provados e, assim, ser alterada, nesta parte a decisão sobre a matéria de facto, em conformidade com o artigo 662º, do C.P.C.; 21ª – No plano do direito, conforme também o sufraga a decisão recorrida, suscita-se a constitucionalidade do artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, mesmo após a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 14/2009, de 01/04, designadamente a fixação do prazo de 10 anos para propor a ação de investigação de paternidade; 22ª – Não partilha a recorrente a sustentação da constitucionalidade da sentença recorrida, que entendeu tomar a posição do acórdão nº 401/2011, do Tribunal Constitucional (que teve seis (!) votos de vencido) e que, ancorando-se nos princípios da confiança e da segurança, não declarou inconstitucional o nº 1, do artigo 1817º, do C. Civil; 23ª – Antes, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Janeiro, de 2017 – procº nº 440/12.2TBBCL.G.1.S1, interpretada assim a norma (aqui aplicável, ex-vi artº 1873º, do C.Civil), com tal prazo limitador “é inconstitucional uma vez que o direito a conhecer a ascendência biológica constitui dimensão essencial do direito à identidade pessoal, previsto no artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e o direito a estabelecer os concomitantes vínculos jurídicos traduz uma dimensão do direito a constituir família, previsto no artº 36º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa...”; 24ª – Também na doutrina, Jorge Duarte Pinheiro, na anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, de 10/01/2006, in Cadernos de Direito Privado, nº 15, Julho/Setembro de 2006, pgs. 32-53, é de opinião que já não é razoável a imposição de prazos para a investigação da paternidade ou maternidade pois os testes de ADN permitem determinar com grande segurança a maternidade ou a paternidade de uma pessoa, muitos anos após a morte do hipotético progenitor, o que afasta o risco de incerteza das provas; 25ª – O próprio acórdão, aí anotado, na sua decisão deixa transparecer que a inconstitucionalidade assenta em qualquer prazo e não, especificamente, no prazo de dois anos; 26ª – Já com a Lei nº 14/2009 em vigor, destaca-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/04/2013, que mereceu de Cristina M.A. Dias anotação nos Cadernos de Direito Privado nº 45 – Janeiro/Março de 2014, pgs. 32-60, e onde esta civilista salienta que, ao nível do direito comparado, são muitos os ordenamentos jurídicos que consideram imprescritível o direito de investigação de paternidade: Itália, Brasil, Espanha e Alemanha e, numa versão que exclui os direitos patrimoniais, Macau; 27ª – Imprescritibilidade que, nesse acórdão, colheu a sustentação do Sr. Juiz Conselheiro, Salazar Casanova, que no nº 4, da declaração de voto de vencido foi claro: “A solução, a meu ver, conduz...

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