Acórdão nº 2984/18.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMI
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

*R.R.

, insolvente nos presentes autos, veio requerer a exoneração do passivo restante.

Cumprido o formalismo legal previsto no CIRE, foi proferida decisão a declarar a Requerente em estado de insolvência.

A Administradora de Insolvência pronunciou-se no sentido de nada ter a opor, desde que verificados os requisitos legais.

*O Tribunal Recorrido, na sequência, pronunciou-se no seguinte sentido, tendo em conta a factualidade e os meios de prova juntos aos autos: “ (…) Para a fixação do montante disponível, atendendo às atuais condições económicas da insolvente e ao facto de não ter a seu cargo, além da renda quaisquer outros encargos, mas atendendo ao facto de ser diabética e dever ter cuidado com a alimentação e efectuar desporto, este Tribunal entende como adequado fixar em um salário mínimo, acrescido de 1/5, o montante que a insolvente poderá dispor. (atendendo a que o Tribunal usualmente fixa apenas um salário mínimo por pessoa maior de idade acrescido de ¼ por cada filho menor. Neste caso atendeu-se às questões de saúde, devendo no restante: seguros, vestuário, despesas de telecomunicação, a insolvente adequar ao seu estado de insolvência e ao regime de prova dos 5 anos que se iniciarão).

(…) Todo o rendimento excedente, que lhe advenha por qualquer forma e no qual obviamente se incluem os subsídios de natal e férias, deverão ser cedidos, a fim de se evitar a inutilidade superveniente deste incidente, que pressupõe a boa vontade da insolvente em contribuir voluntariamente para o abatimento da divida, ainda que numa parcela diminuta (…) ”.

(Nota: estas decisões surgem na decisão proferida na sua fundamentação e não na parte em que se devia ter concluído com a decisão final – não se mostrando convenientemente cumprido o disposto no art. 607º, nº 2 e 3 do CPC).

*É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Em requerimento de 06/09/2018, com a referência 30018751, a Recorrente juntou aos autos comprovativos das suas despesas, reputando como necessário para fixação do montante disponível o valor mensal equivalente, pelo menos, a um salário mínimo nacional acrescido de metade.

  1. Isto porque a Recorrente sofre de doença que requer alimentação especial, medicação e prática regular de exercício físico, além de o seu agregado familiar ser composto por apenas pela Recorrente, que não tem com quem partilhar despesas como a renda da habitação, telecomunicações, água, gás e electricidade, sendo certo que as despesas apresentadas estão já reduzidas ao seu mínimo essencial, pelo que não é suficiente para que a Recorrente viva com dignidade o montante disponível fixado pelo Tribunal a quo de um salário mínimo nacional acrescido de ⅕.

  2. “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.” (artigo 239º, nº 3, alínea b), subalínea i), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas,) 4. Nenhuma das despesas apresentadas pela Recorrente pode ser caracterizada como desnecessária, sendo todas essenciais ao seu sustento minimamente digno, não sendo, com certeza, o Tribunal ad quem alheio à realidade de que um salário mínimo, mesmo acrescido de ⅕, não é suficiente para uma pessoa, sozinha, viver uma vida condigna.

  3. Actualmente, um salário mínimo, acrescido de ⅕, é apenas de € 696,00. A renda que a Recorrente paga mensalmente pela sua habitação (€ 330,00) corresponde a quase metade deste montante disponível, pelo que, para todas as outras suas despesas, sejam elas relacionadas com a sua saúde, serviços essenciais como electricidade, gás e água, ou algo tão básico como a sua alimentação, sobrar-lhe-ão apenas € 366,00, valor este patentemente insuficiente.

  4. “Quanto ao valor mínimo que se deve considerar como mínimo garantido, o mesmo resultará das necessidades que em concreto o Insolvente apresentar” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/03/2013, Proc. nº 1254/12.5TBLRA-F.C1, disponível in www.dgsi.pt) e “O rendimento indisponível para efeitos de exoneração do passivo restante (art.º 239.º n.º 3 al. b) do CIRE) há-de fixar-se através da ponderação das concretas circunstâncias do caso, alcançando, no âmbito dos parâmetros legalmente estabelecidos, o montante razoavelmente necessário para fazer face ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não descurando a finalidade do processo de insolvência no sentido da satisfação dos credores.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/10/2016, Proc. nº 2419/16.6T8STB-E.E1, disponível in www.dgsi.pt).

  5. Assim, ponderando-se as concretas circunstâncias do caso, o montante disponível adequado será o valor mensal equivalente a um salário mínimo nacional, acrescido de ½, tal como inicialmente requerido.

  6. No que diz respeito aos subsídios de férias e de natal, que o Tribunal a quo decretou serem rendimento excedente que terá de ser cedido na parte que ultrapassar o montante disponível, diz o Professor João Leal Amado o seguinte: “ (...) mais do que como um simples período de inactividade, as férias são hoje concebidas como um factor de equilíbrio biopsíquico do trabalhador, implicando um «corte com a rotina», uma ruptura drástica com o quotidiano laboral e extralaboral, o que redunda, mais ou menos inevitavelmente , num acréscimo de despesas para o trabalhador e respectiva família (deslocação, alojamento, etc.).

    Em ordem a possibilitar que o trabalhador enfrente este previsível aumento de gastos, o nº 2 deste preceito determina que, além da retribuição de férias prevista no nº 1, o trabalhador terá outrossim direito a auferir um subsídio de férias.” (in Contrato de Trabalho, 3ª edição, p. 288).

  7. Sendo, por isso, o subsídio de férias elemento essencial do regime jurídico das férias e do direito ao repouso e ao lazer, devido ao “ (...) o elevado calibre dos valores envolvidos na matéria das férias (direito ao repouso e aos lazeres, recomposição das energias físicas e psíquicas despendidas ao longo do ano, salvaguarda de um espaço temporal alargado de autodisponibilidade pessoal do trabalhador, etc.) ” (in Contrato de Trabalho, 3ª edição, p. 293); do mesmo modo, é também essencial - e, por isso, imprescindível - o subsídio de natal, que ajuda a fazer frente a uma época de gastos igualmente acrescidos, em que o trabalhador é encorajado a descomprimir do trabalho e a celebrar a época festiva com família e amigos.

  8. Assim, ao ter de entregar na totalidade os seus...

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