Acórdão nº 1518/16.9T8BGC-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | ALEXANDRA ROLIM MENDES |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: No processo especial de insolvência acima identificado em que são insolventes P. L. e D. L., teve lugar a abertura de incidente de qualificação de insolvência, após apresentação do parecer da Administradora de Insolvência no sentido de a insolvência dever ser declarada como culposa.
*Notificados os insolventes, contestaram os fundamentos da qualificação.
Foi proferida decisão no sentido de qualificar a insolvência como culposa.
Inconformados vieram os insolventes recorrer formulando as seguintes conclusões: 1.a Por não terem forças patrimoniais nem rendimentos pessoais que lhes permitissem solver dívidas de crédito à habitação e garantias dadas a dívidas de uma sociedade (em que esta não conseguiu pagar o que devia), os RECORRENTES requereram - por apresentação - a sua insolvência. A insolvência dos Recorrentes foi declarada e qualificada como culposa.
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a O Tribunal elegeu como fundamento de facto a doação que os Recorrentes tinham feito, cerca de 18 meses antes de se apresentarem a insolvência, da casa de habitação que possuíam, aos seus filhos menores, mas sobre a qual pendia, e pende, hipoteca para garantia, no essencial, de crédito à habitação, de valor superior ao valor da casa.
Como fundamento legal, o Tribunal louvou-se no disposto nos 186.°, 2- b) e d) do CIRE.
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a O Tribunal não fez a menor referência, quer em termos de facto quer em termos de direito, ao facto da doação não ter qualquer efeito prático na insolvência, pois os créditos cuja satisfação garantia - e garante - são de valor superior ao valor dessa casa.
Só por si, e objetivamente, este facto era suficiente para evidenciar que os Recorrentes, podendo ter agido de forma legalmente incorreta, não agiram de má-fé, nem em prejuízo de quem quer que seja.
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a O Tribunal entendeu qualificar a insolvência como culposa porque: - "presume-se que a situação de insolvência foi criada ou agravada em consequência da atuação dolosa e com culpa grave dos devedores" porque "Tendo resultado provado que os Insolventes (. . .) doaram aos seus três filhos (. . .) um prédio urbano, por título de doação lavrado em 29.05.2015 na Conservatória do Registo Predial, doação essa a que atribuíram o valor de € 140.400,00, quando o seu passivo é de € 726.219,01, facilmente se conclui que os Insolventes dispuseram de todo o seu património em proveito de terceiros e celebraram negócios ruinosos (por. serem liberalidades) em proveito de pessoas com eles especialmente relacionadas, integrando, dessa forma, as alíneas b) e d) do n° 2 do artigo 186.° do CIRE.': que o Tribunal diz serem ''presunções inilidíveis”.
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a O Tribunal não se preocupou com as causas da doação nem das da insolvência. Ignorou totalmente o facto do prédio doado suportar uma hipoteca que garante a satisfação de um crédito de valor superior ao desse prédio. Nem apreciou o facto da doação, em face da letra do art. 612.°, 1, 2ª parte do C.C e 120.° e 121.° do CIRE, ser uma ato inócuo quanto aos efeitos - e que não foi objeto - nem podia ser - de qualquer ocultação.
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a Ora, o Tribunal, em vez de verificar e declarar que a doação não será idónea para causar dano a quem quer que seja, nem constituir qualquer beneficio para os donatários, por causa da hipoteca que onera o prédio, e que sempre era um ato resolúvel sem custos, em vez de validar positivamente o comportamento dos Recorrentes por não terem impugnado a resolução da doação, entretanto declarada, ate toma essa atitude como reconhecimento de que queriam prejudicar a massa.
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a Tal interpretação é abusiva porque, ao banco, credor hipotecário, pela perspetiva racional, interessaria mais que o crédito lhe fosse sendo pago, que a venda do prédio, em processo de insolvência, em que o produto da venda, em regra, fica sempre abaixo do valor real, enquanto que os demais credores que, em tais circunstancias, nada de melhor obteriam (a não ser o "gosto" da "terra queimada"), também não sofriam qualquer agravamento da situação, em consequência da doação.
Ora, tivera o Tribunal cumprido a injunção que lhe dirige o nº 2 do art. 202.° da Constituição, teria também verificado que as coisas eram factualmente assim, e que, de tais factos, não decorre a existência de má fé. De qualquer modo, se entendesse que o juízo de falta de má-fé implicava mais averiguações, então era isso que o Tribunal devia ter feito, e não decidir com base em alguns indícios, e sem reparar nos que inculcam o contrário.
8a A decisão recorrida também deve ser revogada por outras razões.
Nomeadamente quando é dito que a doação foi prejudicial à massa insolvente, invocando-se o disposto nos arts. 120.° e 121.° do CIRE, que, em contradição com o que diz o art. 46.°, 1 também do CIRE, dá como existente - o prejuízo da massa insolvente o que não existe - quando o ato é praticado.
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a O Tribunal considerou que os Recorrentes agiram de má-fé, e que esta se presume inilidivelmente por força do art. 186.°, 1, b) e c) do CIRE, e que por isso a insolvência é qualificada como culposa.
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a O corpo do n. 1 do art. 186.° do CIRE afasta a aplicação dessa norma, bem como as demais normas que integram esse artigo, às pessoas singulares que não sejam titulares de empresa, às quais não aplica a presunção "iuris et iure" de insolvência culposa.
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a Por outro lado, o Tribunal não especificou o tipo em que relevou a doação, antes relevou o facto à luz de dois tipos, ou seja, os previstos nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 186.° do CIRE, violando assim o princípio lógico da identidade.
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a Prevenindo um eventual "suprimento da omissão de referência, na decisão recorrida, ao nº 4 do art. 186.° do CIRE, toma-se já posição sobre essa norma. Este nº 4 não pode inculcar a aplicação de presunções inilidiveis de culpa, sem o dizer claramente, como o não dizem as suas palavras de remissões para o nº 2, ou seja aquelas que dizem que se aplica "com as necessárias adaptações", "onde a isso não se opuser a diversidade das situações. "Em situações que põem em causa a honra das pessoas, as palavras ambíguas não são respeitáveis regras de conduta.
É assim manifesto que o disposto no nº 2 do art. 186.° do CIRE, diretamente ou por remissão do n.º 4 desse artigo, não se aplica às pessoas singulares que não são...
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