Acórdão nº 722/18.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução24 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recurso nº 722/18.0T8BRG.G1 I- RELATÓRIO 1.

No processo de contra-ordenação que correu termos no Ministério da Economia e do Emprego – Autoridade de Segurança Alimentar (ASAE), por decisão de 04.12.2017, a arguida Pneus X, Unipessoal, Lda, NIPC (...), foi condenada na coima de € 3.750,00 por ter incorrido na prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts 3º nº1 al. b) e nº4 e 9º nº 1 al. a), nº2 e nº3 todos do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15/09 na redacção introduzida pelo DL nº 74/2017, de 21/06.

  1. A arguida interpôs recurso de impugnação judicial da referida decisão, o qual foi admitido e realizada audiência de julgamento, tendo a final sido proferida decisão pela qual foi julgado improcedente o recurso interposto e, em consequência, mantida a decisão recorrida.

  2. Não se conformando com esta última decisão, dela interpôs recurso a arguida para este Tribunal da Relação de Guimarães, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: I.

    O objecto do presente recurso circunscreve-se à errada apreciação da prova produzida em Tribunal, errada aplicação do direito e errada aplicação da medida da pena.

    II.

    Com fundamento para este mesmo recurso, aponta a Recorrente a errada interpretação da prova produzida pelas testemunhas Pedro, Cristina e Rui, da errada interpretação da norma jurídica do artigo 7º, n.º 2 do DL 433/82, de 27.10.

    III. Da prova produzida em julgamento não resultou provado que a Recorrente tenha negado o livro de reclamações ao reclamante.

    IV.

    Efectivamente, o Reclamante pretendeu reclamar com o funcionário da Recorrente, e este disse que iria chamar a gerência ao local e o Reclamante, não obstante o funcionário ter chamado quem de direito, telefonou, efectivamente, para a P.S.P.

    V.

    Pelo Reclamante foi dito que apenas e só solicitou à gerente Cristina o Livro de Reclamações, por uma única vez, e que esta lhe facultou voluntariamente o mesmo.

    VI.

    O facto de a P.S.P. já se encontrar no local (por ter sido chamada pelo Reclamante) aquando da entrega voluntária do Livro de Reclamações não poderá ser vista – conforme interpretado pelo Tribunal a quo – como a razão dessa entrega.

    VII.

    Na verdade, não existiu qualquer intervenção do agente da P.S.P., uma vez que tal não foi necessário, porquanto o Livro de Reclamações foi facultado pela gerente Cristina em acto imediato ao pedido do mesmo pelo Reclamante. Conforme, aliás, consta do próprio relatório policial e das declarações contidas na decisão administrativa.

    VIII.

    Não existiu uma verdadeira recusa na entrega do livro de reclamações, pelo que, não foi violado o disposto no artigo 3º, n.º 1 b) e n.º 4, do DL 156/2005, de 15/09.

    IX.

    Salvo melhor opinião, só existiria recusa na entrega do Livro de Reclamações se o mesmo não tivesse sido, de todo em todo, entregue pela gerente Cristina ou, ainda, se só tivesse sido entregue pela e com a intervenção da P.S.P. o que de todo não foi o caso.

    X. Ao não existir violação dos referidos preceitos legais a conduta da Recorrente não é passível de punição nos termos do artigo 9º, n.º 1 a), n.º 2 e n.º 3 do DL 156/2005, de 15/09.

    XI.

    Ao entender de modo diverso andou mal o Tribunal a quo, porquanto condenou a Recorrente na prática de um ilícito inexistente.

    XII. Deve, pois, ser alterada a decisão, absolvendo-se a Recorrente da prática da ilicitude, nos termos supra alegados.

    Da errada aplicação do direito XIII.

    A acusação em causa foi dirigida contra a Recorrente, pessoa coletiva.

    XIV.

    Inexiste a identificação dos concretos órgãos ou representantes legais que agiram ou deixaram de agir livremente, no caso concreto.

    XV.

    As pessoas colectivas são responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos ou agentes ou representantes no exercício das suas funções, tal como prescreve o n.º 2 do artigo 7º do RGCOC.

    XVI.

    A infracção imputada à ora Recorrente terá sido alegadamente praticada pelo seu funcionário Pedro, mecânico de profissão e exerce as funções englobadas na sua categoria profissional, não tendo quaisquer outras funções ou responsabilidades na Recorrente, não fazendo parte dos órgãos da sociedade comercial, nem é seu representante legal, ou até comercial.

    XVII.

    A ser como vem descrito na acusação, e como vem dado como provado na douta Sentença, a infracção foi praticada pelo funcionário Pedro, sendo o mesmo qualificado na Sentença de que ora se recorre como órgão da empresa, para efeitos do n.º 2 do art. 7º, do referido diploma legal.

    XVIII.

    Salvo melhor opinião, não pode ser um mero funcionário, mecânico, qualificado como órgão ou agente, ou representante da Recorrente no sentido dado pelo art. 7º, n.º 2 do DL 433/82, sendo que tal é, consensualmente, aceite pela Jurisprudência.

    XIX.

    A responsabilização das pessoas colectivas opera, apenas e só, nos casos em que actuem por ela, mas, desde que, o acto seja praticado no exercício das suas funções, devendo ter-se por excluída quando o agente, órgão ou representante actue contra ordens ou instruções do ente colectivo tal como postula o nº 2 do supra referido normativo legal.

    XX.

    No caso sub judice foi um funcionário, mecânico, que, alegadamente, não acatou o pedido de reclamação do Reclamante e pretendeu chamar ao local a gerência, não tendo sequer comunicado a esta a pretensão do Reclamante.

    XXI.

    Uma pessoa colectiva só poderá ser responsabilizada caso seja apurada a responsabilidade dos órgãos ou representantes que actuem em seu nome e no seu interesse.

    XXII.

    Sendo estes requisitos cumulativos tal significa que, e para que haja a responsabilização de uma pessoa colectiva, tem que se apurar, em primeiro lugar, a culpa de um dos seus agentes, e, caso esta exista, tem que se verificar, em segundo lugar, se tais agentes agiram em nome e no interesse da pessoa colectiva em questão.

    XXIII.

    O nº 2 do art. 7º do RGCOC ao referir "os seus órgãos" exclui, desde logo, os seus funcionários dado que estes não representam a sua vontade, caso contrário a pessoa colectiva seria sempre responsável por actos no domínio funcional da empresa independentemente da vontade e do seu conhecimento dos seus órgãos ou representantes.

    XXIV. Órgãos do ente colectivo são as pessoas físicas que integram a sua vontade os centros institucionalizados de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade judicialmente imputável a esse ente colectivo.

    XXV. Os funcionários são de facto e de Direito, sujeitos autónomos, com personalidade jurídica distinta entre si, e por isso mesmo, responsáveis pelos seus actos e/ou omissões pois, caso assim se não entendesse, fácil seria hoje em dia trabalhar em qualquer empresa, sem qualquer tipo de responsabilidade emergente da sua prestação de trabalho, pois a culpa ou negligência seria sempre da entidade patronal! XXVI. A responsabilidade individual do agente ou dos agentes não se transfere para a pessoa colectiva, no sentido de que a responsabilidade desta não afasta a responsabilidade daquele ou daqueles pela sua actuação.

    XXVII.

    Por conseguinte, ao aparecer a Recorrente sozinha em juízo a ratio daquela norma é totalmente contrariada. Efectivamente, para que a Recorrente, pessoa colectiva, fosse responsável haveria sempre que haver simultaneamente uma pessoa individual responsável pela prática da mesma contra-ordenação, o que não ocorre e impossibilita, assim, que a Arguida possa ser punida.

    XXVIII.

    Acresce que, se não resulta da matéria de facto provada que o funcionário Pedro tivesse actuado contra ordens ou instruções expressas da Arguida, também é certo que não ficou dado como provado que tivesse agido segundo as suas instruções.

    XXIX.

    Sendo assim, sempre teríamos de chamar à colação o Principio do IN DUBIO PRO RÉU.

    XXX.

    Este funcionário, por não fazer parte dos órgãos da empresa, não integra o conceito de órgão do redito artigo 7º, n.º 2 do DL 433/82, pelo que a Recorrente não pode ser responsabilizada pela conduta do mesmo.

    XXXI.

    Em suma, não se tendo provado que a contra-ordenação imputada à Recorrente tivesse sido praticada por um seu órgão no exercício das suas funções não poderia esta ter sido condenada, como sucedeu/foi.

    XXXII.

    Isto acontece porque existe uma norma especial relativa à responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas, da qual resulta que a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas ou equiparadas, não tem carácter objectivo, exigindo-se, pois, a prática de um facto ilícito pelos seus órgãos no exercício das suas funções.

    XXXIII.

    Ensina o Prof. Germano Marques: “O conceito de órgão numa sociedade não suscita dificuldades especiais, quando se refere a órgãos de direito. Basta analisar a legislação referente às sociedades e aos respectivos estatutos. Estes órgãos são constituídos por uma ou várias pessoas físicas que actuam colegialmente às quais a lei ou os estatutos atribuem uma função particular na organização da sociedade.” – in Germano Marques da Silva, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus administradores e representantes, Editorial Verbo 2009, pág.228.

    XXXIV.

    Citando o Acórdão da Relação do Porto, de 24/1/2007, proc. 0643899, em que foi Relatora Isabel Pais Martins, e por referência aos ensinamentos do Prof. Manuel de Andrade “A vontade do órgão do órgão é referida ou imputada por lei à pessoa colectiva, constituindo para o Direito, a própria vontade desta pessoa. Correspondentemente, os actos do órgão valem como actos da própria pessoa colectiva, que assim agirá mediante os seus órgãos jurídicos, do mesmo modo que a pessoa singular actua e procede através dos seus órgãos físicos. Se os indivíduos encarregados de gestionar os interesses da pessoa colectiva são órgãos dela, os factos ilícitos que pratiquem no âmbito das suas funções serão actos da mesma pessoa; a culpa com que tenham procedido será igualmente culpa dessa pessoa; e sobre esta recairá a competente responsabilidade civil e criminal, que será, para o Direito, responsabilidade pelos próprios actos...

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