Acórdão nº 0452/17.0BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIMPÃO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: *1.1.

A………….. reclamou, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Sines, exarado no processo de execução fiscal n.º 2259200201006398, em que é executada originária a sociedade B………….. Lda, que lhe recusou conhecer do requerimento que lhe apresentou em 10/10/2017.

*1.2.

Aquele Tribunal, por sentença de 27/01/2018 (fls.147/167), julgou a presente ação improcedente, mantendo na ordem jurídica o ato reclamado e improcedente o pedido de condenação do reclamante no pagamento de indemnização e multa por litigância de má-fé.

*1.3. Inconformado o reclamante, executado por reversão no processo de execução fiscal n.º 2259200201006398, recorreu para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 27/06/208 (fls. 226/255), concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida e ordenou a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que aí fossem conhecidas as questões e pedido formulado pelo recorrente.

*1.4.

Na sequência desta decisão o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por sentença de 12/09/2018 (fls. 268/310), julgou improcedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação por extemporaneidade do pedido de anulação de venda, julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade do Autor, julgou a ação improcedente mantendo na ordem jurídica o ato reclamado e julgou improcedente o pedido de condenação do reclamante no pagamento de indemnização e multa por litigância de má-fé.

*1.5.

Inconformado recorreu o reclamante para este Supremo Tribunal terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: «1.ª O presente recurso vem interposto da aliás douta sentença, na parte em que decidiu julgar “...a acção improcedente, mantendo na ordem jurídica o acto reclamado” (alínea c) da decisão final).

2.ª O ato reclamado é o ato praticado pelo órgão de execução fiscal, que não reconheceu os vícios atribuídos pelo ora recorrente à venda do prédio urbano que lhe foi penhorado, como revertido, em execução instaurada para cobrança de IRC, a pagamento no ano seguinte ao mês de Fevereiro em que cessou o exercício de funções de gerente da executada originária. Porém, salvo o devido respeito, verificam-se todos os vícios imputados: 3.ª A adquirente, a recorrida particular C…………. SARL é sociedade anónima, cujos estatutos preveem que o seu capital é representado por acções anónimas ou ao portador, reciprocamente convertíveis, disposição à data (anterior à Lei 15/2017) válida e eficaz, de molde a permitir que o fosse por acções ao portador.

4.ª As sociedades anónimas cujo capital era representado por acções ao portador não podiam adquirir bens em execução fiscal, por força do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 256º do CPPT, pois 5.ª As sociedades emitentes de acções ao portador, ou de cujos estatutos resulte que podem emitir acções ao portador ou nominativas, livremente convertíveis, a mero requerimento do titular, estão sujeitas a regime jurídico que não permite identificar os titulares efectivos do seu capital. Doutro modo, 6.ª A proibição de certas pessoas ou entidades, como os magistrados, os funcionários da administração tributária e as entidades não residentes submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, adquirirem bens em venda no processo executivo tributário, “por si, por interposta pessoa, ou por entidade jurídica em que participem” (cit. al. a) do n.º 1 do artigo 256º do CPPT), não poderia ser imposta. Tanto que 7.ª É o próprio legislador que o afirma, na exposição de motivos dos dois Projetos de Lei que estiveram na origem da Lei 15/2017, que proibiu a emissão de acções ao portador (Projeto de Lei n.º 262/XllI-1ª do Partido Socialista e Projeto de Lei n.º 205/XIII-1ª do Bloco de Esquerda). Com efeito, 8.ª A transmissão de acções ao portador, até à sua proibição pela citada Lei, tinha lugar por mero efeito da entrega do título, sem sujeição a qualquer documentação, formalidade ou registo (cfr. artigos 99º e 101º do Código dos Valores Mobiliários), uma vez que a titularidade se determinava pela detenção. Por sua vez, 9.ª A lista de presenças das assembleias gerais só permite identificar quem compareceu em determinada assembleia geral, isto é, quem à data é acionista e compareceu, não revela a data de aquisição dos títulos, nem identifica os ausentes, nem impede a alienação das acções dos presentes no dia seguinte, ou no próprio dia, terminada a assembleia. Portanto, repete-se: 10.ª O regime jurídico da sociedade comercial anónima cujos estatutos permitissem a emissão de acções ao portador, antes da vigência da Lei n.º 15/2017, não permitia identificar os titulares do seu capital social e, por esse motivo, essa sociedade estava impedida de adquirir quaisquer bens em execução fiscal, em coerência com o regime estatuído no artigo 256.º n.º 1, al. a) do CPPT. De resto, 11.ª As instituições de crédito, ainda que adoptem a forma de sociedade anónima, há muito só podem emitir acções nominativas (cf. artigo 14º, n.º 1, al. d) e 199º-C, al. b) do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), pelo que não colhe em apoio de conclusão oposta o argumento de que adquirem bens em execução fiscal… Pelo exposto, 12.ª A venda à recorrida particular é nula, invalidade substantiva, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e susceptível de ser conhecida oficiosamente, pelo tribunal (arts. 286º e 294º do CC e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, volume IV, 6.ª ed., 206). Ainda que assim se não entendesse, sem conceder, 13.ª Nos autos de execução, a venda concluiu-se no dia 30.12.2014, mas o preço só foi depositado no dia 29.01.2015 (fls. 248), por ter sido autorizado o seu diferimento, mas sem qualquer fundamentação.

14.ª O entendimento de que o órgão de execução fiscal pode deferir o pedido de prorrogação do prazo para depósito da totalidade do preço, sem qualquer fundamentação é ilegal, por violação do artigo 154º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPPT, e inconstitucional, por violação dos artigos 205º ou 268º da Constituição. Sempre sem conceder, 15.ª Mesmo admitindo, com o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz a quo, que a exigência de fundamentação incluída na al. f) do n.º 1 do artigo 256º se refere ao pedido do adquirente, nem por isso a preenche a mera proposta de “...entregar a parte restante no prazo máximo de oito meses, necessário para mobilizarmos os recursos financeiros” (Cfr alíneas s) e t) da matéria de facto provada): 16.ª Pedir o diferimento da obrigação de pagar o preço, apenas com a afirmação de que é necessário proceder ao pagamento, é um truísmo que nada explica e, portanto, nada fundamenta. Ora, 17.ª A actuação do órgão de execução fiscal tem pelo menos que obedecer aos princípios fundamentais da ordem jurídica, aplicáveis quer aos Tribunais, quer à Administração, nomeadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. artigo 266º da Constituição).

18.ª Se fosse aceite como fundamentação o pedido de diferir o pagamento do preço porque este tem de ser pago, seria sempre aceite diferir o pagamento do preço, tomando inútil qualquer fundamentação.

19.ª A falta, quer da fundamentação que devia constar do pedido, quer da fundamentação que devia constar da decisão que sobre ele incidiu, vicia os actos praticados de nulidade, bem como os actos subsequentes, por se traduzir na prática de actos que a lei não permite, susceptíveis de influir na decisão da causa. De qualquer modo, 20.ª Se não comparecer à abertura de propostas, o proponente tem 5 dias para pagar 30% do preço e fundamentadamente requerer o diferimento da obrigação de pagar o restante, a contar da data em que teve conhecimento de que a sua proposta foi escolhida.

21.ª Resultou provado nos autos que pelo menos no dia 12.01.2015 (al. v) dos factos provados), a adjudicatária já tinha em seu poder o Documento Único de Cobrança referente à liquidação de 1/3 do preço oferecido, mas o preço só foi depositado no dia 29.01.2015, já o direito se encontrava caducado. Ora, 22.ª “A existência de uma nulidade processual susceptível de afectar o acto da venda, constitui uma causa de nulidade desta, nos termos do referido nº 1 do artº 201º e da al. c) do n.º 1 do artº 909º do CPC, aplicáveis por força do disposto na al. c) do n.º 1 do artº 257º do CPPT” (cit. Acórdão do Pleno da Secção Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26-02-2014, Proc. O 1224/13, disponível em www.dgsi.pt) 23.ª Deviam, assim, ter sido declarados nulos os actos de aceitação da proposta apresentada pela C…………., SARL no âmbito da venda judicial realizada nos autos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 256º do CPPT e todos os actos praticados posteriormente ou, a assim não se entender, a decisão de aceitar o pagamento do preço oferecido, na modalidade prevista na al. f) do artigo 256° do CPPT e de adjudicar ao proponente o imóvel objeto da venda, por falta de fundamentação e incumprimento da obrigação de depositar pelo menos um terço do preço no prazo de 15 dias a contar da data de adjudicação. E, 24.ª Não se diga que a nulidade ficou sanada, porque não está apenas em causa o interesse da recorrida particular, está também o direito da generalidade das pessoas à igualdade perante a lei, bem como a satisfação do interesse público, pois outros poderiam ter licitado, por valor superior, se soubessem que o 1/3 do preço que deve ser depositado imediatamente, podia afinal ser depositado, sem consequências, ao final de 30 dias.

25.ª Ao assim não decidir a aliás douta sentença violou as normas acima citadas e acolheu interpretação inconstitucional, por violação das normas também acima citadas, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por decisão que julgue a ação procedente, apenas assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.».

*1.6.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*1.7.

O Ministério...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT