Acórdão nº 412/18 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução19 de Julho de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 412/2018

Processo n.º 371/18

2.ª Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam, em Conferência, na 2. ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A., S.A., veio interpor dois recursos de constitucionalidade, invocando o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto de ambos os recursos, com a seguinte fundamentação:

«(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Vejamos, então, se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa – se encontram preenchidos in casu, relativamente aos recursos interpostos.

Recurso interposto em 21 de dezembro de 2017, relativamente ao acórdão de 6 de dezembro do mesmo ano

A recorrente, notificada do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença condenatória da 1.ª Instância, veio interpor recurso desse mesmo aresto para o Tribunal Constitucional e, no respetivo prazo legal, apresentar arguição de nulidade de tal decisão.

Não obstante ter interposto recurso, como já referimos, expressamente deixou consignado que o fazia «cautelarmente», antecipando a possibilidade de vir a arguir a nulidade do acórdão recorrido e explicitando que a interposição do recurso aqui em análise não deveria ser entendida como renúncia ao exercício de tal faculdade, que ainda estava em tempo de exercer.

O requerimento de arguição de nulidade, que foi de facto apresentado, incidindo sobre a decisão visada pelo recurso de constitucionalidade, assentava, como já referimos, na falta de fundamentação no que respeita à coima única aplicada; na omissão de pronúncia, em virtude de, alegadamente, o «tribunal não ter procedido, na fixação da coima única, à apreciação conjunta dos factos e à responsabilidade social adscritiva da [a]rguida» e, por fim, no excesso de pronúncia, «no que se refere à assunção, pela primeira vez no decurso do (…) processo, de que para efeitos de verificação da conduta típica (…) a conduta do vigilante constitui uma intromissão intolerável na esfera pessoal de terceiros».

Cumpre verificar o efeito legal de tal conduta processual da recorrente, quanto à admissibilidade do recurso de constitucionalidade.

Nos termos do n.º 2 do artigo 70.º da LCT, a admissibilidade dos recursos, previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo normativo, depende do esgotamento dos recursos ordinários.

O pressuposto da prévia exaustão dos recursos ordinários apenas se verifica quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência, entendendo-se que se encontram esgotados todos os recursos ordinários, para este efeito, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual (n.º 4 do artigo 70.º da LTC).

A jurisprudência constitucional tem entendido que, no conceito legal de «recurso ordinário», se incluem os incidentes pós-decisórios, que não sejam manifestamente anómalos ou inidóneos, por não estarem previstos no ordenamento jurídico ou por servirem fins intencionalmente dilatórios.

A consagração do requisito de admissibilidade em análise corresponde à adoção do princípio da exaustão das instâncias, que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, o que redundará no resultado de o objeto de recurso de constitucionalidade ser circunscrito à decisão definitiva, à última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.

Assim, quando o recorrente deduz arguições de vícios da decisão recorrida, dentro da ordem jurisdicional respetiva, deve aguardar a decisão que venha a ser proferida na sequência da utilização de tais meios processuais impugnatórios, não sendo admissível que antecipe o momento do recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.ºs 534/04, 24/06, 286/08 e 331/08, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde podem ser encontrados os restantes arestos deste Tribunal, doravante citados).

Aplicando tais considerações no caso concreto, concluímos que o acórdão de 6 de dezembro de 2017, que figura, no caso, como decisão recorrida, não se apresentava como decisão definitiva, à data da interposição do recurso de constitucionalidade em análise, porquanto ainda corria o prazo para a dedução de incidentes pós-decisórios, prazo esse que a recorrente veio efetivamente utilizar – confirmando a possibilidade hipotética que, expressamente, antecipara – arguindo vício que era abstratamente suscetível de interferir na subsistência do conteúdo do acórdão recorrido, na parte igualmente visada pelo recurso de constitucionalidade, ou seja, desde logo no excerto relativo à confirmação da condenação pela infração mais grave imputada à recorrente.

Não se pronunciará este Tribunal, autonomamente, sobre a questão de saber se o requerimento de arguição de nulidade era manifestamente infundado – no sentido de consubstanciar incidente anómalo ou apenas destinado a servir fins intencionalmente dilatórios – aceitando, assim, a decisão do tribunal a quo, que, com benevolência, apesar de referir que o requerimento «manifestamente» carecia de fundamento, concluiu que o mesmo consubstanciava uma «legítima», embora «processualmente inadequada, causa de discordância sobre o sentido do decidido», não retirando da sua apreciação outras consequências que não o mero indeferimento da requerida arguição.

Repetimos que o Tribunal Constitucional não se pronunciará autonomamente sobre a natureza do incidente, no sentido de o mesmo consubstanciar ou não incidente anómalo – sendo certo que tinha competência para fazê-lo, apenas e tão só para efeito de apreciar a questão da admissibilidade do recurso de constitucionalidade –, porquanto uma mais profunda indagação sobre a referida natureza não se justifica, no presente caso, por não ser decisiva para o sentido do desfecho da causa – como veremos – já que a recorrente reiterou o conteúdo do recurso de constitucionalidade, que agora analisamos, ulteriormente. Acresce que a posição deste Tribunal de aceitar, sem mais, o juízo do tribunal a quo é mais favorável à recorrente, que, desta forma, não vê prejudicada liminarmente a apreciação do seu ulterior recurso, de âmbito mais amplo do que o presente, o que não sucederia, na hipótese inversa, pois, concluindo este Tribunal pelo carácter anómalo ou manifestamente dilatório da arguição de nulidade apresentada em 8 de janeiro de 2018, em consonância, teria de concluir pela não consideração de qualquer efeito útil ao processado subsequente gerado pela reação processual inidónea da recorrente.

Nestes termos, aceitando o incidente pós-decisório apresentado como uma reação processual ainda legalmente admissível e não manifestamente anómala, teremos de concluir que, não tendo a recorrente aguardado que o tribunal a quo sobre o mesmo se pronunciasse, interpôs o recurso de constitucionalidade prematuramente, quando a decisão recorrida não era ainda definitiva.

Ciente da possibilidade de este Tribunal chegar à conclusão precedentemente explicitada, a recorrente, aliás, referiu que o recurso era interposto «cautelarmente», inserindo-se assim no quadro de uma litigância prudente, que deve prever as várias soluções plausíveis de direito que podem vir a ser adotadas na decisão.

Face às considerações expendidas, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, dependendo a sua admissibilidade, como se referiu, da prévia exaustão das instâncias, ou seja, desde logo, do esgotamento dos meios impugnatórios acionados pela recorrente, no âmbito da ordem jurisdicional respetiva, conclui-se, in casu, pela não admissão do recurso interposto em 21 de dezembro de 2017.

Recurso interposto em 15 de fevereiro de 2018

A recorrente interpôs novo recurso em 15 de fevereiro de 2018. No respetivo requerimento de interposição, referiu fazê-lo «à cautela, e para o caso de improceder o [r]equerimento de [a]rguição de [n]ulidade nesta mesma data apresentado».

De facto, visando o recurso, como decisão recorrida, o acórdão de 31 de janeiro de 2018 e tendo sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o mesmo, prima facie, apenas não seria prematuro se a recorrente tivesse aguardado a decisão dos incidentes pós-decisórios por si apresentados.

Tal conclusão, porém, apenas pode ser extraída no caso de os incidentes pós-decisórios não serem anómalos.

Na verdade, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e interrompe os prazos de interposição de outros que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos...

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