Acórdão nº 619/16 de Tribunal Constitucional, 16 de Novembro de 2016

Data16 Novembro 2016
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 619/2016

Processo n.º 269/2016

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A., LDA., em 28 de junho de 2016 (fls. 76 a 80), a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 482/2016, através da qual decidiu não julgar inconstitucionais «a norma constante dos artigos 122.º, n.º 2, e 123.º do Código de Processo Civil de 2013, segundo a qual “o julgamento de suspeição visando juiz da 1ª instância compete ao presidente da Relação”», bem como a «norma extraída do artigo 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil de 2013, segundo a qual “o presidente decide sem recurso”», o que fez através da seguinte fundamentação:

« (…)

1. “A., Lda.” deduziu incidente de suspeição contra o juiz que interveio como substituto da juíza de primeira instância contra a qual se havia também deduzido um incidente de suspeição.

Por despacho proferido pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28.01.2016, foi indeferido o incidente de suspeição.

Notificada desse despacho veio “A., Lda.” arguir a sua nulidade, o que foi indeferido por despacho datado de 17.02.2016.

Notificada deste último despacho veio “A., Lda.” dele reclamar e ainda arguir a sua nulidade por omissão de pronúncia, o que, por despacho datado de 01.0.2016 foi concedido, servindo tal despacho, na parte respetiva, como complemento do despacho de 17.02.2016.

2. Notificado deste último despacho, veio “A., Lda.” interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

O requerimento de interposição do recurso é do seguinte teor:

A., LDA, Recusante, notificada dos despachos do Exmo. PRESIDENTE dessa Relação lavrados nos autos com datas 28-01-2016, 17-02-2016 e 01-03-2016, deles interpõe Recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, e, em conformidade com o disposto no artigo 75.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (LTC), diz:

I – O recurso é interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da LTC.

II – As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são:

1) a plasmada nos artigos 122º, nº 2, e 123º do Código de Processo Civil de 2013 (CPC/2013), segundo a qual o julgamento de suspeição visando juiz da 1ª instância compete ao presidente da Relação;

2) a plasmada no artigo 123º, nº 3, do mesmo código segundo a qual o presidente decide sem recurso.

III – A enunciada norma extraída dos artigos 122º, nº 2, e 123º do CPC/2013, viola as normas dos artigos 203º e 222º, nº 5, da Constituição no que concerne às garantias de independência e imparcialidade dos juízes e dos tribunais.

IV – A enunciada norma extraída do artigo 123º, nº 3, do CPC/2013, viola o disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição, quanto ao direito ao recurso de decisões de natureza administrativa para uma instância jurisdicional.

V – A questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos requerimentos de 07-12-2015, 10-02-2016 e 23-02-2016.

(…)

3. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, entende-se proferir decisão sumária por a questão a decidir ser simples, por ser manifestamente infundada.

Entende a recorrente que a norma constante dos artigos 122.º, n.º 2, e 123.º do Código de Processo Civil de 2013, segundo a qual “o julgamento de suspeição visando juiz da 1ª instância compete ao presidente da Relação” é inconstitucional, por violação dos artigos 203.º e 222.º, n.º 5, da Constituição no que concerne às garantias de independência e imparcialidade dos juízes e dos tribunais.

Entende ainda a recorrente que a norma extraída do artigo 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil de 2013, segundo a qual “o presidente decide sem recurso”, viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição, quanto ao direito ao recurso de decisões de natureza administrativa para uma instância jurisdicional.

Ao formular as duas questões de constitucionalidade indicadas a recorrente parece partir do entendimento segundo o qual, ao apreciar um incidente de suspeição, o presidente do Tribunal da Relação estaria a atuar no exercício de uma mera função administrativa (e não no exercício da função jurisdicional).

É incorreto esse entendimento.

O artigo 202.º, n.º 1, da Constituição, atribui aos tribunais, enquanto órgão de soberania, a competência para o exercício da função jurisdicional, sendo os juízes os titulares desse órgão.

Os juízes presidentes dos tribunais da Relação são, antes de mais, juízes, recrutados e nomeados nos termos prescritos no artigo 215.º da Constituição, e, quando exercem funções de presidentes, têm o seu leque de competências definido nos artigos 76.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, sendo umas de natureza jurisdicional e outras de índole administrativa.

Além das competências que constam expressamente destes preceitos, compete ainda aos presidentes dos tribunais da Relação “exercer as demais funções conferidas por lei” (artigo 62.º n.º 1, alínea h), da LOSJ, aplicável ex vi artigo 76.º, n.º 1 desse diploma legal), como é o caso da norma constante dos artigos 122.º, n.º 2, e 123.º do Código de Processo Civil de 2013.

Ora, quando o presidente do tribunal da Relação se pronuncia sobre um incidente de suspeição deduzido por uma parte contra o juiz de primeira instância titular do processo está a efetuar um juízo sobre a verificação ou não, no caso concreto, das garantias de imparcialidade desse mesmo juiz, algo que, face à provocação desse incidente pela parte se assume como matéria controvertida, pelo que é manifesto que o órgão competente para resolvê-la atua no exercício de uma função jurisdicional.

Assim, apesar de, nos termos do disposto no artigo 75.º da LOSJ, os presidentes dos tribunais da Relação serem eleitos pelos seus pares para estes cargos, por tempo determinado, os mesmos não perdem a qualidade de juízes em efetividade de funções, aos quais pode a lei continuar a atribuir as funções jurisdicionais que entenda justificarem-se.

Igualmente se a regra nos tribunais de segunda instância é a decisão colegial, sem que isso obedeça a qualquer imposição constitucional, nada impede que o legislador ordinário para determinadas decisões opte, por razões de celeridade, pela decisão singular, como sucede no presente caso.

A apreciação de um incidente de suspeição deduzido contra um juiz de primeira instância não é efetuado pelos presidentes dos tribunais da Relação no uso das suas competências administrativas, que também possuem, mas sim no uso das suas competências jurisdicionais, os quais, sendo juízes, não as perdem pelo facto de serem eleitos para o cargo de Presidente.

Deste modo, a norma constante dos artigos 122.º, n.º 2, e 123.º do Código de Processo Civil de 2013, ao determinar que o julgamento de suspeição visando juiz da 1ª instância compete ao presidente da Relação não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente o que estabelece a independência dos tribunais e a sua exclusiva sujeição à lei (artigo 203.º da Constituição) [não tem qualquer pertinência a invocação pela recorrente, como parâmetro de controlo da norma questionada, do artigo 222.º, n.º 5, da Constituição, que se refere aos juízes do Tribunal Constitucional].

No que respeita à segunda questão de constitucionalidade, relativa ao artigo 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na medida em que, para todos os efeitos, a decisão sobre o incidente de suspeição consubstancia uma decisão judicial, não se põe, de todo em todo, o problema de exigibilidade de recurso de uma decisão de natureza administrativa para uma instância jurisdicional.

Pelo que é manifestamente infundada qualquer das questões de constitucionalidade suscitadas pela recorrente».

2. Inconformada com a decisão acima transcrita e sob invocação do “disposto no artigo 78.º-B, n.º 1, da LTC”, a recorrente, em 08 de julho de 2016 (fls. 85-98), veio: (i) arguir a respetiva “nulidade” por alegada “omissão” de “pronúncia” e contestar a possibilidade de ter por verificado o pressuposto estabelecido no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC para a prolação de decisão sumária; (ii) identificar os “erros” que considera constarem da respetiva “fundamentação”, “resultantes” dessa “nulidade” e consubstanciadores, eles próprios, da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, tanto na modalidade de “omissão”, como na de excesso de “pronúncia”;(iii) invocar contra o ali decidido “a garantia constitucional de imparcialidade”, convocada nas “peças processuais indicadas no requerimento de interposição do recurso”, e a sua incompatibilidade, de acordo com a configuração que alegadamente assume na “jurisprudência do TC”, com o “estatuto legal dos presidentes das relações”, na parte em que lhes é atribuída competência para “decidirem incidentes de suspeição de juízes da 1.ª instância cível”; e, por último, (iv) arguir a “inconstitucionalidade normativa” gerada pelo que identifica como sendo a “diversidade de soluções sobre a mesma matéria” neste domínio.

Requerendo, a final, a respetiva notificação nos termos e para os efeitos previstos no “artigo 79.°, n.° 1, da LTC”, fê-lo através do articulado cujo teor seguidamente se transcreve:

« (…)

I — Nulidade da decisão de 28-06-2016

1. Por força do disposto no artigo 78°-B, n° 1, da LTC, compete ao relator julgar os incidentes suscitados, e os demais poderes previstos na lei. Por força do disposto no artigo 78°-A, n° 3, da LTC, pode reclamar-se para a conferência da decisão sumária do relator. A reclamação pressupõe a...

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