Acórdão nº 512/18 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 512/2018

Processo n.º 495/2018

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, em que é recorrente A., Lda. e recorrida a B., CRL, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 3 de maio de 2018, que, em conferência, confirmou a decisão de indeferimento, proferida pelo Juiz Conselheiro Relator em 13 de março de 2018, da reclamação apresentada pela ora reclamante contra o despacho de não admissão do recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 21 de dezembro de 2017, para aquele Supremo Tribunal.

2. Através da Decisão Sumária n.º 471/2018, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, conheceu-se do objeto do recurso de constitucionalidade, que foi julgado improcedente, ainda que por remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

4. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Tal como decorre do respetivo requerimento de interposição, o recurso tem por objeto a norma extraída do n.º 2 do artigo 370.º do Código do Processo Civil («CPC»), com o «sentido que da decisão de forma do Tribunal da Relação com fundamento diverso do da decisão do Tribunal da primeira instância não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», por violação do direito de acesso aos tribunais, do direito a que a causa seja objeto de decisão e do direito a obter tutela jurisdicional efetiva, consagrados, respetivamente, nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição.

Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC que, se considerar que a decisão é simples, por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator proferirá decisão sumária.

Conforme se demonstrará em seguida, a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso, tendo sido apreciada já na jurisprudência deste Tribunal, é simples, justificando-se, deste modo, a prolação da presente decisão sumária.

5. A questão colocada pelo recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos consiste em saber se merece confirmação o juízo formulado pelo Tribunal a quo, no segmento da decisão recorrida em que não julgou inconstitucional e desaplicou a norma extraída do n.º 2 do artigo 370.º do CPC, com o «sentido que da decisão de forma do Tribunal da Relação com fundamento diverso do da decisão do Tribunal da primeira instância não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», por não descortinar qualquer incompatibilidade com o direito de acesso aos tribunais, do direito a que a causa seja objeto de decisão e do direito a obter tutela jurisdicional efetiva.

Cumpre começar por afirmar que a questão suscitada pela norma impugnada nos presentes autos é praticamente idêntica àquela que foi analisada por este Tribunal no âmbito do Acórdão n.º 132/2001, o qual se debruçou sobre a norma resultante do artigo 387.º-A do CPC (aditado pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de setembro), segundo a qual «[d]as decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível», e que não foi julgada (materialmente) inconstitucional por contradição com os princípios constantes dos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição.

Embora se possa dizer que o conteúdo da norma contida naquele artigo 387.º-A do CPC não coincide inteiramente com a norma que constitui o objeto do recurso em apreciação, assim como se trata de um aresto isolado produzido por uma Secção com uma composição naturalmente distinta das atualmente existentes, a verdade é que a questão ora suscitada, em genéricos termos considerada, foi já objeto de copiosa jurisprudência por parte do Tribunal Constitucional.

6. Com efeito, a questão suscitada pela norma impugnada nos presentes autos prende-se com saber se o princípio do acesso ao direito impõe ao legislador ordinário, no domínio processual cível, que garanta aos particulares, em toda e qualquer situação, a possibilidade de recurso e acesso a diferentes graus de jurisdição na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Antes de se avançar, importa desde logo notar que, contrariamente ao invocado pela recorrente, a utilização de distintos fundamentos de forma pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação é absolutamente desprovida de relevância, na medida em que, embora diferentes, os fundamentos usados para rejeitar as decisões foram — e é isso que importa — ambos de forma. Significa isto que, no caso dos presentes autos, a recorrente usufruiu de facto de uma instância de recurso.

Em qualquer caso, conforme é sabido, o legislador nem sequer se encontra tout court obrigado a estabelecer uma instância de recurso em toda e qualquer situação.

De forma unânime, tem justamente este Tribunal vindo a considerar que, salvo parcas limitações — como as decorrentes das especificidades existentes no domínio processual penal, dos casos, ao menos para alguns, de restrições em matéria de direitos, liberdades e garantias, ou ainda das eventuais situações de consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante (ilustrativamente, cf. Acórdãos n.º 202/99 e 44/08) —, é jurídico-constitucionalmente conferida ao legislador uma ampla margem de discricionariedade na modelação do direito ao recurso, designadamente quanto à concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos (entre tantos outros, cf. Acórdãos n.º 163/90, 346/92, 475/94, 489/95, 501/96, 125/98, 77/01, 360/05, 44/08, 328/12), não se lhe impondo a consagração de um sistema de recursos ilimitado ou ad infinitum (por exemplo, cf. Acórdãos n.º 125/98, 638/98 e 415/01).

A título ilustrativo, atente-se no Acórdão n.º 125/98, onde se afirmou que:

«De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o duplo grau de jurisdição em matéria não penal não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos. Com efeito, da Constituição apenas se deduz uma garantia contra violações radicais pelo legislador ordinário do sistema de recursos instituído e da igualdade dos cidadãos na sua utilização (cf. Acórdão nº 27/95 - inédito).

Nesta medida, caberá à lei infraconstitucional definir o acesso aos sucessivos graus de jurisdição, segundo critérios objetivos, ancorados numa ideia de proporcionalidade (relevância das causas, natureza das questões) e que respeitem o princípio da igualdade, tratando de forma igual o que é idêntico e de forma desigual o que é distinto.

Pode, assim, afirmar-se que a Constituição não exige um duplo grau de jurisdição no âmbito do contencioso administrativo, nomeadamente nas providências de suspensão de eficácia de atos administrativos. Tenha-se presente que, neste âmbito, o duplo grau de jurisdição é apenas suprimido nos processos em que a decisão de que se recorre é proferida por uma das subsecções da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (instância que funciona como tribunal de recurso para as decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos de Círculo). Sublinhe-se que em tais casos, não obstante a inadmissibilidade do recurso para o pleno, é garantida a apreciação da decisão impugnada por um órgão colegial de elevada hierarquia na pirâmide dos tribunais administrativos. E refira-se, também, que nestes processos está assegurado o recurso para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, quando...

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