Acórdão nº 237/17 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Maio de 2017

Data09 Maio 2017
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 237/2017

Processo n.º 625/16

2.ª Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nestes autos, vindos do Tribunal de Execução das Penas do Porto, o Ministério Público interpôs o presente recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. O processo base teve origem em certidão remetida pelo Tribunal da Instância Local para o Tribunal de Execução das Penas, em cumprimento do disposto no artigo 138.º, n.º 4, alínea x), do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante, designado por CEPMPL).

O arguido, aqui recorrido, havia sido condenado em pena de multa, que, injustificadamente, não pagou, o que originou instauração de processo de execução pelo Ministério Público, mecanismo legal que apenas permitiu que fosse arrecadada uma parte da quantia exequenda. Assim, o remanescente da multa não cumprida foi convertida em prisão subsidiária.

Esgotadas as diligências de localização do arguido, foi solicitada ao Tribunal de Execução das Penas a prolação de despacho de declaração de contumácia, nos termos dos artigos 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, alínea x), ambos do CEPMPL. Tal pretensão não foi satisfeita, pelos fundamentos aduzidos na decisão de 20 de junho de 2016.

3. Na referida decisão, o tribunal a quo aduz, em síntese, a seguinte fundamentação:

“Ora, em causa está a aplicação, a título de pena principal, de uma pena de multa que não tendo sido paga foi convertida em prisão subsidiária. Realidade factual que suscita a questão de se, nestes casos, é admissível proceder à restrição de direitos do condenado que a declaração de contumácia implica, nos termos prescritos nos artigos 335.º e 337.º, ambos do CPPenal.

Entendemos que não é admissível pelos fundamentos infra expostos.

Por definição, toda a pena criminal envolve um sacrifício ou perda para o condenado que, no caso da pena de multa, se traduz em sacrifício ou perda de ordem patrimonial – consubstanciado em termos da execução num pagamento voluntário ou coercivo do valor da multa.

(…)

Paralelamente ao enquadramento legal da natureza pecuniária da multa, enquanto pena principal, prevê o legislador a suscetibilidade da sua substituição (artigo 48.º), admitindo a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.

(…)

Na execução de uma prisão subsidiária resultante da conversão de uma pena de multa não pode, desde logo, o aplicador deixar de atender à natureza pecuniária da pena principal aplicada que é essencialmente diferente da natureza da pena de prisão aplicada a título principal.

(…)

Logo, para além da diferente natureza da execução da prisão que resultou da conversão da multa (…) também a sua finalidade e modo de execução são diversos, pois que, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 49.º do CPenal, o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa (…) em que foi condenado. Possibilidade essa de execução que nos casos previstos pelo n.º 2 do artigo 97.º do CEP, não é sequer admitida pois neste normativo está prevista a aplicação da contumácia àqueles casos em que o que está em causa é o efetivo cumprimento da pena de prisão.

(…)

Atualmente, o ordenamento jurídico atribui à declaração de contumácia uma dupla valência, a primeira das quais – enquanto situação que implica a suspensão dos ulteriores termos do processo até à sua apresentação ou detenção de arguido de paradeiro desconhecido -, materializada na aplicação de um conjunto de medidas – p. ex. a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração; a proibição de obtenção de determinados documentos, certidões ou registos, arresto, na totalidade ou parte dos seus bens – tendentes a coagirem o condenado, por uma segunda investida, a cumprir a pena que lhe foi aplicada e, a segunda das quais, enquanto causa quer de interrupção (…) quer de suspensão da prescrição das penas, conforme resulta do disposto nas alíneas b) respetivamente dos artigos 125.º e 126.º ambos do CPenal.

(…)

Em síntese, a posição (…) de não admitir a declaração de contumácia nos casos de prisão subsidiária está suportada na diferente natureza das penas de prisão – prisão principal versus prisão subsidiária -, e no diferente regime de execução da prisão subsidiária - (…) e, nesta perspetiva, defender a aplicabilidade à pena de prisão subsidiária do previsto no n.º 2 do artigo 97.º do CPPenal é compactuar com a supracitada forma de intrusão em direitos, liberdades e garantias do condenado que, apesar de a pena de multa convertida em prisão ainda é suscetível de pagamento a todo o tempo, em articulação com a dimensão pro libertate do seu regime de execução, enquanto princípio geral do domínio dos direitos fundamentais (…).

(…)

Do exposto, julgo inconstitucional, por ofensa às disposições dos artigos 18.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1 da CRP, a aplicação do disposto nos artigos 97.º, n.º 2 e 138.º, n.º 4, alínea x) do CEP, na redação legal vigente, ao presente caso ao qual foi imposta, a título principal, a pena de multa que, pelo seu não pagamento deu origem a decisão determinante do cumprimento da correspondente prisão subsidiária, pelo que determino o arquivamento dos autos.”

É esta decisão que consubstancia a decisão recorrida, no âmbito do presente recurso de constitucionalidade.

4. No requerimento de interposição do recurso, o Ministério Público fundamenta a respetiva apresentação na circunstância de a decisão recorrida ter “recus[ado] declarar a contumácia relativamente à pena de prisão subsidiária da pena de multa, invocando a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 18, n.º 2 e 26, n.º 1, da CRP.”

5. Notificado para apresentar alegações, o recorrente sintetizou o sentido da peça processual que elaborou, nas seguintes conclusões:

“1ª. Recurso obrigatório do Ministério Público interposto do Despacho proferido em 20 de junho de 2016, no Proc. 252/16.4TXPRT-A, pelo Exmo. Juiz do 2º Juízo do TEP do Porto, em que vem decidido julgar «inconstitucional, por ofensa às disposições dos artigos 18º., nº. 2 e 26º., nº.1 da CRP, a aplicação do disposto nos artigos 97º., nº. 2 e 138º., nº. 4, alínea x) do CEP, na redação legal vigente, ao presente caso ao qual foi imposta, a título principal, a pena de multa que, pelo seu não pagamento deu origem a decisão determinante do cumprimento da correspondente prisão subsidiária», tendo determinado o arquivamento dos autos.

2ª. As citadas disposições do CEP – Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de Outubro – resultam da transcrição, para sede adequada, das que antes constavam do CPP, do seu art...

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