Acórdão nº 642/16 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução22 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 642/2016

Processo n.º 1011/15

3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido B., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com os fundamentos seguintes (cfr. Decisão Sumária n.º 567/2016, de fls. 472-484):

«(…)

8. Vejamos quanto às três questões de constitucionalidade cuja apreciação é requerida a este Tribunal.

9. Desde logo, quanto às questões de inconstitucionalidade colocadas pelo recorrente quanto às interpretações alegadamente conferidas à alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil (CPC) e ao artigo 20.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) – supra identificadas em I, 2., 2) e 3) –, não se mostra verificado o pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta, relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, das normas (ou dimensões normativas) cuja constitucionalidade é questionada.

Convém frisar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas jurídicas que tenham constituído razão determinante da decisão desfavorável ao recorrente (artigo 79.º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso, tendo constituído a sua ratio decidendi, i.e., tem de haver exata correspondência entre a norma imputada de inconstitucional pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido. Atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá repercutir-se efetivamente na solução a dar ao caso concreto.

Ora, do teor literal do Acórdão do STJ de 16/09/2015 resulta, com evidência, que as duas referidas normas (ou interpretações normativas) ora impugnadas não foram aplicadas na decisão judicial recorrida para este Tribunal, não constituindo, assim, a ratio ou fundamento da decisão proferida.

Assim, faltando a correspondência entre as normas imputadas de inconstitucionais pelo recorrente e aquelas que fundamentaram a decisão do Acórdão recorrido, não cabe conhecer desta parte do objeto – tal como fixado pelo recorrente - do presente recurso de constitucionalidade, em estrito cumprimento do artigo 79.º-C da LTC.

10. Quanto à questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º do CIRE, «quando interpretada que nela conste um limite quanto ao valor da ação para se determinar se a decisão é recorrível ou não, em violação dos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 301.º, 305.º, n.º 3, 552.º, n.º 1, alínea f), 629.º, n.º 1, todos do NCPC, do artigo 15.º do CIRE, do princípio da imutabilidade do valor, e em violação das garantias de defesa do Recorrente, nomeadamente o seu direito ao recurso e do direito de acesso à justiça e aos tribunais constante do n.º 1, do artigo 20.º da CRP» – supra identificada em I, 2., 1) –, verifica-se que a questão de constitucionalidade – assim formulada – não se reconduz a uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, isto é, a uma questão que caiba ao Tribunal Constitucional conhecer, no âmbito do recurso de constitucionalidade.

A discordância manifestada pelo ora recorrente incide sobre matéria cujo conhecimento manifestamente não cabe a este Tribunal, pois dirigida à própria decisão judicial na interpretação e determinação do âmbito de aplicação das normas legais em causa.

O que está em causa nos presentes autos é a determinação do regime legal aplicável ao caso, considerando o ora recorrente que foi feita, pelas instâncias, uma errónea interpretação e aplicação das várias normas legais que refere.

Assim, o presente recurso de constitucionalidade reporta-se à decisão do Tribunal recorrido na aplicação da lei ao caso vertente, servindo as normas legais que o recorrente enuncia na definição do objeto do recurso, simultaneamente de objeto da requerida fiscalização e de parâmetro de validade da própria decisão recorrida.

Ora, discutir qual a correta ou melhor interpretação a dar a essas normas, compete apenas aos tribunais comuns determinar. E sendo a sindicância da correção (ou acerto) dos juízos interpretativos de preceitos de direito infraconstitucional matéria absolutamente estranha à competência do Tribunal Constitucional, e apenas reservada aos tribunais comuns, tal não pode constituir um objeto idóneo de recurso de fiscalização da constitucionalidade.

Deste modo, e tendo presente a questão de constitucionalidade submetida à apreciação deste Tribunal – tal como colocada –, considera-se ocorrer a ausência de dimensão normativa do objeto do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente em termos que obstam ao seu conhecimento.

O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – sob pena de inadmissibilidade.

Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):

«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».

11. Ainda quanto à alegada questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º do CIRE, tal como colocada pelo recorrente, acresce que, mesmo que se procurasse descobrir uma dimensão normativa na referida questão invocada – para além da mera discordância quanto ao processo interpretativo seguido pelo Tribunal a quo na determinação das normas legais aplicáveisde modo a dirigir a fiscalização deste Tribunal à própria norma impugnada e não à decisão judicial que as aplicou, sempre seria de verificar a falta de outro pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta, relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, das normas (ou dimensões normativas) cuja constitucionalidade é questionada.

Convém frisar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas jurídicas que tenham constituído razão determinante da decisão desfavorável ao recorrente (artigo 79.º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso, tendo constituído a sua ratio decidendi, i.e., tem de haver exata correspondência entre a norma imputada de inconstitucional pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido. Atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá repercutir-se efetivamente na solução a dar ao caso concreto.

Ora, da leitura do Acórdão recorrido (de 16/09/2015) que indeferiu a reclamação então deduzida contra o despacho que não admitiu o recurso para o STJ – supra transcrito (cfr. 7.) - resulta, com evidência, que a conclusão alcançada quanto à não admissibilidade do recurso de revista resulta da aplicação aos autos, para além do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, do artigo 629.º, n.º 1, e n.º 2, alínea d) do CPC, que constituíram a ratio ou fundamento da decisão proferida e não da aplicação do «artigo 14.º do CIRE, quando interpretada que nela consta um limite quanto ao valor da acção para determinar se a decisão é recorrível ou não» cuja apreciação é requerida no presente recurso de constitucionalidade.

Sucede, assim, que a ratio decidendi do acórdão recorrido não se funda no preceito legal invocado pelo recorrente, mas sim na aplicação do regime constante do artigo 629.º, n.º 1, e n.º 2, alínea d), do CPC, razão pela qual só um critério inferido desse preceito, de per si ou conjugado com outras disposições legais, poderia, no âmbito do presente recurso, ser sindicado.

Assim, atenta a delimitação do objeto do recurso feita pelo recorrente – no requerimento de interposição de recurso –, conclui-se que faltaria, em qualquer caso, a exata correspondência entre a norma imputada de inconstitucional pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido, termos em que também que não caberia conhecer do objeto – tal como fixado pelo recorrente – do presente recurso de constitucionalidade, em estrito cumprimento do artigo 79.º-C da LTC.»

2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à admissibilidade do recurso, o seguinte (cfr. fls. 525-532):

«A., casado, contribuinte n.º 157061574, residente na Rua Casa da Criança, nº 6, 3º Direito, 2490-785 OURÉM, Recorrente no processo à margem referenciado, em que é Recorrido: B., contribuinte nº 129831140, residente em C. Solar Morgado, na Avenida Prof. Egas Moniz, Lote 1, 2º B, 2625-018 PÓVOA DE SANTA IRIA,

Não se conformando com a decisão sumária., a qual decidiu indeferir a Reclamação apresentada e declarar a não admissibilidade do Recurso de Revista apresentado, bem como não conhecer do objeto de recurso

Vem,

Dela RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA , nos termos dos artigos 78º-A, nº 3 e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes...

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