Acórdão nº 706/16 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução21 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 706/2016

Processo n.º 629/16

2ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, que correm termos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém, foi proferido despacho no qual se indeferiu o requerimento apresentado por A., S.A., B. e C., decidindo não ter o procedimento contraordenacional em causa nos autos prescrito em relação a nenhuma das contraordenações invocadas pelos recorrentes.

Inconformados, o Ministério Público e também os requerentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 09 de junho de 2016, decidiu conceder provimento, na totalidade, ao recurso interposto pelo Ministério Público e parcialmente ao recurso interposto pelos demais. A referida decisão considerou prescrito o procedimento contraordenacional de três infrações, à exceção da contraordenação respeitante à aquisição de ativos não elegíveis, e reformulou o cúmulo jurídico no que respeita à recorrente A..

2. Os recorrentes interpuseram, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade “da norma prevista no artigo 424.º, n.º 3 do C.P.C., aplicável ex vi do art.º 32.º do RGCO, por violação dos direitos de defesa e princípio do contraditório previsto nos arts.º 18.º, n.º 2, 32.º, n.ºs 1, 5 e 10 da CRP, na interpretação segundo a qual se dispensa a notificação dos arguidos para se pronunciarem sobre a alteração da natureza da contraordenação pela qual vêm acusados, como de consumação instantânea ou continuada, pelo facto de a mesma não consubstanciar uma alteração da qualificação jurídica”.

3. No Tribunal Constitucional foi proferida a decisão sumária 709/2016, que decidiu não conhecer do recurso, com os seguintes fundamentos:

"(...)

4. Primeiro que tudo, há que confirmar se os recorrentes efetivamente suscitaram, durante o processo e de forma adequada, a questão de constitucionalidade ora em questão. De facto, fazendo-se o acesso ao Tribunal Constitucional por via de recurso, é necessário que o tribunal que proferiu a decisão recorrida tenha sido confrontado, por iniciativa do sujeito processual interessado, com a questão de dever recusar a aplicação de um sentido normativo precisamente determinado. Para tanto, a questão tem de ser suscitada perante o tribunal da causa como respeitando às normas cuja apreciação se pretende deferir ao Tribunal Constitucional perante eventual “decisão negativa”. Isto é, o interessado tem o ónus de convocar esse tribunal, no âmbito da resolução de uma questão que lhe seja submetida, a recusar a aplicação de determinada norma no uso do poder ou dever funcional que lhe é conferido pelo artigo 204.º da Constituição, de modo a colocar o juiz perante a necessidade de apreciar tal questão sob pena de omissão de pronúncia.

Os recorrentes afirmam ter suscitado a questão no requerimento de recurso de 16 de outubro de 2015. No que se refere à qualificação da contraordenação relativa à aquisição de ativos não elegíveis como infração de natureza continuada, referem, nessa peça processual, terem sido “violadas as suas garantias de defesa por duas vias: (i) tal qualificação altera a data em que o facto se entende praticado, afetando, consequentemente, o entendimento que se venha a ter quanto ao momento em que ocorreu a prescrição; (ii) e nunca os Recorrentes foram chamados para se pronunciar quanto a tal alteração da qualificação jurídica da infração em causa, o que constitui ilegalidade, por violação do disposto no art.º 424.º, n.º 3 do C.P.C., e inconstitucionalidade, por violação dos direitos de defesa e princípio do contraditório, previstos no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa” (ponto 5).

Ora, não se pode considerar que, através destas formulações, os recorrentes tenham logrado suscitar, de forma adequada, uma questão de constitucionalidade normativa assim entendida, perante o tribunal recorrido, a fim de este poder dela tomar conhecimento. De facto, o pressuposto processual de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade pressupõe que a mesma seja formulada em termos de constituir uma questão normativa, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

De facto, o Tribunal Constitucional tem sufragado o entendimento de que, para que uma questão de constitucionalidade se considere suscitada em termos adequados perante o tribunal a quo, não é suficiente referir que a decisão viola a Constituição. É necessário que seja discernível a autonomização da questão de constitucionalidade da norma relativamente ao conteúdo da própria decisão em causa, de modo a colocar o juiz ad quem perante a questão da possibilidade de desaplicação de determinada norma por inconstitucionalidade. Ora, é isso que os recorrentes não fizeram, limitando-se a contestar a própria bondade da decisão recorrida, por suposta violação do artigo 32.º da Constituição.

Assim, não se pode considerar terem os recorrentes suscitado, perante o tribunal recorrido, uma questão de constitucionalidade normativa de que este pudesse conhecer.

Tanto basta, pois, para o Tribunal Constitucional não poder conhecer do presente recurso por falta de um pressuposto processual necessário para o efeito.

5. Cumpre, ainda assim, acrescentar que o objeto do presente recurso não se afigura idóneo. De facto, do requerimento de recurso resulta inequivocamente que, em boa verdade, os recorrentes não pretendem sindicar a constitucionalidade de uma norma, mas sim a decisão concreta que foi tomada pelo tribunal recorrido. De facto, os recorrentes sublinham, de forma ilustrativa, no requerimento de interposição de recurso: “a questão de inconstitucionalidade suscitada prende-se com o entendimento do Tribunal de primeira instância segundo o qual, quando chamado a pronunciar-se sobre a questão da prescrição, o Tribunal pode fixar a natureza continuada/permanente de contraordenação cuja prescrição se invocou, quando tal qualificação não foi objeto de prévio contraditório nem resulta da sentença proferida anteriormente e sem que se confira aos recorrentes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa nova natureza”.

Ora, apesar de os recorrentes ensaiarem a enunciação de um juízo interpretativo, em boa verdade o mesmo reconduz-se a um simples resumo, do que, no seu entender, sucedeu no decurso do processado. Tanto assim é, que a “interpretação normativa” assim delimitada já nem tem qualquer correspondência com o teor da norma enunciada. Por outras palavras, o que os recorrentes pretendem, em boa verdade, é que o Tribunal Constitucional sindique o mérito da decisão recorrida, no que toca a saber se o tribunal a quo esteve bem no que toca a assegurar o contraditório quanto à natureza da contraordenação. Mas se assim é, há que relembrar a inexistência, no nosso ordenamento jurídico, da figura do “recurso de amparo” ou da ação constitucional para defesa de direitos fundamentais, na apreciação de alegadas inconstitucionalidades, diretamente imputadas pelos recorrentes às decisões judiciais proferidas. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da LTC, e assim tem sido afirmado por este Tribunal em inúmeras ocasiões. Assim, há que aplicar ao presente caso a jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada de que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal.

Não tendo o presente recurso por objeto uma norma, ele não possui um objeto idóneo pelo que, por este motivo, não pode o Tribunal Constitucional dele conhecer".

4. Os recorrentes reclamaram desta decisão para a conferência, ao abrigo do artigo 78º- A nº 2 da LTC, em requerimento com os fundamentos seguintes:

"(...)

Conforme decorre do recurso dos Recorrentes de 16 de outubro de 2015, a questão da inconstitucionalidade suscitada prende-se com o entendimento do Tribunal de primeira instância segundo o qual, quando chamado a pronunciar-se sobre a questão da prescrição, o Tribunal pode, só nessa altura, fixar a natureza continuada / permanente de contraordenação cuja prescrição se invocou:

(i) sem que tal qualificação tenha sido objeto de prévio contraditório;

(ii) sem que tal qualificação resulte da sentença proferida anteriormente; e

(iii) sem que se confira aos...

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