Acórdão nº 16/18 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 16/2018

Processo n.º 978/2016

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, a B., a C., S.A., e o D., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27 de setembro de 2016, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo ora recorrente da decisão que, em primeira instância, procedera à verificação e graduação dos créditos constantes da lista apresentada pelo administrador da insolvência.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«1. A lista definitiva de credores reconhecidos, apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência não foi notificada ao insolvente para que tivesse a possibilidade de impugnar os créditos aí reclamados, nos termos do artigo 130.º do CIRE.

2. A sentença que declarou a insolvência do ora recorrente foi proferida em 15 de outubro de 2013 e publicada em 28 de outubro desse mesmo ano.

3. Tal sentença fixou o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

4. Diz o art. 129°, n.º 1 do CIRE que nos 15 dias subsequentes ao termo desse prazo o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos.

5. Ou seja, o administrador da insolvência deveria ter apresentado na secretaria essas listas até ao dia 13 de dezembro de 2013.

6. Porém, só dois meses após esse prazo - 14 de fevereiro de 2014 - é que o administrador da insolvência apresentou essas listas na secretaria.

7. A não notificação dessas listas apresentadas muito para lá do prazo estabelecido pelo Tribunal - ao insolvente enquanto principal interessado no reconhecimento de dívidas que, em bom rigor, nem sequer algumas delas foram por si contraídas, viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3° do CPC.

8. Assim como viola o art. 20° da CRP, enquanto corolário não só desse princípio do contraditório, mas também do princípio da proibição da indefesa.

9. Tal inconstitucionalidade foi invocada no recurso de apelação da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

10. A interpretação do art. 130°, n° 1 do CIRE, efetuada pelo douto acórdão recorrido, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal, viola o princípio do contraditório previsto no art. 3° do CPC.

11. A interpretação do art. 130°, n.º 1 do CIRE, efetuada pelo douto acórdão recorrido, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribuna1, viola os art.ºs 20º, 202° e 205° da CRP, por limitação do acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do insolvente».

3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos seguintes:

1. O presente recurso de constitucionalidade vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no dia 27 de setembro de 2016, no processo 23149/13.5T2SNT-D.L1, que considerou não ser inconstitucional a norma constante do art. 130º, nº 1 do CIRE quando interpretada no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência.

2. A lista definitiva de credores reconhecidos, apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência não foi notificada ao insolvente para que tivesse a possibilidade de impugnar os créditos aí reclamados, nos termos do artigo 130º do CIRE.

3. A sentença que declarou a insolvência do ora recorrente foi proferida em 15 de outubro de 2013 e publicada em 28 de outubro desse mesmo ano.

4. Tal sentença fixou o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

5. Diz o art. 129º, nº 1 do CIRE que nos 15 dias subsequentes ao termo desse prazo o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos.

6. Ou seja, o administrador da insolvência deveria ter apresentado na secretaria essas listas até ao dia 13 de dezembro de 2013.

7. Porém, só dois meses após esse prazo - 11 de fevereiro de 2014 - é que o administrador da insolvência apresentou essas listas na secretaria, sem que o insolvente alguma vez tivesse tido conhecimento dessas listas, fosse pelo Administrador da Insolvência, fosse pelo próprio Tribunal.

8. As discrepâncias entre esta lista apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência e a lista de credores, apresentada pelo insolvente aquando se apresentou à insolvência são por demais evidentes, donde se extrai à saciedade que a lista definitiva de credores inclui créditos a que o insolvente nunca deu causa.

9. A não notificação dessas listas - apresentadas muito para lá do prazo estabelecido pelo Tribunal - ao insolvente enquanto principal interessado no reconhecimento de dívidas que, em bom rigor, nem sequer algumas delas foram por si contraídas, viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do CPC.

10. Assim como viola o art. 20º da CRP, enquanto corolário não só desse princípio do contraditório, mas também do princípio da proibição da indefesa.

11. A não notificação dessas listas a esse insolvente também viola o art. 13º da CRP que consagra o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, mormente por haver credores que beneficiam do direito de serem notificados da lista definitiva de credores, enquanto esse mesmo direito é negado ao devedor, ainda que este seja o principal interessado no reconhecimento das suas dívidas, sobretudo quando essa lista apresenta uma quintuplicação das dívidas declaradas aquando da sua apresentação à insolvência.

12. O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes, como se pode ler no Acórdão deste Tribunal Constitucional de 27 de junho de 2006 no processo 171/06, da 2ª Secção, em que foi relator o Colendo Juiz Conselheiro Benjamim Rodrigues.

13. A interpretação do art. 130º, nº 1 do CIRE, efetuada tanto pelo Tribunal da Relação de Lisboa como pelo Tribunal de 1ª instância, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal, viola o princípio do contraditório previsto no art. 3º do CPC.

14. A interpretação do art. 130º, nº 1 do CIRE, efetuada tanto pelo Tribunal da Relação de Lisboa como pelo Tribunal de 1ª instância, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal, viola os art.s 20º, 202º e 205º da CRP, por limitação do acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do insolvente».

Termos em que, se requer, seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 130º, nº 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e tenha quintuplicado o valor das dívidas do insolvente, por:

a) violação do princípio do contraditório previsto no art. 3º do CPC;

b) violação do princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20º da CRP;

c) violação do princípio da existência de um verdadeiro estado de direito democrático (art. 2º da CRP) subordinado à Constituição (art. 3º da CRP) fundado na legalidade democrática (art. 3º da CRP) onde a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (art. 20ª da CRP) incumbindo aos tribunais enquanto órgãos de soberania, administrar a justiça em nome do povo (art. 202 da CRP) os quais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados (art. 204º da CRP).

E, ainda,

d) seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 130º, nº 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e tenha quintuplicado o valor das dívidas do insolvente, por tratar de forma desigual o insolvente em relação a outros credores, sem qualquer justificação razoável e/ou segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP».

4. Dos recorridos, apenas contra-alegou o Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, tendo concluído nos termos seguintes:

«

1. Pretende, o recorrente A., ver apreciada a questão da: “(…) inconstitucionalidade do art. 130º, nº 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, por violação do art. 3º do CPC e dos art. 20º, 202º e 205º da CRP”.

2. Este recurso foi interposto pelo insolvente (…)...

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