Acórdão nº 141/18 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução14 de Março de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 141/2018

Processo n.º 275/2017

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente, A., e recorrido, o Conselho Superior de Magistratura, foi proferida a Decisão Sumária n.º 812/2017, a qual, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 78.º-A da LTC, decidiu não conhecer do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:

«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, esta decisão não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3 da LTC), pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC. Se o/a Relator/a verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso

Por força do disposto no artigo 70.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) constituem pressupostos gerais de admissibilidade da fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade os seguintes:

i) A impugnação deve dirigir-se a uma decisão de natureza jurisdicional, proferida por outro Tribunal, público ou arbitral;

ii) O recurso deverá revestir necessariamente objeto normativo, debruçando-se sobre normas ou interpretações normativas relevantes para a solução do caso concreto;

iii) O recurso assumir-se-á como de natureza instrumental, na medida em que a questão decidendum colocada ao Tribunal Constitucional deve poder refletir-se, de forma útil e efetiva, na decisão proferida pelo Tribunal recorrido acerca do caso concreto.

Além disso, no caso particular sub judice, por se tratar de recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), a jurisprudência deste Tribunal Constitucional, estabelece ainda como requisitos cumulativos de admissibilidade do recurso os seguintes: a) a suscitação pelo recorrente em termos tempestivos e adequados de uma questão de inconstitucionalidade normativa, de modo a que o Tribunal a quo fique obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); b) a efetiva aplicação de tal norma ou interpretação normativa, a qual deve consubstanciar a “ratio decidendi” ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto; c) o esgotamento dos recursos ordinários.

6. Das questões de constitucionalidade colocadas

O recorrente no requerimento de interposição de recurso coloca duas questões de constitucionalidade:

a) A primeira diz respeito à violação dos direitos de defesa constitucionalmente garantidos aos arguidos, nos termos do artigo 32.º, n.º 10, da CRP, pela interpretação dos artigos 117.º, n.º 1 e 122.º do EMJ, tal como interpretados pelo acórdão recorrido;

b) A segunda refere-se à violação do direito de opinião/expressão, consagrado no artigo 37.º da CRP e no artigo 10.º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, pela interpretação da norma do artigo 12.º, n.º 1 do EMJ adotada pelo tribunal recorrido, na medida em que este fez prevalecer um direito que não integra o elenco constitucional dos direitos, liberdades e garantias sobre outro direito constitucionalmente protegido e de superior valia.

6.1. No que diz respeito à questão enunciada em primeiro lugar, o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, não cumpre o ónus de enunciação da norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade alega, pois não basta invocar o preceito e remeter, de forma genérica, para uma alegada interpretação, sem a descrever ou especificar, como tem exigido a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

O objeto do recurso, no que diz respeito à inconstitucionalidade imputada aos artigos 117.º, n.º 1 e 122 do EMJ, não se reveste, portanto, de natureza normativa.

6.2. Relativamente à inconstitucionalidade alegadamente verificada na sobreposição do dever de reserva, previsto no artigo 12.º do EMJ, sobre o direito de opinião/liberdade de expressão, deve dizer-se que esta questão não se reveste de natureza normativa, na medida em que depende necessariamente da ponderação dos factos de cada caso concreto, tarefa que só pode ser realizada por um tribunal comum, não cabendo dentro dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, nos processos de fiscalização concreta, proceder a juízos de ponderação que envolvem não só normas, mas também – e sobretudo - factos e circunstâncias específicas. É que, não tendo sido consagrado no sistema português o recurso de amparo ou a tutela de direitos fundamentais violados por atos jurídicos, nomeadamente, decisões judiciais, este Tribunal só está autorizado a conhecer de normas ou interpretações normativas, formuladas em termos gerais e abstratos e suscetíveis de aplicação a um número indeterminado de casos e não apenas ao caso sub judice.

7. Nestes termos, cabe tão-só ao Tribunal Constitucional a fiscalização de normas (ou de interpretações normativas) aplicadas em decisões judiciais e não de decisões judiciais em si mesmas consideradas. Ou seja, não pertence à competência do Tribunal Constitucional a revisão do modo como os tribunais aplicam o direito comum nem a correção dos juízos hermenêuticos efetuados nos casos concretos, não lhe competindo sindicar erros na apreciação da prova nem critérios de ponderação adotados na decisão judicial recorrida. Neste sentido, não há uma equiparação entre os recursos de constitucionalidade instaurados ao abrigo da LTC e os recursos ordinários das decisões judiciais. O Tribunal Constitucional não revê a forma como as decisões proferidas pelas instâncias resolveram a questão de fundo, mas «visa exclusivamente julgar da constitucionalidade de normas que os tribunais se tenham recusado a aplicar ou que tenham sido aplicadas, não obstante ter sido alegado, durante o processo, a sua contradição com a Lei Fundamental» (cf. Acórdão n.º 327/2012).

8. Compulsadas as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, deteta-se ainda que o recorrente não cumpriu o ónus de suscitação prévia e de modo processualmente adequado das pretensas questões de constitucionalidade invocadas no requerimento de interposição de recurso.

A questão em que invoca a violação dos direitos de defesa consagrados no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, foi apenas invocada de forma genérica nas alegações de recurso para o tribunal recorrido, sem a enunciação da norma ou interpretação normativa questionada e sem uma fundamentação percetível, clara e precisa como exige a jurisprudência do Tribunal Constitucional, de forma a permitir aos operadores judiciários conhecer qual é a interpretação que não podem aplicar por ser considerada inconstitucional.

Por outro lado, o tribunal recorrido na enumeração das questões que integram o objeto de recurso, não inclui esta suposta questão de constitucionalidade nem a conheceu de forma autónoma, pelo que, não tendo sido a mesma suscitada e discutida durante o processo, não pode agora ser conhecida pela primeira vez pelo Tribunal Constitucional, dado que o nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade é um sistema de controlo misto (difuso e concentrado), que inclui obrigatoriamente uma fase em que são os tribunais comuns que se pronunciam sobre a questão de constitucionalidade.

A questão que se refere ao conflito entre o dever de reserva e a liberdade de expressão vem invocada nas alegações de recurso e tratada no acórdão recorrido, mas conforme já foi explanado, não se reveste de natureza normativa, e é o próprio recorrente a reconhecer isso mesmo, quando afirma que « (…) a decisão recorrida, ao suprimir o direito de opinião/liberdade de expressão, viola de forma manifesta, entre outros, o artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa».

Acrescente-se ainda que, mesmo que este Tribunal Constitucional viesse a adotar a interpretação do artigo 12.º do EMJ, defendida pelo recorrente - aquela que faria prevalecer o direito dos magistrados à liberdade de expressão e à participação na vida cívica e em debates sobre a justiça sobre o dever de reserva – sempre estaria a aplicação desta interpretação ao caso concreto dependente de elementos circunstanciais e casuísticos que só ao tribunal recorrido competiria avaliar e não ao Tribunal Constitucional, pelo que este recurso de constitucionalidade não se reveste de utilidade para a solução jurídica do caso concreto.

9. Termos em que se conclui que não se mostram verificados os pressupostos legais exigidos pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC».

2. Notificado da decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, a fls. 276 a 280v, quanto à decisão de não conhecimento do recurso interposto, o seguinte:

«A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado da Decisão Sumária proferida pela Exmª Senhora Conselheira Relatora, que determinou o não conhecimento do objeto do recurso interposto pelo recorrente para esse Tribunal, que se espera e confia seja o garante último da constitucionalidade e legalidade das normas e respetiva aplicação, vem requerer a V.Ex.ª que lhe seja admitida

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA

O que faz nos termos do disposto, nomeadamente, no artº 78º-A, nº 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTC) e com os seguintes fundamentos:

Questão prévia – do impedimento da Excelentíssima Senhora Conselheira Relator

É absolutamente evidente que, para além de Iminente Jurista...

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