Acórdão nº 639/18 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Novembro de 2018

Data27 Novembro 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 639/2018

Processo n.º 884/2018

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorridos B. e C., foi interposto recurso, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em de 12 de abril de 2018, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto da sentença proferida em primeira instância, bem como do acórdão proferido pela mesma Relação, datado de 21 de junho de 2018, que julgou improcedentes as nulidades imputadas pelo ora recorrente ao aresto anteriormente proferido.

2. Através da Decisão Sumária n.º 735/2018, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II. Fundamentação

4. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente invoca a alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, norma segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade».

Sucede, todavia, que nenhum dos acórdãos visados pelo presente recurso recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade — facto que o recorrente parece, além do mais, não desconhecer, já que todo o requerimento de interposição se dirige à fiscalização de determinada interpretação, que se alega ter sido aplicada pelo Tribunal a quo.

A possibilidade de reconduzir o recurso de constitucionalidade à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC mostra-se, assim, excluída, o que impede a aceitação daquela via de recurso.

5. O recorrente funda o recurso interposto igualmente na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, têm um objeto estritamente normativo no sentido em que apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou dimensões normativas, e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância «da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional» (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 26), mas apenas do critério normativo que lhes subjaza.

Tal como definido no respetivo requerimento de interposição, o recurso tem por objeto os artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil (CPC), «quando interpretados no sentido de que a alteração da matéria de facto fixada em primeira instância só pode ter lugar nos restritos e excecionais casos de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto».

Apesar de assim ter delimitado o objeto do recurso de constitucionalidade, o recorrente acabou, no entanto, por imputar diretamente ao acórdão recorrido — e somente ao acórdão recorrido —, a violação das normas constitucionais indicadas como parâmetro, o que permite legitimamente duvidar do carácter normativo da questão de constitucionalidade cuja resolução pretende efetivamente submeter à apreciação deste Tribunal.

Com efeito, ao atribuir diretamente à «decisão recorrida» a violação do «disposto no artigo 20° da Constituição», afirmando que a mesma inobservou «não apenas a regra de que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos», como ainda «o princípio da tutela jurisdicional efetiva e do direito a um duplo grau de jurisdição», na medida em que «o Tribunal da Relação, a pretexto dos seus poderes mitigados, [não] analisou os fundamentos do recurso da matéria de facto que para ele fora interposto», o recorrente acaba por reportar a desconformidade constitucional que deseja ver reconhecida ao próprio ato de julgamento, evidenciando, desse modo, que a sua pretensão é, na verdade, a de ver sindicado o acerto do juízo formulado pelo Tribunal recorrido no âmbito da reapreciação da matéria de facto.

Sucede, porém, que, por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, se encontra vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros Tribunais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (cf. Decisão Sumária n.º 23/2017), o que, em face dos termos em que a questão de constitucionalidade foi enunciada, tenderia a constituir fundamento bastante para concluir pela inadmissibilidade do recurso.

Não é o único, porém.

6. Admitindo que do requerimento de interposição pudesse extrair-se uma questão de constitucionalidade normativa, fundada na alegada incompatibilidade entre a interpretação dos artigos 640.º e 662.º do CPC ali enunciada e o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a conclusão de que o recurso interposto nos presentes autos é processualmente inadmissível manter-se-ia inalterada, ainda que suportada numa distinta ordem de razões.

Vejamos mais de perto.

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por essa razão, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

Conforme relatado supra, o recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos tem por objeto formal ambos os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto: (i) o acórdão proferido em 12 de abril de 2018, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto da sentença proferida em primeira instância; e (ii) o acórdão proferido em 21 de junho de 2018, que julgou improcedentes as nulidades imputadas àquele primeiro.

Sabendo-se que os preceitos legais que suportam a interpretação impugnada não só não foram aplicados no acórdão proferido em 21 de julho de 2018, como, na verdade, dificilmente poderiam tê-lo sido — trata-se de um acórdão proferido no âmbito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT