Acórdão nº 806/17 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Novembro de 2017

Data29 Novembro 2017
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 806/2017

Processo n.º 696/17

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., recorrente nos presentes autos em que são recorridos o Ministério Público e a Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, notificado da Decisão Sumária n.º 510/2017, que determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade por si interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

2. O ora reclamante foi pronunciado, por despacho de 12 de abril de 2017 proferido pelo Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, nos termos constantes da acusação de fls. 535 e ss. Inconformado com o mesmo, interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para apreciação das seguintes questões:

a) «interpretação normativa de que os artigos 272.º, n.º 1, conjugado com o n.º 1 do artigo 144.º e alíneas d) e e) do n.º 4 do artigo 141.º, alínea c), do n.º 1 do artigo 61.º, e alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º, todos do CPP, admitem que, num inquérito com uma duração de cinco anos e meio, não seja obrigatório informar o arguido dos factos que lhe são imputados e dos elementos do processo que indiciam esses factos», por alegada violação dos «princípios da ampla defesa, da igualdade de armas no processo penal, da proporcionalidade em sentido lato e da precetividade dos direitos fundamentais pessoais, e da igualdade, todos consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1, 3 e 6, 18.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º da Constituição da República Portuguesa;

b) «interpretação normativa de que as alíneas a) e c) do n.º 3 conjugadas com a alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP estipulam que é ao arguido que, sem a presença de advogado e sem quaisquer conhecimentos técnico-jurídicos, cabe arguir a nulidade do ato em que participa, antes que o mesmo seja dado por terminado, não podendo beneficiar da arguição dessa nulidade até ao encerramento do debate instrutório tão-só por ter renunciado “ao direito de ter advogado presente ao seu lado” no ato de inquirição perante órgão de polícia criminal», por alegada violação dos direitos e garantias de defesa, do princípio da ampla defesa, assim como do princípio da proporcionalidade em sentido lato e o princípio da igualdade, consagrados nos artigos 32.º, n.ºs 1, 3 e 6, 18.º, n.º 2, e 13.º da Constituição da República Portuguesa» (fls. 675).

A decisão ora reclamada determinou o não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:

«4. In casu, constata-se a impossibilidade de se conhecer do mérito do presente recurso por dois motivos distintos: quanto à primeira questão suscitada, pelo facto de a mesma corresponder a norma que não foi aplicada pela decisão recorrida; e, quanto à segunda questão, pelo facto de não ser de dispensar o ónus da suscitação prévia da inconstitucionalidade.

5. A primeira questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de recurso respeita à «interpretação normativa de que os artigos 272.º, n.º 1, conjugado com o n.º 1 do artigo 144.º e alíneas d) e e) do n.º 4 do artigo 141.º, alínea c), do n.º 1 do artigo 61.º, e alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º, todos do CPP, admitem que, num inquérito com uma duração de cinco anos e meio, não seja obrigatório informar o arguido dos factos que lhe são imputados e dos elementos do processo que indiciam esses factos».

Sucede que tal interpretação normativa não foi aplicada pela decisão recorrida, falecendo, por conseguinte, a utilidade de uma qualquer pronúncia sobre o respetivo mérito. Com efeito, compulsada essa decisão, nela não se encontra a aplicação de qualquer norma com o sentido indicado; dela resulta precisamente o inverso, como se extrai de fls. 650:

“Através da comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados dá-se cumprimento ao contraditório e confere-se àquele a oportunidade de se defender e de se opor às imputações contra ele formuladas. A obediência ao normativo em causa assegura assim satisfatoriamente os direitos de defesa do arguido investigado.

No caso dos autos, e compulsado o auto de interrogatório de fls. 296, constata-se que, na parte do auto dedicada aos “Factos imputados” ficou a constar: “Foi informado de ser indiciado da prática do crime de Abuso de Confiança”.

Esta informação não está conforme à lei.

Ao arguido não foram transmitidos os factos que concretamente lhe eram imputados ou, se foram, tal não ficou a constar do auto, o que resulta no mesmo vício de omissão de prestação de uma informação que a lei impunha como necessária.

O arguido, no decurso do debate instrutório, insurgiu-se contra esta falha.

Resta saber qual a consequência que a lei associa ao referido vício e a respetiva possibilidade de arguição.”

Como se comprova por este excerto, o tribunal a quo identificou a problemática cotejada pelo recorrente na norma que integra nesta primeira parte do recurso, não admitindo, em face do quadro legal aplicável, de modo válido, nem a possibilidade de o arguido não ser informado dos factos que lhe são imputados nem dos elementos constantes do processo que os indiciam. Como, em concreto, o arguido foi informado de que estava indiciado da prática de um crime de abuso de confiança, por um lado, e, por outro, não lhe foram transmitidos os factos que concretamente lhe eram imputados ou, se foram, tal não ficou a constar do auto (o que, em qualquer caso, segundo o tribunal a quo, origina o mesmo vício de omissão de prestação de uma informação que a lei impunha como necessária), concluiu-se ter existido, efetivamente, violação da lei. Questão distinta é a que se refere ao regime jurídico dessa violação, concretamente as consequências legalmente assacáveis a esse vício e a respetiva possibilidade de arguição. Este enquadramento configurado pela instância recorrida relaciona-se com a segunda questão de constitucionalidade, a cuja análise se procederá de seguida.

Conclui-se, portanto, sem qualquer dúvida, que esta primeira questão se reporta a norma que não foi aplicada pela decisão recorrida, sendo, por isso, de recusar conhecer do respetivo mérito atenta a evidente inutilidade de qualquer pronúncia sobre o mesmo.

6. A segunda questão integra a «interpretação normativa de que as alíneas a) e c) do n.º 3 conjugadas com a alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP estipulam que é ao arguido que, sem a presença de advogado e sem quaisquer conhecimentos técnico-jurídicos, cabe arguir a nulidade do ato em que participa, antes que o mesmo seja dado por terminado, não podendo beneficiar da arguição dessa nulidade até ao encerramento do debate instrutório tão-só por ter renunciado “ao direito de ter advogado presente ao seu lado” no ato de inquirição perante órgão de polícia criminal». Informa o requerente, no seu requerimento de recurso, que apenas suscitou este problema nesse preciso momento processual, e não em momento anterior, pelo facto de, quanto a este âmbito, a decisão ora recorrida configurar uma decisão surpresa, sendo-lhe por isso impossível antever uma tal interpretação normativa, e, consequentemente, a respetiva suscitação.

Trata-se aqui do problema identificado supra, relativo às consequências do vício identificado quanto à comunicação ao arguido dos factos que lhe eram imputados e dos elementos processuais relevantes, a que se aludiu a propósito da primeira questão de constitucionalidade. Entendeu o tribunal recorrido que este vício configura situação subsumível à alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, uma vez que se trata de uma insuficiência de inquérito por omissão de atos legalmente obrigatórios. Subsequentemente, e quanto ao concreto regime dessa nulidade, entendeu a instância que o mesmo resulta do disposto na alínea a) do n.º 3 do mencionado artigo 120.º do CPP: tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista, [a mesma deve ser arguida] antes que o ato esteja terminado.

A situação dos autos levantou uma dificuldade adicional, que se encontra subjacente a esta segunda questão de constitucionalidade: tratava-se, de facto, de ato de inquérito a que o interessado – isto é, o arguido – assistiu, mas sem estar representado por defensor já que havia expressamente prescindido dessa representação. Entendeu o tribunal a quo que tal circunstância não tinha como consequência a alteração de regime da arguição da nulidade, uma vez que, tendo o arguido renunciado a ter presente o seu advogado, «não se pode agora prevalecer do facto de não ter beneficiado da...

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