Acórdão nº 802/17 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução29 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 802/2017

Processo n.º 603/2016

2ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. instaurou ação administrativa especial contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e o Instituto da Segurança Social (ISS), pedindo que seja reconhecido como inválido, por ilegal, e declarado nulo ou anulado o despacho que manteve decisão de extinção da prestação do subsídio de desemprego, e a condenação das entidades demandadas a pagarem-lhe as prestações de subsídio de desemprego entre junho e dezembro de 2006, no montante de €7.910,00.

2. Por sentença proferida em 15 de novembro de 2007 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi julgada procedente a exceção de caducidade e absolvidas as demandadas do pedido. O demandante recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão proferido em 3 de novembro de 2008, revogou a sentença recorrida e ordenou o prosseguimento dos autos com vista à prolação de sentença final. Nessa sequência, retornados os autos ao TAF de Leiria, em 31 de outubro de 2013 foi proferida sentença, pela qual, concluindo pela procedência integral da pretensão do autor, decidiu nestes termos:

«1. julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de abril, interpretada no sentido de que a segunda falta de comparência não justificada do beneficiário a convocação do centro de emprego respetivo ou da instituição de segurança social, para efeitos do pagamento presencial das prestações, determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante o período de desemprego involuntário;

e, em consequência,

2. desaplicar a norma em apreço do caso concreto;

3. face à impossibilidade de aplicação dos preceitos repristinados pelo julgamento de inconstitucionalidade, e nos termos permitidos pelos artigos 8.º e 10.º do Código Civil, condenar a entidade demandada IEFP a:

a. revogar a decisão ora impugnada, substituindo-a por uma outra decisão de repreensão, sem a qual não se pode verificar a anulação da inscrição – nem, inerentemente, a cessação imediata das prestações;

b. atribuir ao autor as prestações em falta e ora reclamadas, no valor total de 7.910,00;

4. condenar as entidades demandadas em custas.»

3. Dessa sentença interpôs o Ministério Público, em 22 de janeiro de 2014, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do artigo 72.º, ambos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC) “na parte em que recusou a aplicação do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei (interpretada no sentido de que a segunda falta de comparência não justificada do beneficiário a convocação do centro de emprego respetivo ou da instituição de segurança social, para efeitos do pagamento presencial das prestações, determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante o período de desemprego involuntário), com base na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa”.

4. Admitido o recurso pelo tribunal a quo (em 14 de julho de 2016; fls. 326-327) e remetidos os autos a este Tribunal, o Relator determinou o prosseguimento para alegações.

5. O Ministério Público apresentou alegações, pugnando pela procedência do recurso e julgamento de não inconstitucionalidade, deixando a seguinte síntese conclusiva:

«52. O parâmetro constitucional cuja violação é imputada à mencionada interpretação normativa é identificado como o “princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59º, nº 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa”.

53. Para fundamentar o seu juízo de inconstitucionalidade, o Mm.º Juiz “a quo” invocou o doutrinado pelo Tribunal Constitucional, no seu douto Acórdão n.º 257/07, a propósito da fixação, pelo artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de abril, “de um prazo de caducidade da totalidade das prestações que integram o subsídio de desemprego se o interessado não requere[sse] a sua atribuição nos «90 dias consecutivos a contar da data do desemprego»”, transportando o entendimento ali vencedor, “qua tale” (e em nosso entender, abusivamente) para o campo da discussão sobre a compatibilidade constitucional da solução legal plasmada no artigo 43.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de abril.

54. Contudo, apesar de algumas, aparentes, semelhanças com a situação descrita naquele aresto, o caso dos presentes autos é nuclearmente diferente dele, não lhe sendo aplicável, no essencial, a argumentação expendida pelo Tribunal Constitucional no douto aresto transcrito e, fundamentalmente, não se lhe ajustando a solução jurídico-constitucional encontrada pelo Acórdão n.º 275/07.

55. Efetivamente, no caso sob análise, distintamente do analisado no douto Acórdão n.º 275/07, não estamos - no que concerne à não comparência injustificada para efeitos do pagamento presencial do subsídio de desemprego - perante o mero incumprimento de um ónus procedimental mas sim perante a violação do dever jurídico de sujeição ao controlo da Administração Pública-Segurança Social, consubstanciado na obrigação de comparência pessoal para efeitos de pagamento presencial de prestação, a qual, para além de impor ao beneficiário do subsídio o meio da sua aquisição, faculta ao Estado informações relevantes sobre a manutenção dos requisitos e condições que conduziram ao primitivo reconhecimento do direito ao mencionado subsídio, permitindo-lhe, para lá do mais, recolher indícios sobre a inexistência de qualquer prática concomitante de uma atividade profissional que impeça o requerente de comparecer pessoalmente durante o horário de funcionamento das instituições de segurança social e, bem assim, obter a sua prova de vida.

56. Consequentemente, resulta claro que o recurso à doutrina expendida no douto Acórdão n.º 275/07 enquanto justificação essencial da fundamentação da decisão proferida pelo tribunal “a quo” nos presentes autos se revela desadequada, uma vez que as situações comparadas não só não são idênticas como, inclusivamente, são, nalgumas vertentes, antagónicas.

57. Assim, aceite a desadequação da argumentação “a simili” utilizada pelo Mm.º Juiz “a quo”, na douta sentença impugnada, cabe-nos, sem...

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