Acórdão nº 423/16 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução06 de Julho de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 423/2016

Processo n.º 147/16

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) intentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, uma ação administrativa especial tendo em vista a condenação do “Instituto da Segurança Social, I.P.” na prática de um ato administrativo e pagamento de indemnização. O processo correu os seus termos nesse tribunal, com o número 1093/09.0BESNT.

1.1. Invocou o Autor, em síntese, que, até ao ano de 2007, trabalhou durante 42 anos e efetuou contribuições para a Segurança Social criando as consequentes e legítimas expectativas de vir a receber uma pensão de reforma correspondente às contribuições que realizou; com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de maio, em vez de receber a pensão a que teria direito nos termos do Decreto-Lei n.º 35/2007, de cerca de €9.674,75 mensais, passou a receber uma pensão limitada a um montante equivalente a 12 IAS (acrónimo de Indexante dos Apoios Sociais, introduzido pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro), ou seja, €5.378,43 mensais; em 14/03/1998, com 55 anos de idade, já tinha 33 anos de descontos, o que lhe conferia o direito de pedir a pensão de reforma antecipada, por velhice; em 31/12/2006, data relevante para a ponderação de P1, no cálculo da respetiva pensão (artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 187/2007), já tinha completado 42 anos civis para a determinação da taxa de formação da pensão, e estava a 1 ano da data de passagem à reforma; assistiu a uma redução radical, brutal, inesperada e intolerável, da pensão de reforma; se se tivesse reformado em 2007, com 64 anos, teria recebido uma pensão de reforma que corresponderia quase ao dobro da que lhe veio a ser atribuída; antes da entrada em vigor do limite do montante das pensões, previsto no artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, nada permitiria supor ou antever a enorme redução da sua pensão de reforma, nem razões de sustentabilidade do sistema público de segurança social, nem de moralização das carreiras contributivas; o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 é inconstitucional por violação do princípio da confiança, consagrado no artigo 2.º da CRP e concretizado no artigo 6.º-A do CPA, atenta a sua eficácia retroativa, que põe em causa uma situação consolidada ao longo de 42 anos, tendo o Autor assumido compromissos financeiros com base na confiança criada; o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos artigos 18.º, nº. 2, e 266.º, n.º 2, da CRP, violando as três dimensões em que o princípio se desdobra, não sendo necessário nem adequado para assegurar a sustentabilidade da segurança social, uma vez que as quantias poupadas são insignificantes e, atento o impacto na diminuição da pensão, mostra-se claramente excessiva; o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e reforçado no artigo 7.º da Lei de Bases do Sistema da Segurança Social, na medida em que estabelece um tratamento muito desfavorável dos beneficiários que se encontram na situação do Autor, em comparação com os beneficiários que venham a receber uma pensão, cujo valor resulte de uma parcela P1 inferior a 12 IAS, ou com os pensionistas, que, atualmente, já recebam pensões muito superiores a este valor; o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 é ilegal por violação da Lei de Bases do Sistema da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), violando os artigos 20.º, 63.º, 66.º, 100.º e 101.º, normas que tutelam os direitos adquiridos e em formação, que só permitem alterações graduais nos valores das pensões, impondo a criação de regimes transitórios de cálculo das pensões, bem como os artigos 54.º e 58.º relativos ao princípio da contributividade; logo, o ato administrativo de determinação do montante da pensão é nulo, uma vez que se baseia numa norma inconstitucional e ilegal; esse ato ilícito tem causado graves danos ao Autor, correspondentes à diferença entre a pensão de reforma mensal que lhe tem vindo a ser paga e aquela que lhe deveria ser paga, sem a limitação prevista no artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007.

Terminou pedindo que se julgue a norma constante do artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, quando conjugada com as normas dos artigos 34.º e 33.º, do mesmo diploma, inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança, implícito no conceito de Estado de Direito, previsto no artigo 2.º da CRP e consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP, da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, e da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, bem como ilegal, por violação do princípio da contributividade, consagrado no artigo 54.º e concretizado no artigo 58.º da Lei de Bases do Sistema da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) e ainda por violação dos artigos 100.º e 101.º da mesma Lei de Bases que, protegem os direitos adquiridos e em formação e impõem um regime transitório para o cálculo da pensão do Autor, e, consequentemente, que seja declarada a nulidade do ato que determinou o montante da sua pensão, condenando-se o Instituto de Segurança Social, Instituto Público, a pagar ao Autor: (i) uma pensão de reforma calculada de acordo com as regras constantes do Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de fevereiro, ou, caso assim não se entenda, de acordo com as restantes regras do Decreto-Lei n.º 187/2007, sem a aplicação do artigo 101.º, n.º 1, e (ii) uma indemnização correspondente à diferença entre os valores da pensão de reforma assim calculada e a pensão mensal que lhe tem vindo a ser paga, desde maio de 2008, a apurar mensalmente até à data da Sentença final.

1.1.1. O Instituto da Segurança Social contestou, pugnando pela improcedência da ação. Sustentou que: estando sujeito ao princípio da legalidade, o montante da pensão do Autor foi determinado em função das normas em vigor à data do requerimento de reforma, não podendo deixar de as aplicar; o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 não viola princípio das expectativas nem da confiança, como não viola o princípio da igualdade nem da proporcionalidade, introduzindo critérios economicistas e de sustentabilidade, assentando em toda a carreira contributiva; a ninguém está garantida a imutabilidade legislativa; o sinalagma não é total, não sendo o princípio da contributividade um princípio estruturante, antes se objetivando no autofinanciamento do sistema previdencial, de acordo com o qual as pensões não são o resultado do esforço contributivo individualizado de cada um dos beneficiários, vigorando o princípio da solidariedade, de que o primeiro é contraponto; o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 não viola o princípio da proporcionalidade nem é discriminatório, tendo-se procedido à limitação das pensões mais altas por razões de sustentabilidade financeira e equidade e justiça social, atentas, designadamente, as alterações demográficas registadas decorrentes do prolongamento da esperança média de vida; também não viola a Lei de Bases do Sistema da Segurança Social, considerando, sobretudo natureza do interesse público subjacente ao princípio da solidariedade, que deve prevalecer sobre os direitos individuais.

1.1.2. Foi proferido acórdão no tribunal de primeira instância, julgando a ação totalmente improcedente por, designadamente, não considerar a norma contida no artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, inconstitucional nem ilegal.

1.2. Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, reiterando as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade anteriormente suscitadas. Invocou, também, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

1.2.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a invocada omissão de pronúncia.

1.2.2. Foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

O ato impugnado fixou o valor da pensão da aqui Recorrente por aplicação do artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, não se questionando que aplicou corretamente as regras deste preceito.

Assim, não se vê que exista qualquer vício de violação de lei que torne o ato impugnado anulável com este fundamento, não se verificando erro de julgamento da sentença quanto a tal fundamento.

Resta, assim, a alegação da Recorrente de que, apesar do Acórdão do TC, em que a sentença recorrida se fundamentou para julgar que a norma do artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007 não padece de inconstitucionalidade, se mantêm pertinentes os argumentos que apresentou quanto à ilegalidade e/ou inconstitucionalidade daquela norma.

No entanto, os argumentos jurídicos que a Recorrente invoca como sendo determinantes da ilegalidade e da inconstitucionalidade da norma, foram já objeto de exaustiva análise pelo Plenário do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 188/2009, em consonância, aliás, com a jurisprudência desse mesmo Tribunal (cfr., designadamente, Acórdão n.º 3/2010, do TC), como vem referido no douto Parecer da EMMP.

De facto, segundo alega a Recorrente, a desconformidade constitucional da norma assenta na violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da proporcionalidade, da proibição do retrocesso social, da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação.

Ora, sobre todos estes argumentos, pronunciou-se o citado Acórdão nº 188/2009 do TC, nos seguintes termos:

[…]

Como se vê do teor do Acórdão cujas passagens acabámos de transcrever, os argumentos...

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