Acórdão nº 2/19 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução08 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 2/2019

Processo n.º 786/2018

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No presente recurso, em que é recorrente A., Unipessoal, Lda, e recorridos a Secretaria Regional da Saúde e o Município de Santa Cruz, veio a primeira apresentar reclamação da decisão sumária n.º 264/2018, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC).

2. Com relevo para a apreciação da reclamação, decorre dos autos que a aqui recorrente instaurou contra os recorridos providência cautelar, pedindo (i) a concessão de autorização provisória da transferência da “Farmácia ….”, sita na Estrada …, …, Santa Cruz, para a Estrada do Aeroporto, …., Loja .., …, Santa Cruz, e (ii) a intimação das entidades requeridas a não prosseguirem com nenhum procedimento administrativo, nem emitirem nenhum ato autorizativo de transferência das instalações da Farmácia … para o local por si pretendido. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por sentença proferida em 30 de dezembro de 2017, julgou procedente exceção dilatória e absolveu os requeridos da instância.

A autora impugnou esse julgamento por via de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por acórdão de 26 de julho de 2018, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão da 1.ª instância. Para melhor compreensão, importa deixar exarada a respetiva fundamentação:

«Na ação de que a presente providência cautelar depende – ação n.º 334/17.5 BEFUN – a formula uma pretensão impugnatória cumulada com uma pretensão condenatória, pedindo ao Tribunal que anule o ato de indeferimento do seu requerimento e condene a administração à prática do ato devido, ou seja, o ato de autorização de transferência das instalações da Farmácia Santo da Serra.

(...)

Como se considerou na sentença recorrida, o detentor do poder de ajuizar da necessidade ou oportunidade da pretensão da Requerente é a Administração, motivo pelo qual, tratando-se de atividade discricionária, o Tribunal não poderá substituir-se à Administração e condená-la à prática de qualquer ato.

Na verdade, o poder de autorizar a transferência da Farmácia encontra-se na margem da livre decisão administrativa e no domínio dos seus poderes discricionários, não cabendo ao juiz substituir-se à Administração na determinação do sentido concreto da decisão a adotar. Nas palavras da lei processual, “o exercício de valorações próprias do exercício da função administrativa” artigo 71.º, n.º 2 do CPTA – não podem ser revisitados pelos Tribunais Administrativos.

Por conseguinte, é evidente que a Requerente não pode obter uma condenação judicial da Administração nos termos que peticiona na ação principal. Quanto muito, poderia requerer a condenação dos Requeridos a procederem à reapreciação do pedido de transferência formulado pelos motivos alegados, cabendo, no entanto, a última palavra à Administração, com fundamento na livre apreciação, subjacendo a esta um juízo de prognose, com ponderação e avaliação das consequências da futura transferência, em função das especiais experiência e competências.

E nesta perspetiva não pode dar-se por verificado o requisito da probabilidade da procedência da ação principal previsto no artigo 120.º do CPTA.

Com efeito, estatui o citado artigo 120.º que “Sem prejuízo nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receito da constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de difícil reparação para os interesses que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

Atento o teor do preceito citado, e tendo em consideração que os requisitos nele ínsitos são de verificação cumulativa, é de indeferir a providência cautelar requerida, já que sendo impróprio o meio utilizado não ocorrem os requisitos necessários à concessão das providências requeridas.»

É dessa decisão que a recorrente recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

3. Admitido o recurso de constitucionalidade e remetidos os autos a este Tribunal, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso, com fundamento na ausência de normatividade do questionamento. No essencial, a decisão reclamada assenta na seguinte ordem de razões:

«7. No caso em apreço, tomando o enunciado do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, verifica-se que a questão é reportada a interpretação extraída da conjugação dos artigos 112.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), 113.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, «e/ou» 89.º, n.º 2, e proémio do n.º 4, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cujo sentido é enunciado nestes termos: «não é, em abstrato, legalmente admissível a adoção de uma providência cautelar antecipatória de autorização provisória do exercício de uma atividade, com fundamento no alegado facto de a Administração poder apenas ser condenada, em sede de ação principal, à reabertura do procedimento administrativo e não à emissão do ato pretendido (o ato autorizativo)».

Ora, tal questão não comporta verdadeiro questionamento normativo, dirigido a controlar a conformidade de um ato do poder normativo com parâmetros constitucionais; a pretensão de controlo incide, antes, sobre a correção hermenêutica do entendimento firmado pelo tribunal a quo e a bondade do resultado aplicativo do direito infraconstitucional. Assim decorre da formulação que lhe é conferida no requerimento de interposição de recurso e também (com maior evidência) da suscitação levada à motivação do recurso apresentado perante o tribunal a quo, única peça relevante para aferir do cumprimento do n.º 2 do artigo 72.º da LTC.

8. Com efeito, percorrendo a motivação do recurso dirigido ao tribunal a quo, com tradução nas conclusões formuladas, verificamos que a...

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