Acórdão nº 0369/12.4BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação acima indicado 1. RELATÓRIO 1.1 Inconformada com a decisão por que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente o recurso judicial que deduziu contra a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima pela prática de uma contra-ordenação tributária, veio a sociedade acima identificada (a seguir Arguida ou Recorrente) dela recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do regime do art. 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), apresentando alegação que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que considerou o recurso improcedente; 2) O presente recurso é circunscrito à questão que diz respeito a um erro de julgamento; 3) Trata-se da garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa); 4) Na medida em que sustenta a responsabilidade objectiva da pessoa colectiva, ou seja, a responsabilidade independente da culpa.
5) O que, com o devido respeito, não resulta do art. 2.º e n.ºs 2, 3 e 4 do art. 7.º, ambos do RGIT; 6) Entende a Recorrente que o Tribunal “a quo”, com base neste erróneo pressuposto, decidiu ao arrepio do entendimento partilhado por toda a jurisprudência penal e contra-ordenacional 7) O entendimento adoptado pelo Juiz do Tribunal “a quo” consubstancia um clamoroso erro de julgamento na medida em que tendo a sociedade arguida arrolado testemunhas, que fariam a prova que ministra formação aos seus trabalhadores sobre a forma como são preenchidas as guias e que lhes dá instruções precisas para cumprirem a respectiva legislação, não lhe pode ser imputada a presente infracção; 8) Sempre com o devido respeito, o que configura uma situação de direito manifestamente errada ou injusta; 9) Trata-se de um caso de erro claro na decisão judicial, que, por isso, repugna manter na ordem jurídica por constituir uma afronta ao direito, justificando a utilização do recurso previsto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO para promoção da uniformidade da jurisprudência ou para melhoria da aplicação do direito; 10) Entendimento diverso, nomeadamente o entendimento que existe responsabilidade objectiva, independentemente de culpa e consequentemente desnecessidade de prova, viola o exercício do direito de defesa da sociedade arguida e qualquer outra interpretação a que se refere o art. 70.º e 71.º do RGIT, fere o n.º 10 do art. 32.º da CRP e tal interpretação sempre seria inconstitucional.
11) Tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a aplicação subsidiária do RGCO neste âmbito, por força da alínea b) do art. 3.º do RGIT, a sociedade arguida tem legitimidade para recorrer nos recursos de processos de contra ordenação tributária, nos termos do n.º 2 do art. 73.º do RGCO.
12) Como resulta do entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4.ª edição, 2010, em anotação ao art. 83.º, página 562 e seguintes; 13) É aliás este o entendimento que a jurisprudência uniforme do STA tem acolhido quanto tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, como é o caso, a título de exemplo, do Acórdão do STA de 08.06.2011 no Proc. 0420/11. Disponível em www.dgsi.pt; 14) Quanto à subida imediata do presente recurso, entende a sociedade arguida que, no regime previsto no art. 84.º, do RGIT, complementado pelo RGCO, não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar; 15) Sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material do citado art. 84.º, do RGIT, nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória; Não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeito suspensivo da decisão recorrida – conforme se doutrinou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15.11.2011, processo n.º 04847/11; 16) Entendimento perfilhado pelos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4.ª edição, 2010, em anotação ao art. 84.º, página 582 e seguintes.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consonância revogada a sentença recorrida e substituída por outra que conceda provimento ao recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».
1.3 O recurso foi admitido e não foram apresentadas contra-alegações.
1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido, por não se verificarem os pressupostos do n.º 2 do art. 73.º do RGIT, e, caso assim não se entenda, deverá ser-lhe negado provimento com a seguinte fundamentação: «[…] Uma vez que o valor da coima única aplicada (€ 250,00) não ultrapassa ¼ da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância, nos termos do disposto no artigo 83.º do RGIT o presente recurso jurisdicional foi interposto e admitido ao abrigo do estatuído no artigo 73.º/2 do RGCO.
Impõe-se, pois, previamente, analisar se ocorrem os requisitos de admissão do recurso ao abrigo do citado normativo.
Nos termos do disposto no citado artigo 73.º/2 do RGCO, poderá aceitar-se recurso da sentença, sempre que tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Como referem os Juízes Conselheiros Jorge de Sousa e Manuel Santos 1 [1 Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado e comentado, 4.ª edição, 2010, página 562, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos] «…a possibilidade de recurso assegurada pelo n.º 2 deste art. 73.º, nos casos em que tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou haja divergências jurisprudenciais, parece assegurar eficazmente os direitos do arguido, por permitir o controlo jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial, ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica. É a possibilidade de recurso ao abrigo do n.º 2 deste art. 73.º com esta amplitude que assegura a compatibilidade da alçada com a norma constitucional que garante o direito à defesa».
E continuam os mesmos autores «A expressão «melhoria da aplicação do direito» utilizada no artigo 73.º, n.º 2, do RGIT deve ser interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial» 2 [2 Neste sentido podem ver-se os acórdãos do STA de 20.06.2007, recurso n.º 411/07 e de 25.3.2009, recurso n.º 106/09], situações essas em que, à face do entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito».
Ora, no caso em apreciação, o que está em causa é a alegada violação do direito de defesa, porquanto foi indeferida a...
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