Acórdão nº 31488/15.4T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA instaurou a presente ação de processo comum contra BB e Caixa CC, S.A., pedindo que: - se declarem nulas, nos termos do art. 280º do CC[1], as fianças por si prestadas nos contratos que identificou; - a não se entender assim, se reconheça ter havido alteração anormal das circunstâncias em que os contratos foram celebrados, sendo atentatória da boa fé a manutenção dos mesmos, que devem ser resolvidos nos termos do art. 437º.

Alegou, em síntese nossa, que: - interveio como fiadora em dois empréstimos com hipoteca, concedidos pela 2ª ré ao 1º réu; - nessas fianças previu-se a possibilidade de modificações futuras de taxa de juros ou prazos por simples acordo entre a credora e o devedor, o que, tornando indeterminável o seu conteúdo, conduz à sua nulidade; - o seu consentimento para a fiança assentou no pressuposto de que viria a casar com o 2º réu e que ambos fixariam na casa hipotecada a sua casa de morada de família, o que se frustrou por rompimento dessa relação.

Apenas a segunda ré contestou, defendendo a improcedência da ação.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que declarou a nulidade das fianças prestadas pela autora nos contratos de mútuo em causa, na parte em que nelas se lê “dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.

” Em apelação interposta pela autora, o Tribunal da Relação de … deu integral procedência à sua pretensão, declarando a nulidade total das fianças.

A Ré Caixa CC trouxe o presente recurso de revista contra esse aresto, pedindo que se repristine a decisão proferida na 1ª instância, tendo apresentado alegações onde formula as conclusões que passamos a transcrever: “I - De acordo com a melhor jurisprudência produzida, e designadamente com a constante do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2001 de 23 de Janeiro de 2001 (in DR I A nº 57 de 8.03.2001 a fiança genérica relativa a obrigações futuras será nula sempre que não existam elementos que permitam determinar o seu objecto; II - Porém, é igualmente pacífico que numa fiança que tem por objecto garantir a obrigação dos devedores num contrato com objecto determinado, mas com a declaração de se afiançar também todas as alterações futuras que vierem a ser introduzidas pelos devedores principais e pelo credor, a validade da parte do objecto da fiança não é prejudicada pela eventual invalidade da segunda parte do mesmo; III - Nunca foi questionada à Recorrente Caixa, em concreto, a possibilidade de ser alterada qualquer cláusula do contrato dos autos, o que em nada colide com as declarações das testemunhas que afirmam que a Recorrente tem cláusulas tipo que insere em todos os contratos; IV - E se é verdade que a Recorrente Caixa é que exigiu que os mútuos a contratar ficassem garantidos por hipoteca e fiança, face à reduzida capacidade de endividamento do mutuário, tal não significa que, se tivesse sido colocada tal hipótese, a Caixa não pudesse negociar os termos das fianças a prestar; V - Na determinação da vontade hipotética das partes não se trata da interpretação do contrato nem da fixação de um facto psíquico mas de uma apreciação de interesses na qual são, primeiro, de pôr na base os critérios de valoração de que as partes reconhecidamente partiram aquando da conclusão do negócio; VI - Em regra, a invalidade de uma parte do negócio não afasta a validade da outra parte; VII - O que é dizer que o elemento decisivo é o que o autor do negócio jurídico teria disposto se tivesse previsto a nulidade ou a anulação da parte viciada do negócio; VIII - Vale isto por dizer que o julgador, perante os factos concretos dados por provados e não provados, terá de avaliar se, objectivamente, a Recorrente teria interesse em concretizar o negócio de aceitação de fiança prestada pela Recorrida, caso tivesse previsto que a fiança de obrigações futuras, omnibus, seria declarada nula; IX - E o que objectivamente se pode concluir, perante os factos dados como provados, é que a Recorrente teria mais interesse em concluir o negócio com a fiança inicial válida ainda que a fiança omnibus viesse a ser declarada nula, do que em não celebrar o negócio; X - Aliás, perante o interesse em concretizar o negócio de mútuo com o primeiro Réu, a Recorrente teria, objectivamente, mais interesse em conseguir conceder o empréstimo com a constituição da fiança inicial válida, ainda que a fiança omnibus viesse a ser declarada nula, pois, desde que não viesse a alterar os termos do contrato (o que de resto ainda não aconteceu), tal fiança será válida até ao final do mesmo, do que em não realizar qualquer negócio; XI - Donde se conclui que, perante os factos provados e não provados, e feita a análise objectiva da situação jurídica em apreço, a Recorrente Caixa sempre teria interesse em reduzir o negócio apenas à fiança inicial, ao invés de não celebrar qualquer negócio, perante a possibilidade da fiança omnibus ser nula.

XII - A fiança exigida neste tipo de contratos de crédito, é um reforço à garantia inicial, e por excelência, que constitui a hipoteca do imóvel financiado, pelo que, sendo embora importante (pois ser assim não fosse não seria exigida) a possibilidade de concessão de fiança não é determinante na concessão de tais créditos; XIII - Sendo, pois, excessiva a conclusão de que o negócio de mútuo com hipoteca e fiança não teria sido concluído sem a válida prestação desta última garantia; XIV - O negócio base e que constitui o objecto social da Recorrente, é o mútuo, o qual é, sempre, garantido pela hipoteca do imóvel a adquirir; XV - A Recorrida não logrou demonstrar que ofereceu uma proposta concreta nesse sentido, tendo-se limitado a questionar em abstracto se seria possível alterar as condições da fiança, questão que mereceu resposta negativa por banda da Recorrente; XVI - Mas no limite, essa questão não chegou a ser sequer uma proposta, e não foi analisada pela Recorrente em concreto, pelo que é abusivo considerar que a Recorrente não teria querido o negócio (da fiança) sem a parte viciada, a parte atinente à fiança omnibus; XVII - Sendo, pois, abusivo e altamente penalizador para a posição jurídica da Recorrente, considerar que esta apenas aceitaria a fiança se incluísse a fiança presente e a omnibus, sem ter sido apurado com rigor tal factualidade; XVIII - No presente caso está em causa questão cuja apreciação, pela importante relevância jurídica e social de que se reveste, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ao caso concreto; XIX - Deverá, pois, ser revogada a decisão de que ora se recorre, na parte em que considera nula toda a fiança prestada pela Recorrida, mantendo a decisão proferida pela 1ª Instância quanto a tal matéria.” Em contra-alegações, a recorrida defendeu a improcedência do...

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