Acórdão nº 1412/14.8TYLSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | CATARINA SERRA |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: AA e BB Recorridos: CC S.A.
et al.
O CC (sucessor na posição do DD, S.A.) é portador de três livranças subscritas, entre 18.08.1992 e 21.09.1994, pela sociedade EE, S.A., que foi declarada falida por sentença transitada em julgado em 1999.
Os sócios da EE eram, entre outros, AA, que era o sócio maioritário e foi, a certa altura, designado Presidente do Conselho de Administração, FF e BB, que eram, respectivamente, a mulher e mãe de AA e foram, a certa altura, designadas vogais do Conselho de Administração.
AA e FF haviam aposto a sua assinatura nas livranças subscritas pela EE, sob a expressão "Por aval à subscritora”.
Por escritura pública, AA e FF venderam a BB, em 8.11.1994, uma fracção autónoma, para habitação, de prédio urbano e, em 20.03.1995, duas fracções autónomas do mesmo prédios urbano, correspondentes a garagens.
FF e AA foram declarados falidos, por sentença transitada em julgado em 2001, tendo a falência sido requerida em ambos os casos pelo CC.
O mesmo Banco intentou acção declarativa, peticionando que os contratos de compra e venda dos imóveis fossem declarados nulos com fundamento em simulação absoluta e, subsidiariamente, que fossem declarados ineficazes, por via da impugnação pauliana, e ordenada a restituição dos prédios, já que haviam sido praticados dois actos gratuitos ou, caso a venda tivesse sido real, se verificava a má fé de todos os contraentes.
Por sentença de 1.09.2017 (fls. 693 e s.), o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedentes tanto o pedido (principal) de declaração de nulidade dos contratos de compra e venda dos imóveis bem como o pedido (subsidiário) de declaração de ineficácia. Quanto a este último entendeu o Tribunal que, em conformidade com o disposto nos artigos 610.º e 612.º do CC, não sendo gratuitos os actos praticados, era necessária a má fé de todos os contraentes (a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor). Não era aplicável, in casu, a presunção do artigo 158.º do CPEREF porque os actos haviam sido praticados muito mais do que dois anos antes do início do processos de falência; não podia, por outro lado, dar-se por demonstrado o requisito da má fé (as ligações familiares e societárias apuradas não eram suficientes para esse efeito). Assim, não tinha aplicação o instituto da impugnação pauliana.
Irresignado com aquela decisão da 1.ª instância, veio o CC apelar para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Alegou o apelante haver errado julgamento da matéria de facto, impondo-se a eliminação dos factos considerados provados na sentença recorrida sob o número 20 (Até 1994 a Ré BB emprestou aos 1.º e 2.ª réus a quantia de 35.000.000$00 a qual foi investida na EE, S.A.) e sob o número 21 (As únicas dívidas dos 1.º e 2.ª Réus são as referidas em 1. a 6.
) e o aditamento aos factos provados dos factos considerados não provados na sentença recorrida sob a alínea c) (Os réus celebraram as escrituras referidas em 9. e 10. para que as fracções ali referidas não fossem penhoradas pelas dívidas dos 1.º e 2.ª Réus), sob a alínea d) (A ré BB sabia que os réus AA e FF eram devedores à Autora das quantias referidas) e sob a alínea e) (As fracções referidas em 9. e 10. constituíam os únicos bens do património dos 1.º e 2.ª Réus).
Segundo o apelante, se a decisão de facto tivesse sido a propugnada por ele, o Tribunal recorrido teria dado por verificados todos os requisitos da impugnação pauliana e aplicado o respectivo instituto, razão pela qual – conclui ele – a sentença havia feito errada interpretação / aplicação do previsto nos artigos 611.º, 612.º e 342.º do CC e no artigo 414.º do CPC.
Contra-alegou AA, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, por a matéria de facto estar devidamente fundamentada e decidida.
No seu Acórdão de 22.03.2018 (fls. 736 e s.), o Tribunal da Relação de Lisboa identificou duas questões: 1.ª) saber se, na decisão do Tribunal a quo, ocorria erro na apreciação dos meios de prova; e 2.ª) saber se, alterando-se a decisão de facto, devia ser dado provimento à acção e ao pedido subsidiário quanto à impugnação pauliana.
Apreciadas as questões, julgou o Tribunal procedente a apelação, decidindo: 1.º) alterar a decisão de facto positiva e negativa conforme propugnado pelo recorrente: e 2.º) declarar a ineficácia em relação ao Banco credor dos contratos de compra e venda e reconhecer a este último o direito de executar no património de AA e FF os bens alienados, na medida do necessário para a satisfação dos seus créditos, devendo ser praticados os actos de conservação patrimonial.
Inconformados, vêm agora AA e BB interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, visando a revogação do Douto Acórdão e a manutenção da decisão da 1.ª instância.
Sustenta, no essencial, o primeiro recorrente que o Tribunal da Relação violou o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC e no artigo 396.º do CC, uma vez que alterou a matéria de facto sem que se verificasse a hipótese em que tal é, excepcionalmente, admissível (erro de apreciação da prova).
Sustenta a segunda recorrente que existe violação do disposto no artigo 342.º, nos artigos 349.º a 351.º e no artigo 612.º, todos do CC, do disposto no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária e do disposto no artigo 414.º e no artigo 607.º, n.º 5, ambos do CPC. Alega, em síntese, que o Tribunal da Relação de Lisboa desrespeitou as regras sobre o ónus da prova, não podendo ter sido dados como provados requisitos da impugnação pauliana que cabia ao credor demonstrar (a má fé e a onerosidade do acto) e tendo sido desconsiderada uma presunção de veracidade de certos documentos fiscais que era favorável aos recorrentes.
O CC, S.A., apresenta as seguintes contra-alegações: quanto ao recurso de AA, que o poder jurisdicional se encontra esgotado quanto à decisão de facto e, por isso, não pode esta ser reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 674.º, n.º 3, do CPC); quanto às alegações de BB, que o Tribunal recorrido não excedeu os poderes que a lei lhe confere, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, não existindo violação das regras do ónus da prova, e que a presunção de veracidade de certos documentos fiscais não é, pura e simplesmente, relevante para os efeitos pretendidos pela recorrente (dar como provado o seu empréstimo a AA), pelo que, também aqui, não houve qualquer desrespeito pela disciplina do ónus da prova.
Sendo o objecto do recurso, para lá das questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a decidir, in casu, são as de saber: 1.ª) se o Tribunal recorrido podia ter alterado a matéria de facto; e 2.ª) se deve ser julgada procedente a impugnação pauliana.
* II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que se consideraram provados no Acórdão recorrido: 1.
DD, S.A., é portador de uma livrança subscrita por EE, S.A., no valor de 3.500.000$00, emitida em 21/09/94 e vencida em 20/10/94, conforme certidão de fls. 55 a 56 dos autos, cujo teor se dá aqui como reproduzido.
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No verso da livrança referida em 1.
, os Réus AA e FF apuseram a sua assinatura sob a expressão "Por aval à subscritora”.
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DD, S.A., é portador de uma livrança subscrita por EE – …, S.A., no valor de 28.869.690$00, emitida em 18/08/92 e vencida em 02/08/95, conforme certidão de fls. 57 a 60 dos autos, cujo teor se dá aqui como reproduzido.
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No verso da livrança referida em 3.
, os Réus AA e FF apuseram a sua assinatura sob a expressão "Por aval à subscritora".
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DD, S.A., é portador de uma livrança subscrita por EE, S.
A., no valor de 2.643.836$00, emitida em 18/08/92 e vencida em 02/12/97, conforme certidão de fls. 78 a 81 dos autos, cujo teor se dá aqui como reproduzido.
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No verso da livrança referida em 5.
, os Réus AA e FF apuseram a sua assinatura sob a expressão "Por aval à subscritora".
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A Autora intentou contra o 1.º e 2.ª Réus e contra EE - …, S.A., execuções para obter o pagamento dos montantes titulados pelas livranças e juros, conforme certidões de fls. 55, 57 e 78 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos.
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A Autora intentou contra os 1.º e 2.ª Réus acção ordinária de condenação pedindo a condenação destes no pagamento à Autora da quantia de 17.250.000$00, acrescida de juros vincendos à taxa de 18% ao ano desde 20/10/95 até efectivo e integral pagamento que corre termos sob o n.º 840/95, na 1.ª Secção do 11.º Juízo Cível de...
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