Acórdão nº 02384/04.2BEPRT 01236/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2384/04.2BEPRT 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado sujeito passivo recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2000, 2001 e 2002, com o fundamento de que tinham sido indevidamente desconsideradas as declarações de rendimento por ele apresentadas relativamente a cada um daqueles anos, das quais fez constar a sua mulher como integrando o agregado familiar e assinalou a opção “casados” relativamente ao estado civil dos sujeitos passivos.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

  1. Não se questionando o doutamente decidido em matéria facto, a douta sentença incorre em erro de julgamento em matéria de direito ao extrair da factualidade assente a conclusão de que o Recorrente, nos anos em causa, estava separado de facto de B………..

  2. Da factualidade assente resulta que nos anos a que respeitam as liquidações impugnadas o ora Recorrente não estava separado de facto da então sua mulher, para os efeitos do art. 59.º, n.º 2, do CIRS C) A douta sentença sob recurso, ao julgar improcedente a impugnação, interpretou erradamente e violou o preceituado nos arts. 11.º, n.º 2, e 59.º, n.º 2, ambos do CIRS.

    Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação, com a consequente anulação das liquidações impugnadas e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, como é de JUSTIÇA».

    1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja declarada a incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso ou, caso assim não se entenda, seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] A nosso ver, salvo melhor juízo, o recorrente pretende discutir matéria de facto.

    Vejamos.

    Na delimitação da competência do STA em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 635.º/4 do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, 1 volume, páginas 223/225, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).

    O recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (acórdão do STA, de 2009.12.16 disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).

    São juízos de facto as ilações que o tribunal retira da factualidade apurada que não envolvem a interpretação de regras jurídicas ou a aplicação da sensibilidade jurídica do julgador.

    Não devem considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças constantes do processo, uma vez que todas as ocorrências processuais são do conhecimento oficioso (acórdão do STA, de 2001.06.20-P. 26033, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).

    Ora, o que o recorrente pretende impugnar é a ilação do tribunal recorrido tirada da factualidade apurada, lançando mão de juízos de experiência ou de considerações de probabilidade/razoabilidade, de que o recorrente se encontrava separado de facto do seu cônjuge, daí pretendendo tirar consequência jurídicas, no sentido da legalidade das liquidações sindicadas.

    Assim sendo, como nos parece que é, o STA é, pois, incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCAN.

    A recorrente poderá requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do estatuído no artigo 18.º/2 do CPPT.

    Se assim não se entender, então, em consonância com a decisão recorrida, o recurso não merece provimento.

    Nos termos do artigo 59.º/2 do CIRS, havendo separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar declaração dos seus próprios rendimentos.

    As normas tributárias não definem o conceito de separação de facto.

    Todavia, o normativo do artigo 1782.º/1 do CC, para efeitos do disposto no artigo 1781.º/a) do mesmo código, define a separação de facto como aquela em que não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há, pelo menos da parte de um deles, o propósito de não a restabelecer.

    Como ensina o Professor Antunes Varela, em “Direito da Família”, ed. de 1987, páginas 479 e seguintes “Dá-se a separação de facto sempre que cessa a comunhão de vida entre os cônjuges e haja, da parte de ambos, ou de um deles pelo menos, o propósito de a não restabelecer.

    A forma como na lei (art. 1782.º, n.º 1) se define a separação de facto, tradutora da ruptura da vida em comum, mostra com efeito que ela pode resultar de uma actuação bilateral concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles.

    Apesar de não ser essencial o acordo dos cônjuges quanto à separação, é evidente que esta separação compreende um elemento subjectivo (a intenção de ambos os cônjuges, ou de um deles de romper definitivamente com a vida em comum), ao lado de um elemento objectivo (não existência entre os cônjuges da comunhão de leito, mesa e habitação”.

    Ora, como bem refere a sentença recorrida, a cujo discurso fundamentador se adere “Decorre do probatório que a vida conjugal tinha entrado em ruptura e existia um litígio latente, evitando os cônjuges o contacto e inexistindo comunhão de leito (alínea O) do probatório), tendo mesmo o impugnante dado início ao processo de divórcio logo em Novembro de 2000 (alínea M) do probatório), o que traduz a manifestação inequívoca do propósito de não restaurar a comunhão da vida matrimonial com B………..

    Também o facto de terem entregado declarações autónomas, assinadas por cada um e nas quais apenas incluíram os respectivos rendimentos e indicaram «estados civis» diferentes, demonstra a falta de diálogo e a contenda que existia entre ambos.

    Ora, a coabitação e a partilha de refeições – factos que quedaram provados (alíneas M) e N) do probatório) – não constituem factos impeditivos de se estar perante uma situação de separação de facto.

    Efectivamente, para que exista uma situação de separação de facto não é necessário que os cônjuges estejam a viver em habitações separadas, existindo separação mesmo quando habitem na mesma casa, deste que actuem com o se não fossem casados e com o animus de não restabelecerem entre si a convivência conjugal.

    Não existe, contudo, impedimento a que os casais não divorciados, mas separados de facto, entreguem a declaração de rendimentos modelo 3 em conjunto, se para tal estiverem de acordo, o que, como vimos, não aconteceu no caso em apreço”.

    Portanto, em nosso entendimento, da factualidade apurada não podia tirar-se outro juízo que não o de julgar verificada a separação de facto, pelo que a sentença recorrida não merece censura».

    1.5 O parecer foi notificado ao Recorrente e à Recorrida, a fim de, querendo, se pronunciarem sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia nele suscitada, possibilidade que ambos declinaram.

    1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que as liquidações em causa não padeciam de ilegalidade por a AT nelas não ter considerado o sujeito passivo ora Recorrente como casado para efeitos de tributação em IRS.

    * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «

  3. O Impugnante entregou as seguintes declarações modelo 3 de I.R.S., das quais consta como sujeito passivo A, como sujeito passivo B – B……….. e indicando o estado civil de “casado”: -...

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