Acórdão nº 19138/16.6T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA intentou contra o Banco BB, SA (CC) e o DD, SA (NB) a presente ação, pedindo a condenação solidária dos Réus a reembolsarem a Autora do capital de 350.00,00 €, acrescidos de juros remuneratórios e moratórios, nas parcelas por aquela discriminadas.

Em síntese, alegou que o CC violou deveres de informação e de lealdade a que estava adstrito por força da sua qualidade de intermediário financeiro e de banqueiro e, por essa razão, incorre em responsabilidade civil, e que também se comprometeu perante a Autora de que se tratava de uma aplicação de ativos financeiros mediante a aquisição de um produto com garantia no montante do capital investido, devendo, por isso assumir contratualmente o reembolso do capital investido; o Réu NB assumiu a sua intenção de reembolso aos adquirentes do papel comercial, criando na Autora a expectativa de reembolso do capital investido e que nos termos em que foi concretizada a medida de resolução a mesma enquadra-se numa «cisão simples» (art. 118.° do Código Comercial) e que «entender-se que apenas operou a transferência dos ativos sem a transferência dos passivos e suas responsabilidades constitui uma inconstitucionalidade»; ademais, em diferentes datas e em diferentes momentos, quer o 1.°, quer o 2.° Réu, assumiram a responsabilidade de pagamento perante os lesados do CC.

Contestou o CC, por impugnação e por exceção, quanto a esta sustentando a inutilidade da lide e requerendo a absolvição da instância, em virtude da sua liquidação judicial, cujo processo se encontra atualmente pendente no Tribunal do Comércio (veio ulteriormente, a fls. 923, juntar ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral confirmando, atestando que não fora entretanto interposto recurso da deliberação do Banco Central Europeu, de 13 de Julho de 2016, que determinou a revogação da autorização do CC para o exercício da atividade de instituição de crédito).

O NB igualmente contestou por impugnação e por exceção, quanto a esta sustentando a sua ilegitimidade passiva, quer processual quer substantiva, em virtude das deliberações do Banco de Portugal (BP).

Foi fixado à ação o valor de €389.980,04.

Proferido despacho, a declarar extinta a instância relativamente ao CC, atualmente em liquidação, por inutilidade superveniente da lide, absolvendo-o da instância; despacho seguido de saneador, a declarar a ilegitimidade substantiva do NB, julgando a ação contra ele improcedente, absolvendo-o dos pedidos.

  1. Apelou a Autora.

    A Relação manteve, no essencial sem diferente fundamentação, a decisão da 1ª instância (julgaria parcialmente procedente o recurso, no que respeitava à condenação da Autora no pagamento da totalidade das custas, relativamente à absolvição da instância do 1º Réu, por inutilidade superveniente da lide).

  2. Pede revista a Autora – recurso de revista excecional, admitido nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 672º do CPC, por acórdão de 24 de Maio último (fls. 1339/43).

  3. Distribuído o processo, proferido despacho pelo relator, entendendo dever ser restringido o âmbito de conhecimento do recurso, relativamente ao conjunto de questões pela própria Recorrente enunciado – (i) Da nulidade processual por dispensa de audiência prévia em violação do principio do contraditório; (ii) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; (iii) Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC; (iv) Da ampliação [aditamento] da matéria de facto provada relativamente aos factos assentes nos documentos que não foram impugnados; (v) Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele –, às 2ª, 3ª e 4ª questões, mostrando-se inadmissível o recurso quanto à 1ª questão (nºs. 8/36 das conclusões da alegação da Recorrente) e à 4ª (nºs. 73/80 das conclusões da mesma alegação), em vista do disposto, respetivamente, no art. 671º, nºs. 1, 2 e nos arts. 674º, nº 3, 682º, nº 2, todos do CPC, estes últimos, a conjugar com o art. 46º da LOSJ e mandando ouvir Recorrente e Recorridos, nos termos do nº 1 do art. 655º do CPC.

    Notificados, nada disseram 5. Vistos os autos, cumpre decidir.

    II 6.

    Delimitação do objeto do recurso.

    Restringe-se o recurso, na sequência do despacho liminar do relator (supra, 4), ao reexame das seguintes questões, tal como suscitadas nas pertinentes conclusões da alegação da Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2): (i) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia – conclusões 37/50 (ii) Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC – conclusões 51/72 e (iii) Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele – conclusões 81/89.

    Transcrevem-se as conclusões em causa: «(…) 37 - A nulidade da sentença por omissão: 38 - O douto acórdão recorrido considera que inexiste ausência absoluta de pronúncia na decisão proferida em primeira instância.

    39 - Mas ela existe de facto. E continuou a existir após a decisão proferida de que se recorre.

    40 - Entende a recorrente que este vicio não se demonstra ultrapassado porque a decisão de primeira instância e o douto acórdão de que se recorre não efectuaram a apreciação que deveria ter sido feita quanto à matéria em causa, nomeadamente quanto à invocação de violação do artigo 62°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

    41 - A referência que a douta sentença faz quanto à imposição de uma restrição ao direito de propriedade, não dá uma resposta aos argumentos que foram apresentados pela recorrente, em primeira e segunda instância, e não os afasta.

    42 - Não há qualquer demonstração nos autos (e desconhece-se essa demonstração fora deles) que permita afirmar que, se os direitos da recorrente não fossem excluídos não seria (i) assegurada a continuidade da prestação de serviços financeiros essenciais; (ii) acautelado o risco sistémico: (iii) salvaguardado o interesse dos contribuintes e do erário público (iv) salvaguardada a confiança dos depositantes.

    43 - O que existe na realidade, é uma remissão para os artigos que se entende devem ser aplicados para se justificar a medida de resolução e para restringir o direito de propriedade mas, nada nos autos permite afiançar quantitativa e qualitativamente que os motivos para se pugnar pela medida de resolução e o benefício que dela se pretende retirar, seja proporcional à perda da recorrente.

    44 - Lendo-se a totalidade do acórdão referido, de 07.03.2017, entendem os recorrentes que os argumentos ali vertidos não são suficientes para afastar os argumentos levados a apreciação pela recorrente, continuando a entender que o regime emergente dos artigos invocados para a existência da selecção dos ativos e dos passivos, na interpretação dada pelo banco de Portugal (na Sua primeira deliberação e nas subsequentes rectificações) padece de uma inconstitucionalidade material pois permitiu um confisco ou uma expropriação sem justa contrapartida, em clara violação do direito de propriedade da recorrente.

    45 - Por outro lado, é preciso que se diga que o direito de propriedade de que a recorrente se arroga não é um direito só seu. É o direito de centenas/milhares de pessoas, pelo que quando se coloca em contraposição o direito de propriedade da recorrente com a vantagem que se pretendeu obter e se diz que o mesmo não pode sobreviver por ser um direito "inferior", a verdade é que falamos de um direito multiplicado milhares de vezes, 46 - E ainda que no caso concreto se possa, apenas, avaliar a situação dos recorrentes, certo é que uma mudança na posição da que até aqui vem sendo assumida pelos tribunais portugueses é possível, desde que se conceda que o direito de propriedade que foi afectado é muito mais abrangente e muito mais importante do que tem sido considerado.

    47- O que está em causa não é apenas o interesse do recorrente, mas sim o interesse geral de uma comunidade alargada (milhares de pessoas e empresas), obrigadas a suportar um encargo especial e exorbitante como seja a expropriação total do seu direito de propriedade sem qualquer contrapartida.

    48 - E é este interesse geral, desta comunidade de milhares de pessoas da qual a recorrente faz parte, que tem de ser contraposto ao interesse da comunidade em geral, pois quando fazemos esse exercício, concluímos que existe uma inobservância total de um justo equilíbrio que tem sido utilizado para justificar a proporcionalidade da medida tomada e sobretudo das suas consequências.

    49 - Quando se avalia a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e, o bem protegido, devendo o meio escolhido para essa restrição, não ser desproporcional. E o meio escolhido é manifestamente desproporcional porque despoja a recorrente da totalidade do seu direito, Sem qualquer contrapartida e sem se demonstrar em que medida o bem que se pretende proteger seria afectado em termos quantitativos e qualitativos.

    50 - Existindo uma restrição desproporcionada, existirá inconstitucionalidade que deverá ser declarada por este Supremo Tribunal de Justiça.

    51 - Da inutilidade superveniente da lide quanto ao CC: 52 - É impensável não se aceitar que a situação dos "lesados do CC" não seja uma novidade, uma situação inesperada ou um contexto novo que não mereça um relevo jurídico tal que permita ser regulada juridicamente de forma diferente.

    53 - Contrariamente ao que é dito no douto acórdão, uma sentença condenando o CC poderá fazer toda a diferença para efeitos de uma resolução extra judicial porquanto é sabido, publicamente, que as iniciativas extra judiciais têm feito depender a possibilidade de ressarcimento dos direitos dos lesados, da existência de direitos judicieis activos ou de sentenças favoráveis.

    54 - Quando um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência é proferido, o mesmo é lavrado após ponderação exaustiva, face à legislação e à jurisprudência existentes sobre o assunto. A recorrente não põe isso em causa. O que a recorrente põe em causa é se a factualidade que lhe dá lugar...

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