Acórdão nº 80/18.2 YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | MANUEL AUGUSTO DE MATOS |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso: I - RELATÓRIO 1. AA, Juíza ..., em exercício de funções na Instância Local – Secção criminal de ... – Comarca de ..., notificada da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura (CSM), tomada na sessão de 11 de Julho de 2018, nos termos da qual foi ratificado o despacho do Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura em que se determinou a instauração de processo disciplinar à mesma e conversão do inquérito na parte instrutória do mesmo, vem, nos termos previstos nos artigos 168.°, 169.°, 170.°, n.
os 1 e 2, e 178.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e artigos 112.°, n.° 2, alínea a), 114.°, n.
os 1, alínea a), 2 e 3, e 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requerer a suspensão de eficácia dessa deliberação.
Fundamentando a sua pretensão, a Requerente alega que[1]: 1.º Por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM de 20/10/2017 (notificado à Requerente por ofício de 23/10/2017), foi instaurado à Requerente processo disciplinar que correu os seus termos sob o n.° 2017/380/PD.
2.° Através do ofício 430/MA de 27/10/2017, a Requerente foi notificada do início da instrução nos autos de processo disciplinar supra devidamente identificados.
3.° Nos termos do previsto no artigo 167.° do EMJ, a Requerente apresentou Reclamação para o Plenário do CSM dos despachos do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM e referidos no artigo 1.° deste requerimento.
4.° Reclamação essa que veio a ser admitida e, 5.° Parcialmente deferida em 24 de Abril de 2017, na medida em que foi o processo parcialmente declarado nulo, mantendo-se apenas o despacho de instauração de inquérito. Seguidamente, 6.° A Requerente suscitou o incidente de recusa da Exma. Senhora Instrutora do Processo Disciplinar, que veio a ser deferido em 24 de Maio de 2017.
7.° E no qual foi nomeado novo Instrutor do processo.
8.° Por despacho de 2 de Julho de 2018, notificado à Requerente pelo ofício 1567 de 3 de Julho de 2018, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, determinou a instauração de processo disciplinar à Requerente, convertendo o inquérito na parte instrutória do mesmo e determinando a remessa ao Plenário para ratificação.
9.° Decorridos 7 dias (dos quais apenas 5 são úteis), por ofício de 9 de Julho de 2018, a Requerente é notificada da dedução de acusação no âmbito do processo disciplinar (com o número 2018-275/PD), tendo sido fixado o prazo de apresentação de defesa em 20 dias úteis.
10.° A Requerente no dia 12 de Julho de 2018, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 167.° do EMJ, apresentou reclamação do despacho de 2/07/2018 do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM que determinou a instauração de processo disciplinar.
11.° Tendo esta reclamação sido admitida e suspenso o processo disciplinar que estava em curso e, consequentemente, ficando suspenso o prazo de defesa no referido processo. Finalmente, 12.° Por ofício de 3 de Setembro de 2018, é a Requerente notificada da deliberação do Plenário do CSM, tomada na sessão de 11 de Julho de 2018, de que o despacho de instauração de procedimento disciplinar e conversão do inquérito tinha sido ratificado.
13.° A presente providência cautelar - intentada, conforme o previsto no artigo 178.° do EMJ e na al. a) do n.° 1 do art. 114.° do CPTA, previamente ao recurso, entenda-se, acção principal, previsto no artigo 168.°, n.° 1 do EMJ - visa a suspensão da eficácia da deliberação de ratificação tomada pelo CSM na sessão de 11 de Julho, configurando este o acto em recurso (e impugnado) e o acto suspendendo.
14.° A providência cautelar é tempestiva nos termos do preceituado no artigo 169.°, n.° 1 do EMJ e a Requerente tem interesse em agir, dado que é destinatária directa da deliberação em discussão, bem como dos seus efeitos lesivos e o Tribunal é o competente.
15.° O pedido de suspensão da eficácia da deliberação impugnada (o acto suspendendo) é formulado nos termos do disposto nos artigos 170.°, n.°s 1 e 2 do EMJ e 112.°, n.° 2, alínea a), 114.°, n.°s 1, alínea a), 2 e 3, e 118.°, do CPTA. Porquanto, 16.° O n.° 2 do artigo 112.° do CPTA refere que a providência cautelar a adoptar pode consistir, designadamente, na suspensão da eficácia de um acto administrativo [alínea a)], 17.° A forma e o momento do pedido mostram-se regulados no artigo 114.°, n.°s 1 e 2, do CPTA 18.° e o regime subsidiariamente aplicável aos recursos das deliberações do CSM é o previsto no CPTA, conforme a remissão feita no artigo 178.° (sob a epígrafe "Lei subsidiária") do EMJ.
19.° Sendo certo que, a partir da citação do CSM, que se afigura, neste caso em concreto atento o procedimento consagrado no artigo 171.° e n.° 3 do artigo 170.° do EMJ, ocorrer na data de interposição da procedimento cautelar, opera a proibição de execução da deliberação, decorrendo uma automática suspensão, conforme disposto no artigo 128.° do CPTA. Pelo que, 20.° A ratificação da decisão de instauração do procedimento disciplinar não pode ser executada e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico, mantendo-‑se, consequentemente, o actual status quo processual.
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Os critérios gerais de que depende a concessão de providências cautelares estão definidos no n.° 1 do artigo 120.° do CPTA: o deferimento das providências cautelares depende da existência cumulativa dos dois requisitos positivos enunciados neste n° 1, que correspondem aos designados "periculum in mora' e "fumus boni iuris", pressupondo ainda a verificação do requisito negativo do n° 2 do mesmo artigo, que corresponde a uma ponderação subsequente (verificados aqueles requisitos do n° 1), "dos interesses públicos e privados" em presença. Assim,
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Do preenchimento do requisito "fumus boni iuris" 22.° "O fumus boni iuris é agora enquadrado no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, pelo que para o deferimento da providência tem que ser "provável" que a acção principal "venha a ser julgada procedente"[[2]].
23.° Afigura-se à Requerente que a deliberação do CSM de 11 de Julho de 2018 e apenas agora (por ofício de 3 de Setembro), depois da interposição de reclamação do acto ratificado, notificada, está inquinada de vícios de impõe a sua declaração de nulidade. Com efeito, 24.° "III - O conceito de ratificação varia conforme os ramos jurídicos. No direito administrativo, a ratificação pode ter três significados: a ratificação - sanção, a ratificação - confirmação e ratificação - verificação.
No primeiro sentido, a ratificação é um acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia. No segundo sentido, a ratificação é a mera confirmação de actos ou procedimentos anteriores, resolvida em atenção apenas à sua oportunidade e conveniência.
Finalmente, a ratificação - verificação acontece sempre que um órgão colegial torna certo e incontestável, do ponto de vista da competência, o acto praticado pelo seu presidente, por razões de urgência ou outras circunstâncias excepcionais, para o qual, e em princípio, apenas o órgão colegial era competente”.
25.° No caso em concreto, o Plenário do CSM, na sua sessão ordinária de 11 de Julho de 2018, ratificou (e verificou?) o despacho do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-‑Presidente do CSM de 2 de Julho que determinou a instauração de procedimento disciplinar à Requerente e a conversão do inquérito, tornando-a certa e incontestável apenas no que à competência para a prática do acto concerne. Porquanto, 26.° A competência para instauração de procedimento disciplinar a Magistrado (exercício da acção disciplinar) está legalmente cometida ao órgão CSM (artigo 149.°, alínea a) do EMJ). Porém, 27.° A decisão ratificada estava - e está! - inquinada de vícios que determinam a sua anulação: aqueles que foram alegados em sede de reclamação apresentada nos termos do artigo 167.° do EMJ (com efeito suspensivo consagrado no artigo 167.°-A).
28.° Relativamente aos quais o CSM não se pronunciou - eventualmente não poderia dos mesmos conhecer dado que a reclamação, ainda que tempestiva, deu entrada em momento posterior. Porém, 29.° Ao ratificar "qua tale" - como ocorre no caso - a decisão do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, a deliberação de ratificação do CSM fica inquinada dos mesmos vícios, ferindo-a da mesma invalidade. Vejamos: 30.° Nos termos do art. 135.° do EMJ, a conversão do inquérito em processo disciplinar com determinação de que o mesmo constitua parte instrutória de tal processo depende do preenchimento de dois pressupostos cumulativos: (d) que existam indícios da prática de infracção disciplinar e (ii) que o arguido tenha sido ouvido. Ora, i) Da putativa existência de indícios da prática de infracção disciplinar 31.° Cabe questionar: em que indícios da prática de infracção disciplinar se fundamentou o despacho reclamado e ratificado? Apenas 32.° A informação clínica prestada pelo Director Clínico do Centro Cirúrgico de ... quanto à data em que se realizou a cirurgia a que a Senhor Juíza, ora Requerente, foi submetida. Porém, 33.° Conforme se demonstrará infra, este meio de prova consubstancia prova ilícita, porque obtida de forma ilegal e com violação dos direitos fundamentais da Exma. Senhora Juiz, ora Requerente 34.° O que determina a impossibilidade de ser usado como meio de prova. Do que, 35.° Inexistindo prova destes "indícios", forçosamente se deverá concluir pela inexistência de indícios da prática de infracção disciplinar e, 36.° Consequentemente, pelo não preenchimento do primeiro requisito.
Com efeito, 37.° A informação prestada pelo Exmo. Director do Centro Cirúrgico de ... na sequência da denúncia é, mais uma vez, obtida ilegalmente, com violação do direito à reserva da intimidade da vida privada.
38.° O direito à reserva da intimidade da vida privada, emanação do princípio da dignidade da pessoa...
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