Acórdão nº 0658/09.5BELRA 01263/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 12.02.15, que decidiu “conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido na parte impugnada e, julgando a ação improcedente, absolver o réu dos pedidos”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF de Leiria, de 17.10.13, que decidiu “julgar parcialmente procedente a presente acção e em consequência: a.

Anula-se o despacho proferido a 6 de Março de 2009 – Despacho n.º 04/2009 PC – de revogação das reclassificações dos associados do autor, A………… e B…………, mantendo-se, porém, tal revogação em relação aos associados C…………, D………… e E…………, e b.

Anula-se o despacho de restituição dos valores recebidos por todos os associados do autor, enquanto bombeiros municipais, proferido a 6 de Março de 2009 – Despacho n.º 04/2009 PC”.

  1. O A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 280 a 282v.): “1º O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 16 de Fevereiro de 2015, que revogou a sentença proferida pelo TAF de Leiria que anulara os actos que haviam declarado a nulidade da reclassificação profissional dos associados do A. e exigira a reposição das verbas por eles auferidas enquanto exerceram as funções para que haviam sido reclassificados – e julgou a acção especial de Impugnação totalmente improcedente, considerando válidos os actos que tinham declarado a nulidade da reclassificação e exigiam a reposição das remunerações auferidas no exercício efectivo de tais funções.

    1. Salvo o devido respeito, para além de enfermar de nulidade, de contrariar a jurisprudência deste venerando Supremo Tribunal Administrativo e de ir contra o que anteriormente o próprio Tribunal a quo já decidira, julga-se que o acórdão recorrido suscita três questões fundamentais cujo relevo social e jurídico se afigura ser inquestionável no universo do Direito e da Justiça administrativa, a saber: 1ª a ilegalidade do acto de reclassificação profissional implica a obrigação de os funcionários reclassificados reporem o dinheiro auferido pelo exercício efectivo de funções ou, pelo contrário, essa reposição por parte de quem exerceu de boa fé tais funções envolve um locupletamento à custa alheia por parte de quem praticou o acto ilegal e beneficiou da prestação de trabalho? 2ª é compatível com o direito fundamental à retribuição – por na prática traduzir a prestação e trabalho gratuito – e com os princípios da justiça e boa fé da Administração que se interprete o art.º 36º do DL 155/92 no sentido permitir a reposição de dinheiros abonados quando o trabalho foi prestado de boa fé e quando quem recebe e beneficia do trabalho correspondente à remuneração que foi paga é justamente quem cometeu a ilegalidade? 3ª em sede de reclassificação profissional a idoneidade do funcionário para o exercício das funções tem de ser comprovada pela frequência do estágio exigido para ingresso na carreira ou, pelo contrário, por se tratar de um regime especial de preenchimento de postos de trabalho basta-se como reconhecimento da existência de uma situação de desajuste funcional, que é pressuposto da reclassificação? 3º As questões suscitadas pelo acórdão recorrido possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, encontrando-se preenchidos os pressupostos de que o art.º 150º do CPTA faz depender a admissão do recurso de revista.

      Na verdade, 4º Saber-se se um funcionário público que execute determinadas funções com base num acto praticado pela Administração tem ou não de repor a remuneração correspondente às funções efectivamente exercidas quando, mais tarde, a Administração constate a ilegalidade do acto que legitimou a atribuição de tais funções, é seguramente matéria que não só tem a capacidade expansiva para justificar o recurso de revista como seguramente reveste a importância jurídica e social exigida para o efeito, seja pela natureza falimentar que é reconhecida à remuneração, seja pela natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias que é reconhecida ao direito fundamental consagrado no art.º 59º/1/a) da Constituição.

    2. Para além disso, a primeira das questões suscitadas contende ainda com a atribuição ou não atribuição de efeitos putativos a actos nulos, possibilidade essa que se encontra prevista no art.º 134º/3 do CPA e que, por isso mesmo, justifica a intervenção do STA na delimitação de uma possibilidade prevista na lei, de forma a que se fixe uma orientação jurisprudencial que possa servir de base para no futuro se aferir se o Estado pode exigir a um trabalhador que preste determinado trabalho e depois lhe venha exigir o que pagou por esse trabalho com o argumento de que não poderia ter exigido o mesmo.

    3. Acresce, ainda, que a intervenção deste Venerando Supremo Tribunal justifica-se igualmente para pacificar divergências jurisprudenciais do próprio TCASul, uma vez que, ao contrário do que no aresto em recurso foi decidido, aquele mesmo Tribunal já anteriormente havia considerado que não há lugar à reposição de quantias quando “além da boa fé, o funcionário tiver realmente prestado o serviço pelo qual foi pago” (v. Ac. do TCA Sul de 30/11/2000, Proc. n.º 256/97, disponível em www.dgsi.pt).

    4. Por fim, por força do nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade – que só permite o recurso para o Tribunal Constitucional depois de esgotados os recurso ordinários –, julga-se igualmente que sempre que se suscite em termos m coerentes a inconstitucionalidade de uma norma se justifica a intervenção do STA para se pronunciar sobre tal inconstitucionalidade, pelo menos na ausência de uma Jurisprudência firmada pelos tribunais inferiores.

    5. Também a terceira questão fundamental justifica a sua apreciação em sede de revista para efeitos de uma melhor aplicação do direito, uma vez que o aresto em recurso decidiu exactamente em sentido contrário à jurisprudência firmada por este Venerando Supremo Tribunal em Acórdão de 2 de Fevereiro de 2006, proferido no Proc. n.º 01033/05 – sendo o argumento de que os trabalhadores não invocaram que estavam numa situação de desajuste funcional uma mera forma de encapotar a rebeldia para com o decidido anteriormente por este douto Tribunal, pois bastava ler os art.ºs 4º e 19º da p.i. para se poder constatar que o desajuste funcional foi claramente invocado pelo Recorrente.

    6. Consequentemente, julga-se estarem preenchidos in casu os pressupostos de que o n.º 1 do artº 150º do CPTA faz depender a admissibilidade do recurso de revista, devendo este ser admitido e apreciadas e resolvidas as questões de importância fundamental suscitadas pelo acórdão recorrido.

    7. Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se o aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artº 615º do CPC, uma vez que revogou a sentença da 1ª Instância e julgou totalmente improcedente a acção sem ter apreciado a questão da inconstitucionalidade do art.º 36º do DL n.º 55/92 (suscitada nos artºs 36º a 39º da p.i.) e sem mesmo ter apreciado e conhecido todas as causas invalidantes que haviam determinado a 1ª Instância a anular os actos impugnados, tendo-se limitado à apreciação do vício da violação do princípio da boa fé e da protecção da confiança mas deixado por conhecer a questão do enriquecimento sem causa, que fora um dos vícios autónomos conhecidos e julgados procedentes pelo TAF de Leiria.

    8. Por fim, ao revogar a sentença do TAF de Leiria e ao julgar legais os actos que haviam declarado a nulidade da reclassificação profissional e exigido a reposição das remunerações correspondentes às funções efectivamente exercidas pelos trabalhadores reclassificados, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, porquanto: - desrespeita frontalmente a jurisprudência firmada por este Venerando Supremo Tribunal no acórdão de 2 de Fevereiro de 2006; - atenta frontalmente contra os princípios da boa fé e protecção da confiança, pois as quantias em causa corresponderam ao trabalho prestado e foram recebidos de boa fé; - traduz um enriquecimento sem causa da entidade demandada à custa dos seus trabalhadores, pois obrigou-os a exercer determinadas funções e depois não lhes paga o trabalho que foi efectuado e que teria de pagar a qualquer outra pessoa que o fizesse levando a que os trabalhadores tivessem que prestar um determinado trabalho gratuitamente; - interpreta em sentido inconstitucional o art.º 36º do DL n.º 155/92 por violação do direito fundamental à retribuição e por violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

      Nestes termos, a) Deve ser admitido o recurso de revista por se verificarem os pressupostos do art. 150º do CPTA; b) Deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências”.

  2. O R., ora recorrido Município do Cartaxo (MC), apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões: “- Não existe qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e jurisprudência anterior deste Supremo Tribunal, designadamente do Ac. de 02/02/2006 proferido no Procº nº 1033/05; - A questão da legalidade da reposição de remunerações já foi objecto de uniformização de jurisprudência que é consonante com o Acórdão recorrido; - Não existem, assim, questões que tenham especial relevância ou que possam contribuir para a melhor aplicação do direito; - Deste modo, não deve o recurso ser admitido. Não obstante, e sem conceder, - Não existiu...

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