Acórdão nº 0175/11.3BELSB 0256/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O ESTADO PORTUGUÊS - representado pelo Ministério Público - interpôs este «recurso de revista» do acórdão de 09.11.2017, pelo qual o Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS] concedeu parcial provimento ao «recurso de apelação» interposto por A…………, e, em conformidade, o condenou a pagar-lhe os «honorários devidos à sua mandatária judicial» em quantia que vier a ser oportunamente liquidada.

    Culmina assim as suas alegações de revista: 1- Impõe-se a intervenção do STA, o mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao «erro clamoroso de julgamento» do tribunal recorrido, na aplicação do direito, e deste aos factos, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos e económicos muito relevantes, e para dissipar dúvidas sobre a matéria de direito em apreço e sobre o quadro legal que a regula, havendo utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, visando a boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, nos termos do artigo 150º do CPTA; 2- No caso, não se mostram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil do Estado, dado que «não ficou demonstrada a existência de facto ilícito, culpa, e nexo de causalidade» entre o facto e o dano ou prejuízo - ver AC STA de 17.01.2007, processo nº01164/06; 3- Inexiste facto ilícito, porque a demora do processo nº442/96 não é imputável no essencial ao recorrente [tribunal e organização do serviço], antes se podendo concluir do probatório que os atrasos e demora verificados se devem essencialmente à conduta das partes, em especial dos réus, em que se inclui a ora recorrida, os quais conduziram a um atraso, de pelo menos cerca de 9 anos, que lhes é exclusivamente imputável; 4- Como resulta das alíneas «K), W) a CC), EE) a HH), e LL) a GGGGG)» do probatório, a demora do dito processo cível verificou-se sobretudo em consequência de requerimentos, renúncias a mandatos, adiamentos pedidos pelas partes, neste caso por parte da autora [então ré], a atribuir a faltas dos seus mandatários, e também à suspensão do processo por óbito do marido da mesma, não desconhecendo a dificuldade de agendamento de diligências por parte do tribunal e que as suas condutas iriam prolongar no tempo a duração do processo; 5- Atendendo ao exposto e às mencionadas condutas das partes, pode-se considerar que, pese embora não pareça razoável a duração total do processo, a mesma apenas parcialmente é de atribuir ao Estado Português, sendo justificável e muito mitigada pelas aludidas circunstâncias, traduzindo-se numa demora de, apenas, cerca de 4 anos, a qual se mostra compatível com a natureza e complexidade dos autos; 6- Para além do exposto, em concreto, como já salientado e demonstrado nos presentes autos, a demora do processo não foi particularmente lesiva de quaisquer direitos da ora recorrida que não demonstrou o nexo de causalidade quer dos «danos não patrimoniais» invocados, quer dos «danos patrimoniais», como, aliás, foi decidido no douto acórdão recorrido; 7- Por outro lado, os danos em que o Estado Português foi condenado são claramente não indemnizáveis, pois não respeitam os critérios da responsabilidade por facto ilícito, consignados nos preceitos citados no douto acórdão recorrido, assim como os constantes do artigo 483º, do CC e Lei nº67/2007, de 31.12, e seus artigos 9º e 12º [aplicável, atendendo à data em que terminou a acção cível em apreço - artigo 12º do CC]; 8- A conduta do Estado Português, a que alude a matéria de facto, não é reprovável ou ilícita, na medida em que não ofende quaisquer normas legais, pois que a actuação do tribunal, ao tempo, era regular numa situação desta natureza em virtude da lei processual civil vigente à data, que permitia adiamentos consecutivos, não vinculando os advogados a comparecer mediante acordo prévio, inexistindo limites legais e temporais para tal, assim como para o reagendamento de diligências, sendo os prazos meramente indicativos; 9- Para além do exposto, há que ter em conta que a ora autora, na qualidade de ré, perdeu a acção em apreço em todas as instâncias, foi condenada a restituir o imóvel e a pagar rendas em atraso, tendo usado de todos os meios aos seu dispor para revogar a sentença da primeira instância, e enquanto devedora-incumpridora no processo em causa, o que lhe é subjectiva e objectivamente imputável, o que originou, assim igualmente, a sua demora; 10- Embora não deva ser prejudicada pelo exercício do seu direito, que não se mostra diligente nem regular no âmbito dos referidos autos, também não se deve, em virtude desse exercício, ser mais rigoroso com a Justiça/Estado Português do que com as suas contrapartes, e atribuir-lhe, sem mais, as consequências da demora do processo em virtude do uso desses meios, sendo certo que aquelas contribuíram necessária e cabalmente para o atraso total verificado, e numa proporção muito maior; 11- A ilicitude, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não significa a mera violação de uma disposição legal, pois que se destina a proteger interesses alheios, não se reconduzindo a um mero comportamento objectivamente antijurídico, exigindo também um desvalor da conduta quanto ao resultado, isto é, que se mostrem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjectivas dos cidadãos, pelo que, não se poderá considerar como verificada a ocorrência de facto ilícito inexistindo, por via disso, obrigação de indemnizar por parte do réu/recorrente - AC STA, de 21.05.2015, processo nº072/14 e ver artigo 9º da citada Lei nº67/2007, de 31.12 e artigo 563º do CC; 12- O pagamento de despesas com honorários de advogados e taxas de justiça é excepcional e tem um regime específico distinto do regime geral de responsabilidade civil, ficando fora do âmbito dos prejuízos indemnizáveis, a não ser nos casos a que se referem os artigos 542º e 543º nº1 alínea a), 610º, e seu nº3, e 540º do actual CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA, situações que não estão em causa, não sendo os referidos preceitos aqui aplicáveis; 13- Na conta final já não entra em regra de custas, nem se contabiliza a procuradoria a favor do vencedor para compensar o dispêndio com o mandato judicial, podendo este reclamar o valor que entender a título de honorários e despesas com o mandato, na nota discriminativa e justificativa das custas de parte a remeter directamente à parte vencida, nos termos dos artigos 533º, do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, e 25º e 26º, ambos do RCP; 14- Como exposto, a autora não obteve procedência total desta acção, tendo o recorrente sido absolvido quanto aos «danos patrimoniais e não patrimoniais», e, apenas, o foi neste segmento de que se recorre, pelo que, tendo ficado vencida nesta acção, não lhe é devido o pagamento das despesas com os honorários de advogado, e, a ser parte vencedora, sempre o seria numa proporção ínfima - muito inferior à do Estado - pelo que este nunca podia responder pela totalidade dos honorários [artigos 25º e 26º do RCP, com referência ao artigo 533º do CPC]; 15- Acresce que o pedido em causa não foi sequer minimamente demonstrado, e também não foi devidamente identificado e quantificado com o necessário rigor, nem provada ou produzida prova sobre a existência de tais despesas, nem a demora da referida acção foi particularmente lesiva de quaisquer direitos da autora, como demonstrado e exposto, pelo que se discorda do entendimento que conduziu à responsabilização do Estado Português pelo «alegado dano patrimonial em apreço», que não pode considerar-se incluído nos prejuízos a que alude o artigo 564º nº1 do CC [o que resulta dos artigos 25º e 26º do RCP; AC do STJ, de 23.09.2008, Rº2109/08 - 6ª Secção; ver também os artigos 342º, 487º, nº1, do CC, e 552º, nº1 alínea d), do CPC]; 16- Para além do exposto, em concreto, como demonstrado nos presentes autos e já referido, não se mostram provados quaisquer dos danos invocados na PI, nem a demora da referida acção foi particularmente lesiva de quaisquer direitos da autora, a qual nem sequer demonstrou o nexo de causalidade entre os danos em causa e a morosidade da justiça, ou que os mesmos são especiais e anormais e fora do que é habitual em casos desta natureza; 17- O acórdão de que se recorre enferma de «erro flagrante de direito ou de julgamento» e na sua aplicação aos factos provados, nomeadamente com erro de interpretação dos artigos 8º, nº2, 20º, nº4, e 22º, da CRP, e 6º, nº1 da CEDH, [2º, nº1, 4º, nº1, 6º e 9º, do DL nº48051, de 21.11.67], 342º, 483º, 487º, e 563º do CC, assim como 358º, nº2, 533º, 552º, nº1 alínea d), e 609º, nº2, do CPC, aplicáveis ex vi 1º do CPTA, e 25º e 26º do RCP; 18- Assim como ofende princípios do processo equitativo [20º nº4 CRP] e da proporcionalidade [ou da «justa medida», segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª edição, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 20º, página 415], no que concerne ao Estado Português; 19- Pelo que deverá ser «revogado» e substituído por outro que «julgue a acção totalmente improcedente» e não provada e «absolva o réu/recorrente da totalidade do pedido».

    1. A recorrida A…………, autora da acção, contra-alegou concluindo assim: 1- Com o devido respeito pela opinião em contrário, não assiste qualquer razão ao recorrente, devendo confirmar-se a decisão recorrida; 2- A decisão recorrida não padece de qualquer vício de interpretação do direito, encontrando-se devidamente fundamentada em mais de 20 acórdãos proferidos pelo STA entre 1992 e 2017; 3- O «pagamento das despesas e honorários a advogado» segue um regime legal distinto do regime geral da responsabilidade civil da administração, estando este valor a cargo do Estado Português sempre que se mostre obrigatória a constituição de mandatário judicial, tal como evidentemente sucede nos presentes autos; 4- A propósito do tema pronunciou-se o STA de forma...

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