Acórdão nº 52/18.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAÍNHO
Data da Resolução09 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção de Contencioso): I - RELATÓRIO ... recorre para este Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 11 de Julho de 2017 que manteve a deliberação do Conselho Permanente de 2 de Maio de 2017 que lhe havia aplicado a pena disciplinar de advertência registada por violação dos deveres de acatamento da decisão do tribunal superior e de correção, previstos e sancionados nos termos dos art.s 4.º, n.º 1, 82.º, 85.º, n.º 1, alínea a) e 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e 73.º, n.ºs 1 e 2 alínea h) e n.º 10 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei nº 35/2014).

Sustenta que o ato impugnado padece de nulidade (i) por omissão de pronúncia, (ii) por violação dos direitos fundamentais de audiência, defesa e contraditório, (iii) por contradição na fundamentação e entre esta e a conclusão, e (iv) por violação do princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência. Mais pretende que o ato deve ser revogado (v) por ter ocorrido uma errada determinação da sanção disciplinar por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade e (vi) por não ter existido violação dos deveres de acatamento e de correção, e por os magistrados não estarem sujeitos ao dever de obediência.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Foram produzidas alegações, onde a Recorrente e o CSM mantiveram os seus pontos de vista.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi depois proferido acórdão neste Supremo Tribunal de Justiça, que julgou improcedente o recurso.

Notificada do acórdão, apresentou a Recorrente requerimento onde, além do mais, suscitou a nulidade processual decorrente da não notificação do parecer do Ministério Público.

A arguição foi julgada procedente, com a consequente anulação do processado subsequente à junção da alegação do Ministério Público.

Na sequência, veio a Recorrente pronunciar-se sobre a alegação do Ministério Público.

+ Mostra-se apensado o processo disciplinar.

+ Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

+ Questão prévia Na sua petição de recurso a Recorrente não arrolou qualquer prova pessoal a produzir perante este Tribunal, nem tão pouco requereu a realização de qualquer audiência pública destinada a ser ouvida. Por isso foi o caso oportunamente julgado, sem outras formalidades, em conferência, aliás de acordo com a tramitação legal estabelecida na lei.

Somente depois de notificada do acórdão proferido (e entretanto anulado) é que a Recorrente veio falar, através da reclamação que apresentou, da realização de uma audiência pública, quer “para a discussão da matéria de facto e dos meios de prova carreados pela Impugnante”, quer para “realização de prova e para reapreciação da matéria de facto fixada pelo CSM”, quer ainda para explicações orais (“dando uma derradeira oportunidade à reclamante de explicar de viva voz as razões da sua conduta processual”), quer até para efeitos de apresentação de prova documental (“dando-se assim a possibilidade de carrear mais documentos para os autos”). Também na sua pronúncia sobre o parecer do Ministério Público alude a Recorrente à audiência, mas aqui deixando expressamente o assunto nas mãos do Tribunal (“caso seja considerado necessário”).

Sobre esta temática é o seguinte o nosso entendimento: Tendo em vista a lei ordinária, não há no presente recurso qualquer espaço para a realização da pretendida audiência pública, independentemente das suas finalidades. Tal formalidade não está prevista no EMJ (que, ao invés, até parece rejeitá-la). E no Código do Processo nos Tribunais Administrativos (v. o respetivo art. 91º, aplicável ex vi do art. 178.º do EMJ) admite-se a possibilidade da realização de audiência final apenas quando haja prestação de depoimentos de parte, inquirição de testemunhas ou prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos. No caso vertente, nenhuma destas provas foi requerida, e muito menos a seu devido tempo, pelo que, à luz do direito ordinário interno, consideramos carecida de fundamento processual a realização de uma audiência.

A Recorrente invoca, porém, a propósito, o art. 6.º, § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E como se dirá mais abaixo, e é imposto pelo art. 8º da Constituição da República Portuguesa, importa atender aos ditames desta Convenção, tal como interpretados, substanciados e densificados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Ocorre, todavia, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (e como emerge, nomeadamente, da decisão proferida no caso Ramos Nunes de Carvalho e Sá contra Portugal, melhor identificada abaixo), aceita que é compatível com a Convenção a não efetivação de uma audiência oral e pública quando não estejam em causa questões de credibilidade ou factos contestados para cuja apreciação seja realmente necessária ou útil essa audição. Ora, o que está em causa no presente recurso é a apreciação de factos documentados em peças judiciárias (sentenças proferidas pela Recorrente e acórdão da Relação de Lisboa) juntas ao processo, afigurando-se absolutamente desnecessária e inútil qualquer audiência probatória pública nos termos visados pela Recorrente (note-se que para esta não está em causa a transparência e o escrutínio público da atividade do Tribunal, mas sim e apenas a criação de uma nova oportunidade para produção de provas e reexame dos factos).

Donde, não vemos que esteja a ser postergada a dita Convenção.

Acresce dizer que a Recorrente foi ouvida por escrito, e por mais de uma vez, no âmbito do processo administrativo (apensado ao presente recurso), tendo tido a mais ampla possibilidade probatória de se manifestar e defender, como aliás fez. E, neste recurso, foi ela própria que se fez ouvir (é a autora do recurso), tendo-se pronunciado como entendeu, quer na sua petição de recurso quer subsequentemente, do mesmo passo que apresentou as provas (apenas documentos) que entendeu apresentar. Mostra-se assim respeitado o n.º 10 do art. 32.º da Constituição da República.

Deste modo, não havendo que levar por diante qualquer audiência oral e pública, nem havendo qualquer necessidade de ouvir a Recorrente, importa decidir o caso em conferência, exatamente como estabelecido na lei ordinária, e a que este Tribunal deve obediência.

O que se passa a fazer.

II - ÂMBITO DO RECURSO Importa ter presentes as seguintes coordenadas: - O teor da impugnação define o âmbito do conhecimento do tribunal, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento; - Há que conhecer de questões, e não das razões, argumentos ou fundamentos que às questões subjazam; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

+ São questões a conhecer: - Nulidade do ato recorrido por (i) por omissão de pronúncia, (ii) por violação dos direitos fundamentais de audiência, defesa e contraditório, (iii) por contradição na fundamentação e entre esta e a conclusão, e (iv) por violação do princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência.

- Ilegalidade do ato recorrido (v) por ter ocorrido uma errada determinação da sanção disciplinar por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, e (vi) por não ter existido violação dos deveres de acatamento e de correção, e por os magistrados não estarem sujeitos ao dever de obediência.

+ III - FUNDAMENTAÇÃO De facto A deliberação impugnanda teve por provados os factos seguintes: 1. A Senhora Juíza Dra. ..., por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada de 08.07.2014, foi nomeada Juíza de Direito da instância local criminal do Tribunal do Seixal, da Comarca de Lisboa, ali exercendo funções, ininterruptamente, até à atualidade.

  1. Na prossecução da função jurisdicional em que se encontra investida, coube à Senhora Juíza a tramitação do processo comum singular nº 1824/12.1 TASXL, tendo presidido à respetiva audiência de julgamento que decorreu por sucessivas sessões e culminou com a publicação da sentença absolutória no dia 06.07.2015.

  2. Da sentença interpôs recurso o Magistrado do Ministério Público, que foi distribuído à 3ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador ....

  3. Recurso que motivou a acórdão proferido em 09.03.2016, e que em síntese, na parte decisória determinou «o reenvio do processo para novo julgamento sobre a totalidade do objecto da acusação, após o que, em conformidade, se deverá elaborar nova sentença.» 5. Consta ainda desse acórdão a seguinte passagem: “... São muitas e insanáveis as contradições da sentença recorrida, ocorrendo aqui o vício previsto na al) b do nº 2 do art.º 410º do CPP, qua conduz à anulação do julgamento e respectivo reenvio nos termos do art.º 426º, nº 1 do CPP.” (pág. 84 de tal aresto) 6. Ou de outro passo, a final a pág.87 "... os vícios assinalados assumem uma dimensão que afecta a globalidade do julgamento...., pelo que se impõe o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.º 426º, nº 1 do CPP”; ou, igualmente no dispositivo final “...

    acordam em anular a sentença recorrida e determinar o reenvio do processo para novo julgamento ...”.

  4. Rececionada aquela decisão do tribunal superior, a Senhora Juíza ..., tomou ela própria a ulterior prossecução dos autos e procedeu à reabertura da audiência de julgamento anterior, proferindo nova sentença, corroborando o veredicto absolutório anterior.

  5. A Senhora Juíza, por certo não se conformando com os apontados vícios anulatórios da sentença que proferira, decidiu contrariar a ordem do acórdão e sustendo os autos sob a sua alçada, limitou-se a reabrir formalmente a audiência de julgamento, sem produção de prova, e proferiu outra sentença.

  6. Não sem, na referida “nova” sentença, datada de 13.06.2016, que afinal reproduz a anterior, por remissão - «10. a) Decide-se de novo nos exactos termos primeiramente...

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