Acórdão nº 5585/12.6TBOER.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2018

Data27 Setembro 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) intentou, em 2012, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra as sociedades BB Portugal, Lda (1.ª R.), e CC, S.A. (2.ª R.), alegando, no essencial, que: .

A A. é a única filha e herdeira de DD, que faleceu, na noite de 6 para 7 de maio de 2011, em consequência de homicídio; .

DD celebrou com a 1.ª R. um contrato de prestação de serviço de instalação e manutenção dum sistema de vigilância mediante o qual lhe foi fornecido e instalado um equipamento com vista à prevenção de homejacking; .

Por via desse equipamento, mesmo com o alarme desligado, em caso de ser danificado o detetor fotovolumétrico por ação de intruso, o sistema emitiria um sinal de alarme na central da 1.ª R.; .

Além disso, o utilizador dispunha de um comando para situações de emergência, que bastava premir para emitir o sinal na referida central; .

Para tal efeito, foi definido um plano de ação que compreendia, em tais casos, o contato imediato do utilizador com os funcionários da 1.ª R. e/ ou com as autoridades policiais, bombeiros e INEM; .

No dia 0605/2011, um indivíduo estranho introduziu-se na casa de DD, onde fora instalado aquele equipamento, e assassinou-o, após luta com o intruso; .

Verificou-se então que o detetor fotovolumétrico fora arrancado da parede e desmontado, encontrando-se em cima da mesa da cozinha, sem que tivesse emitido qualquer sinal de sabotagem para a central da 1.ª R.; .

O não funcionamento do sistema alarme deveu-se ao facto de o detetor fotovolumétrico estar montado pelas R.R. de forma deficiente, tendo assim incumprido o objetivo principal do contrato, que era a segurança da vida de DD.

Concluiu a A. a pedir que as R.R. fossem condenadas, solidariamente, a pagar-lhe, na qualidade de única filha e herdeira de DD, pela perda da vida deste e pelo sofrimento que lhe foi infligido, uma indemnização no valor de € 275.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.

2.

Ambas as R.R. apresentaram contestação, em que, além de impugnar o alegado pela A., sustentaram o seguinte: 2.1.

A 1.ª R., dizendo que: .

Não tendo o alarme sido ativado na sua central na altura em que DD foi assassinado, por se encontrar desligado, nunca seriam recebidos quaisquer sinais nesta central, não podendo assim ser acionado o plano de ação; .

No contrato celebrado, a 1.ª R. apenas assumiu a obrigação de meios de vigilância, que cumpriu, e não a garantia da vida de DD, pelo que não existe nexo de causalidade entre essa obrigação e a morte deste.

2.2.

A 2.ª R., invocando a sua ilegitimidade por não ser parte no contrato celebrado e pelo facto de o referido sistema de vigilância não estar direta ou indiretamente ligado à sua central de alarmes, mas sim à central da 1.ª R.

3.

Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador a julgar improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pela 2.ª R., procedendo-se depois à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

4.

Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 1281-1321, datada de 29/02/2016, a julgar a ação parcialmente procedente: a) – Condenando-se a 1.ª R. a pagar à A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 80.000,00 acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sentença e vincendos; b) – E absolvendo-se a 2.ª R. do pedido.

5.

Inconformada, a 1.ª R. interpôs recurso para a Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 1426-1431, datado de 10/11/2016, a julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgando a ação improcedente com a consequente absolvição da 1.ª R. do pedido.

6.

Desta feita, veio a A. pedir revista, no âmbito da qual foi proferido o acórdão de fls. 1527-1537, de 04/05/2017, em que se determinou, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3, do CPC, a ampliação da matéria de facto em ordem a se fazer o confronto do relatório pericial de fls. 998 e seguintes com os factos alegados pela A. sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial com vista a apurar a causa do não funcionamento do alarme.

7.

Tendo o processo baixado à Relação, foi proferido o acórdão de fls. 1624-1629, de 11/01/2018, no qual foi considerado que, eliminado o facto 19 dado por provado na 1.ª instância e uma vez que a ele respeitavam as conclusões constantes do relatório pericial junto a fls. 998 e segs., resultava assim indemonstrado o alegado sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial, no tocante à incorreta instalação do dispositivo de deteção de intrusão, concluindo-se, em sede de direito, nos mesmos termos do precedente acórdão da mesma Relação, de 10/11/2016, referido em 5.

8.

Vem, novamente, a A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Seguindo a regra da causalidade adequada, que se encontra prevista no artigo 563.º do CC e que é adotada pela jurisprudência maioritária como forma de determinar o nexo de causalidade entre o facto ilícito perpetrado pelo devedor e o dano ocorrido, e tendo por base as regras da experiência, a omissão de emissão de um sinal de sabotagem, a consequente ausência de comunicação para dentro do imóvel, o não accionamento da polícia e dos contactos fornecidos pela vítima aquando a celebração do contrato de prestação e manutenção de serviços de segurança e de videovigilância com a Recorrida, são objetivamente adequados a causar o dano morte ocorrido; 2.ª - A luz das regras da experiência - que consubstanciam o princípio da causalidade adequada - o correto funcionamento do sistema de alarme (que não ocorreu por culpa da Recorrida, que incumpriu de forma grosseira a sua obrigação contratual de assistência, não ilidindo a presunção de culpa do artigo 799.º do CC), no dia do homicídio, ou em dia anterior, seria sempre adequado a evitar a intromissão do homicida em propriedade alheia e os demais actos ilícitos subse-quentes.

  1. - O mau funcionamento do sistema de segurança, à luz da jurisprudência do STJ, do TRC e do TRL é, nos termos do artigo 563.º do CC, causa adequada à ocorrência de intromissão indevida em propriedade alheia e à prática dos actos ilícitos daí derivados.

  2. - O Tribunal “a quo”, para além de escamotear a importância que a inoperacionalidade do sistema de segurança/alarme assumiu na produção deste dano morte, não deu cumprimento ao pedido de averiguação das causas que presidiram a esta avaria efetuado pelo STJ, limitando-se a fazer um copy-passe do primeiro acórdão de 18-11-2016, que proferiu em sede deste mesmo processo, sem apurar os motivos que originaram esta anomalia fatal.

  3. - A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis.

    Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o ato ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance). Trata-se de uma técnica a que se recorre, pois, para ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar-se a solução drástica, e em muitos casos injusta, a que conduz o modelo tradicional do tudo ou nada.

  4. - A perda de chance apresenta-se assim como que um dano de não saber, de não conseguir objetivamente demonstrar o nexo causal entre o facto do agente e o dano final, quando foi precisamente o facto do agente que causou a situação de incerteza quanto àquele nexo causal.

    Pede a Recorrente que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue a ação procedente e condene a 1.ª R. no pedido.

    9.

    A Recorrida apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto do recurso Atento o teor das conclusões da Recorrente, em função dos quais se delimita o objeto do recurso, as questões a resolver consistem em: i) – Primeiramente, saber se o acórdão ora recorrido respeitou a determinação de ampliação da matéria de facto ordenada no acórdão deste Supremo Tribunal proferido a fls. 1527-1537, de 04/05/2017, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3, do CPC; ii) – Subsidiariamente, ajuizar se, em face à factualidade provada, é imputável à 1.ª R. violação contratual, relativamente ao não funcionamento do sistema de alarme em referência, que tenha concorrido para a morte de DD provocada por homicídio. III – Fundamentação 1. Factualidade dada por provada Vêm dados como provados pela 1.ª instância os factos que aqui se reordenam nos seguintes moldes: 1.1.

    A A. é filha única de DD, este falecido no estado de viúvo no dia 7/5/2011, na sua residência sita na Urbanização …, Rua …, lote 9, …, Setúbal, e nessa qualidade, cabeça de casal e herdeira universal de seu pai – ponto 1 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 1.º a 3.º da p.i.

    ; 1.2.

    A residência referida em 1.1 é constituída por uma moradia para habitação de r/c e 1.º andar, garagem, um espaço em alvenaria com gaiolas, um canil, tudo circundado com muros e gradeamentos, ajardinamento do logradouro envolvente e plantação de um pequeno pomar, situando-se o lote na Rua …, à Rua …, lote …, … - Quinta do …, …, pelo que a entrada principal era por uma das ruas e a entrada da garagem pela outra rua das traseiras da moradia – ponto 2 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 9.º a 13.º da p.i.

    ; 1.3.

    À data do seu falecimento DD tinha 82 anos, trabalhou até à idade da reforma, e apesar de doente cardíaco, era ativo - ponto 3 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 21.º p.i.

    ; 1.4.

    Desde pelo menos o ano de 2009 que DD passou a viver na...

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