Acórdão nº 20085/16.7PRT.P1.S1.S1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelACÁCIO DAS NEVES
Data da Resolução25 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No âmbito dos presentes autos de promoção e proteção, por decisão da 1ª instância, foi aplicada à criança AA, filha de BB e de ..., a medida de confiança à “CC” com vista à sua futura adoção.

Inconformada, a mãe da criança, BB, recorreu de apelação, tendo a Relação do Porto, por acórdão constante dos autos, confirmado, sem voto de vencido, aquela decisão da 1ª instância.

Mais uma vez inconformada, veio a mãe da criança, BB, interpor recurso de revista excecional.

A Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC, a quem os autos foram distribuídos, por acórdão de 03.05. 2018, tomando posição no sentido da necessidade prévia de verificação dos requisitos de admissibilidade da revista nos termos normais, determinou que a revista fosse distribuída como revista normal, voltando os autos à Formação no caso de se considerar ser recorrível a decisão recorrida e, por despacho do Relator, após se considerarem como verificados os requisitos gerais relativos à tempestividade, legitimidade e admissibilidade resultante do valor da alçada, e por se entender estarmos em presença de uma situação de dupla conforme – determinou-se a remessa dos autos de novo à Formação, a fim de ali se tomar posição no sentido da verificação dos pressupostos invocados pela recorrente para fundamentar a revista excecional que interpôs, nos termos do nº 3 do art, 672º do CPC.

No seguimento disso, a Formação, por considerar verificado o pressuposto da excecionalidade, admitiu a revista.

Na revista, formulou a recorrente as seguintes conclusões: I - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão da Relação do Porto que confirmou a medida de confiança judicial de criança, Filho da ora Recorrente, com vista a futura adoção. II - A questão de Direito que se leva à apreciação de V. Exas. prende-se com o preenchimento factual do conceito jurídico indeterminado inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, enquanto pressuposto imprescindível de uma decisão de confiança de criança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil (CC). III - Em concreto, importa aquilatar se, a partir da matéria factual dada como assente pelas instâncias, se encontram preenchidos os pressupostos para se concluir que inexiste ou se verifica algum comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação da Recorrente em relação ao seu Filho. IV - Segundo a doutrina mais autorizada, “é requisito autónomo comum, de todas as situações tipificadas no n.º 1, do artigo 1978.º, a não existência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, vistos na perspetiva dos pais para com os filhos e nas dos filhos para com os pais, não bastando a verificação e prova de qualquer das circunstâncias tipificadas, seno, pois, condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrarem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, não bastando igualmente que o estejam os vínculos, por assim dizer, económico-sociais dela”, in Pereira Coelho, Direito da Família, vol. 2, pag. 278.

V - A apreciação desta questão jurídica é de importância fulcral no caso concreto, visto que nela assenta o requisito básico (e autónomo dos demais) de uma medida tão gravosa, como a entrega de uma criança com vista à futura adoção, no que isso tem de efeito incontornável: o corte, absoluto, radical e definitivo, da filiação biológica e natural e cessação imediata de contactos entre progenitora e Filho, cujo superior interesse importa acautelar, pois ficará privado, para todo o sempre, do contacto com a Mãe. VI - A medida de confiança de criança para futura adoção está prevista e é regulada pelos artigos 1978.º, n.º 1, do CC, e 35.º, n.º 1, alínea g), e artigo 38- A da Lei nº 147/99, na redação catual, exigindo o preenchimento de dois requisitos: (i) a não existência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, e (ii) essa inexistência ou comprometimento se deva à verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos; b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção; c) Se os pais tiverem abandonado a criança; d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. VII - A decisão recorrida considerou preenchido o segundo requisito, especificamente a alínea d) do nº 1, do artigo 1978.º do CC, mas quanto ao requisito da vinculação afetiva, da Mãe em relação ao Filho, refere-se na decisão recorrida os factos provados números 33, 34 e 40, para os quais, com a devida vénia, acima se remete. VIII - Quanto à relação Filho-Mãe, apenas está dado como provado que “O AA não demonstra sofrimento no momento da separação” (nº 35). IX - Da matéria factual assente pelas instâncias não é possível concluir que inexiste vinculação afetiva, quer da Mãe em relação ao Filho, quer deste em relação à Mãe, visto que este requisito é autónomo dos demais e deve ser apreciado em perspetival bilateral: dos pais em relação aos filhos e dos filhos em relação aos pais. X - No que respeita à perspetival do vínculo Filho-Mãe, a decisão recorrida múltiplas interrogações por responder: - A criança reconhece a Recorrente como Mãe? - A criança fica contente ao ver a Mãe nas visitas? Ou é indiferente? - De que forma a criança trata a Mãe? - A criança procura contacto visual e/ou físico com a Mãe? - A criança tem alguma figura adulta de referência? Quem? XI - Na ausência de respostas a estas questões, parece não poder concluir-se no sentido negativo, até porque em momento algum a decisão recorrida diz que inexistem ou se encontram comprometidos os vínculos afetivos do Filho em relação à Mãe. XII -Não pode concluir-se (como faz a decisão recorrida) que há impedimento da criação de vínculo afetivo próprio da filiação em resultado de a progenitora se ter colocado em situação de ausência de meios (sem que isso resulte sequer dos factos provados), pois pode haver carência de meios económicos e, mesmo assim, continuar a existir vinculação afetiva, existindo para essas situações medidas de promoção e proteção menos gravosas (para todos) e mais proporcionais e adequadas do que a confiança de criança para futura adoção. XIII - Não pode confundir-se o requisito da situação de perigo para a criança com o distinto e autónomo requisito da inexistência de laços afetivos, nem pode decretar-se a confiança para futura adoção apenas com base numa situação de perigo, eventualmente até por “responsabilidade” da Mãe, se continuar a existir vinculação afetiva, até em nome do direito da criança a manter os laços com a família biológica. XIV - Ocorre, pelo menos, insuficiência da matéria de facto dada como provada para a inferência a que chegou o tribunal a quo de que não existem vínculos afetivos, pelo que, se não for...

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