Acórdão nº 480/18.8BEALM-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Hugo...................................

e Miguel........................................ (Recorrentes) vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Almada que julgou improcedente o pedido cautelar formulado contra o Estado Maior do Exército consistente no seguinte: «a) sejam os Requerentes promovidos provisoriamente ao posto de Capitão ou, se assim não se entender, b) adoptada outra providência que porventura o Tribunal julgue mais adequada, com as legais consequências, c) Medidas a serem tomadas primeiramente a título de decretamento provisório, nos termos do disposto no artigo 131º do CPTA.

».

Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: I.

A douta sentença recorrida incorre em erro sobre os pressupostos de facto, porquanto, como resulta da factualidade dada como provada e do processo de promoção dos Recorrentes, a pendência do processo nº 89/16.0NJLSB, em que os Recorrentes são Arguidos não coloca em causa, em momento algum, a verificação da satisfação das condições gerais de promoção; II.

De facto, todas as condições gerais de promoção previstas no artigo 58º do EMFAR, a saber, o cumprimento dos respetivos deveres, o exercício com mérito das funções do seu posto, as qualidades e capacidades pessoais, intelectuais e profissionais requeridas para o posto imediato e a aptidão física e psíquica adequada foram confirmadas no Processo nº 44/SGO – Promoção ao posto de Capitão e no Processo nº 46/SGO – Promoção ao posto de Capitão (avaliação individual favorável – CASE – cf. ponto 2.a; condições gerais do artigo 58º do EMFAR – cf. ponto 2.b; Aptidão física e psíquica – cf. ponto 2.e; III.

O mesmo se diga das condições especiais. Assim, os Recorrentes têm o tempo mínimo de permanência no posto dos Recorrentes (ponto 3.d), conforme o artigo 63º, numero 1, alínea a), do EMFAR, e a frequência de Curso de Promoção com aproveitamento (ponto 3.a), conforme o artigo 63º numero 1, alínea c), do EMFAR; IV.

Não podia, assim, face ao exposto ter sido considerado para efeitos de demora na promoção e a essencialidade dos fatores subjacentes ao processo criminal em curso para verificação das condições, pois cada uma das condições foi verificada e confirmada, sem que nesta verificação se tenha constatado a influência da existência daquele processo criminal para esta verificação; V.

Esta afirmação é ainda corroborada considerando que os Recorrentes não foram alvo de nenhum processo disciplinar com fundamento nos mesmos factos que deram origem àquele processo crime, ao contrário do que sucedeu com outros militares também Arguidos no mesmo processo, ou seja, considerou o Exército não existirem quaisquer indícios de violação dos deveres a que se encontravam vinculados enquanto instrutores do Curso 127º de Comandos, não podendo, por isso, argumentar-se que as condições constantes das alíneas a): “Cumprimento dos respetivos deveres” e b): “Exercício com mérito das funções do seu posto” tivessem sido comprometidas; VI.

E nem se sustente, como o faz a douta sentença recorrida, que este processo crime não foi tido em consideração e que apenas diferiu a apreciação do preenchimento das condições gerais de promoção para momento posterior pois ao diferir-se uma suposta apreciação do preenchimento das condições por causa da existência deste processo, resulta evidente que o mesmo está a ser tomado em conta VII.

A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, embarca no raciocínio enviesado da Entidade Demandada, na medida em que não aponta, como não aponta o ato impugnado na ação principal, qual ou quais as condições gerais de promoção é que ficam impedidas de se verificar enquanto não existir trânsito em julgado do processo crime ou necessitam deste trânsito para se considerarem verificadas; VIII. Ainda que a competência da decisão seja do Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército, no caso em apreço foi proposta a demora «caso se considere que os respetivos processos não põem em causa a satisfação das condições gerais de promoção». Porém, o despacho limita-se a concordar com a proposta não indicando se, efetivamente, considera que o processo impede a satisfação das condições gerais, e se sim, que condições é que estão, para já, prejudicadas.

IX.

É, assim, evidente que a douta sentença incorre em erro de julgamento quanto ao erro sobre os pressupostos de facto de que padecem os atos impugnados de demora na promoção e que os inquinam de anulabilidade nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo; X.

Além de incorrer em erro sobre os pressupostos de facto, a douta sentença recorrida incorre, ainda, em erro de julgamento quanto ao vício de violação de lei da douta decisão impugnada na ação principal, nomeadamente a violação do artigo 59º, nº 2, do EMFAR, porquanto este artigo determina que não pode ser «matéria de apreciação [das condições gerais de promoção] aquela sobre a qual exista processo pendente de qualquer natureza, enquanto sobre o mesmo não for proferida decisão definitiva»; XI.

Ora, ao considerar na verificação das condições gerais de promoção o processo crime em que os Recorrentes são arguidos e sobre os quais ainda não foi proferida qualquer decisão (consideração essa que se basta com o diferimento da apreciação das mesmas para a altura do trânsito em julgado do processo crime, ao contrário do que entende a douta decisão recorrida), os atos impugnados de demora na promoção violaram aquele preceito legal, e, por isso, são anuláveis, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA; XII.

A douta sentença recorrida incorre, ainda, em erro de julgamento quanto à ilegalidade invocada da decisão de demora na promoção com fundamento na interpretação inconstitucional do artigo 67º, nº 1, alínea c), do EMFAR, por violação do princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa [CRP); XIII. De facto, a demora na promoção, com o fundamento dos atos impugnados, constitui a aplicação de um efeito punitivo a título cautelar, em relação ao qual os Recorrentes não puderam, sequer, apresentar defesa, ao contrário do que sucede no próprio processo penal; XIV.

Constitui, ainda, a demora na promoção, um verdadeiro efeito automático da instauração do procedimento criminal pois, como se demonstrou, os atos impugnados não sustentam a não verificação das condições gerais e especiais de promoção na pendência daquele processo crime, sendo a sua mera existência que, na perspetiva dos atos impugnados, implica, automaticamente, a demora na promoção dos Recorrentes, o que é inaceitável à luz daquele princípio – neste sentido veja-se o douto Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 28.02.2002, proferido no processo nº 3740/99, disponível em www.dgsi.pt, que afirmou: “Quer dizer, apenas porque era arguido num processo, e contra mesmo o comando imperativo do art. 32º, nº2, da CRP, acabou por ficar demorado na promoção, ao abrigo do disposto no art. 66º, nº1, al.c), do EMFAR (preceito que por isso nos parece de muito duvidosa constitucionalidade)” (o sublinhado é nosso); XV.

Este princípio aplicável ao processo penal irradia para os restantes domínios do direito, mormente para os procedimentos de natureza administrativa; XVI.

A imposição da demora na promoção, pela mera existência daquele processo pendente, sujeita os Recorrentes a terem que esperar pelo desfecho de um processo, com danos irreversíveis para a sua carreira, devido a uma possível espera prolongada e indeterminada da decisão final e definitiva. Danos que a promoção retroativa não apagará, nomeadamente os resultantes da subordinação a que passarão a dever a militares com a mesma antiguidade ou mais modernos, para além dos efeitos financeiros por continuarem a receber valores da graduação em que estão “congelados”; XVII. Nessa medida, a interpretação efetuada pela decisão reclamada, do artigo 67º, nº 1, alínea c), do EMFAR é inconstitucional e, por isso, ilegal, sendo a mesma nula por violar direitos, liberdades e garantias, nos termos e para os efeitos do artigo 161º, nº 2, alínea d), do CPA, incorrendo, por essa razão, a douta sentença recorrida em erro de julgamento.

XVIII.

O douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.02.2003, proferido no âmbito do processo nº 01129/02, disponível em www.dgsi.pt, citado pela douta sentença recorrida para sustentar que a demora na promoção não tem natureza punitiva, não se pronuncia sobre a questão fulcral que este recurso agora nos traz – a possibilidade de demora na promoção com base em processo crime ainda não transitado em julgado, antes estando em causa a aplicabilidade do princípio ne bis in idem quando, transitado o processo crime em julgado com sentença condenatória, por crime praticado no exercício de funções, o militar é preterido na promoção por não reunir as qualidades pessoais e profissionais consideradas necessárias; XIX. Do que se trata, neste recurso, é da pendência de um processo crime, não transitado em julgado, contra os Recorrentes em que supostamente se devia presumir a sua inocência, que se encontra a causar um prejuízo irreparável, mais do que evidente, independentemente de a demora na promoção ter ou não natureza sancionatória; XX. Estamos, assim, perante uma situação em que um processo de natureza penal, não resolvido, se encontra a legitimar a restrição de um direito, em decorrência da sua simples existência, no campo não criminal, antes administrativo, restrição essa manifestamente desproporcional, em desrespeito pelo artigo 18º, nº 3, da CRP; XXI. Ainda que a não promoção ou demora na mesma não tenha natureza punitiva, no sentido criminal, sancionatório ou disciplinar, deverá entender-se, ainda assim como lesiva e, por isso, é-lhe aplicável o princípio penal da presunção de inocência, previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Europeia de...

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