Acórdão nº 01460/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução19 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 31 de Maio de 2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., S.A., com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1999 e juros compensatórios no valor remanescente de EUR 415.072,69, apresentando para tanto as seguintes conclusões: A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1999 e juros compensatórios no valor remanescente de € 415.072,69, por falta de notificação do despacho fundamentado que alterou o âmbito e a extensão do procedimento inspetivo que a impugnante foi alvo.

B.

Sem colocar em crise a matéria de facto dada como provada considera, no entanto, a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que não se verifica qualquer vício de violação de lei e/ou dos princípios da boa fé e da colaboração.

C. Outrossim considera a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito, que o inciso decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, fazendo uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos n.º 15.º e 49.º do RCPIT, bem como o art.º 59.º n.º 3 alínea l), da LGT, o art.º 266.º n.º 2 da CRP e ainda os princípios da boa fé e da colaboração.

D.

O ato de liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 1999 foi emitido na sequência de uma ação inspetiva realizada entre 31.07.2003 e 19.12.2003 que teve o seu âmbito e extensão ampliado por despacho fundamentado de 28.11.2003.

E.

O despacho fundamentado que determinou a ampliação da ação inspetiva não foi objeto de notificação autónoma, porquanto, o artigo 15.º n.º 1 do RCPIT, na redação à data dos factos (inspeção realizada em 2003), não impunha o cumprimento de tal formalidade.

F.

Considera a Fazenda Pública que o douto decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 15.º n.º 1 do RCPIT, na redação à data em vigor.

G.

Efetivamente, o preceito em causa permitia, à data, a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento de inspeção, durante a sua execução, desde que a entidade que tivesse ordenado a mesma o consignasse em despacho devidamente fundamentado.

H.

O que sucedeu no caso em apreço: a inspeção decorreu no período compreendido entre 31.07.2003 e 19.12.2003, e o despacho que determina a alteração do âmbito e extensão é datado de 28.11.2003.

I.

Mas não impunha, à data (2003), a notificação do sobredito despacho, pois essa exigência apenas foi introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30/08.

J.

Ressalvado sempre o devido respeito, a Fazenda Pública também não aceita nem concede que tenha manifesta e intencionalmente decidido não notificar a Impugnante do despacho fundamentado de ampliação do âmbito e extensão do procedimento inspetivo com o intuito de negar o acesso aos fundamentos que determinaram a referida ampliação e impedindo-a de sindicar a respetiva legalidade.

K.

Ainda que tivesse ocorrido a alegada violação de Lei por preterição de formalidade essencial, o que não se concede, é entendimento da Fazenda Pública que se verifica, in casu, a conversão desta em preterição legal não essencial, porquanto, a impugnante exerceu sobre o projeto de relatório com as correções propostas em sede de Inspeção Tributária para o ano de 1999, após notificação para o efeito, o respetivo direito de audição/contraditório previsto no artigo 60.º da LGT, sem que nessa sede tivesse sido aflorada a questão aqui invocada da preterição de formalidade.

L.

A falta de notificação do despacho que alterou o âmbito e extensão do procedimento de inspeção deve considerar-se degradada em formalidade não essencial e como tal não invalidante da liquidação posterior, quando se possa concluir com um grau de certeza acima de qualquer dúvida razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, quer porque o contribuinte prestou a sua colaboração com a fiscalização nesse âmbito alargado sem jamais haver colocado em causa a falta da notificação do despacho, só o fazendo em sede de impugnação judicial.

M.

Verificando-se assim uma ratificação expressa do ato inspetivo por parte da impugnante, não podendo esta vir agora impugnar um ato do qual teve pleno conhecimento, no qual participou como parte integrante, aceitando-o plenamente sem qualquer oposição.

N.

A Impugnante prestou colaboração ao longo de todo o procedimento inspetivo, interagindo diretamente com os SIT, o que mais uma vez comprova a aceitação do ato inspetivo e o pleno conhecimento dos factos.

O.

Inexistiu vício de violação de Lei por inobservância do preceito legal. n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, cfr. neste sentido o Acórdão do TCA Sul n.º 01078/03 de 2004.11.16.

P.

A Fazenda Pública também não aceita nem concede que o procedimento tributário de inspeção tenha violado, de qualquer forma, os princípios da boa fé e da colaboração.

Q.

O princípio da boa-fé está consagrado, entre outros, no disposto no artigo 59.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e no n.º 2 do art.º 266.º da CRP e pressupõe que a administração tributária atue segundo a boa fé. Trata-se de uma exigência com conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que atuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de atuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições. Não foi claramente a situação! R.

Em sintonia com o preceituado no artigo 59.º da Lei Geral Tributária o artigo 48º do Código de Procedimento e Processo Tributário estabelece ainda que a administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem.

S. Assim sendo, por força do preceituado no artigo 266.º da CRP, a atividade da administração tributária tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, como efetivamente sucedeu.

T.

O ato administrativo tem de ser em tudo conforme com a lei, sob pena de ilegalidade. A necessidade de rigorosa subordinação à lei é a primeira das características essenciais do ato administrativo, a tal obriga o princípio da legalidade (vide, entre outros art.º 266.º, n.º 2 da CRP, art.º 8.º n.º 2, al. a) da LGT), como se verificou no caso.

U. Como se constata dos autos, foi dado cumprimento ao estipulado no artigo 15.º do RCPIT, não ocorrendo, portanto, qualquer vício que possa inquinar o procedimento de inspeção de âmbito geral e parcial que visou a impugnante relativamente ao ano de 1999.

V. A pretendida falta de notificação do despacho fundamentado que ampliou o âmbito e a extensão da inspeção neste procedimento não impediu que o contribuinte ficasse ciente do âmbito da ação inspetiva, de tal forma que cooperou com a inspeção como a lei dispõe nos termos dos seus art.ºs 9.º e 48.º e segs do RCPIT, em ordem a apurar a sua situação tributária real, nos termos do art.º 63.º da LGT.

W. A alegada falta da notificação do despacho que alterou o âmbito e extensão do procedimento (que não ocorre pois não estava legalmente prevista), ainda assim, não influiria no resultado final da inspeção, nem, verdade seja dita, em qualquer momento do procedimento ou na impugnação, tal é invocado.

X.

Discorda, pois, a Fazenda Pública do entendimento perfilhado pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo de que a exigência da notificação do despacho fundamentado pelo qual a Administração Tributária determina a alteração do âmbito e da extensão da ação inspetiva já existia à data dos factos em causa nestes autos e que a consagração expressa introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, no n.º 1 do art.º 15.º do RCPIT não apresenta verdadeiro carácter inovatório, vindo apenas traduzir em letra de lei aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP.

Y.

Com todo o respeito que merece este entendimento, não o acompanhamos, pelo contrário. Entendemos que quando o legislador optou por esta redação da norma e no prudente balanço que se lhe impõe entre os direitos e deveres que impendem sobre a atuação da Administração e Administrados, pretendeu suficiente a oposição dos visados à prática dos atos, sem o que a atuação da Administração ficaria validada, degradando-se em formalidade não essencial qualquer vício formal do despacho fundamentado de alteração do âmbito e extensão do procedimento inspetivo.

Z.

Destarte, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença na parte recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estar a liquidação ora em apreço ferida de ilegalidade, sendo que esta por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica.

AA.

Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos n.º 15.º e 49.º do RCPIT, bem como o art.º 59.º n.º 3 alínea l), da LGT, o art.º 266.º n.º 2 da CRP e ainda os princípios da boa fé e da colaboração.

Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Mais requer, atendendo a que o valor da ação é superior a €275 000,00, seja a RFP...

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