Acórdão nº 866/17.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução20 de Setembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório L..............................

intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência cautelar contra o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social - Autoridade de Gestão do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (que sucedeu à Autoridade de Gestão do Programa Operacional Potencial Humano) peticionando a medida cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo que determinou a revisão do saldo final com a redução e o consequente reembolso do montante de EUR 580.275,74, recebido no âmbito do financiamento ao Programa Operacional Humano (candidatura nº ........../2010/...).

Foi proferida sentença em 29.05.2018, na qual foi indeferido o pedido cautelar, com fundamento na não demonstração do necessário periculum in mora.

Com aquela não se conformando, a Autora, ora Recorrente, recorre para este Tribunal Central, retirando-se da sua alegação as conclusões que infra se reproduzem: (i) B1 - Antes, contudo, de partir para a análise da decisão em crise, cumpre requerer a este Tribunal se digne admitir o presente recurso com efeito suspensivo.

B2 - A norma do artigo 143.º/2 do CPTA não é aplicável neste caso, em que a sentença recorrida foi no sentido da rejeição (e não a adoção) da providência, devendo ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artigo 143.º/1 do CPTA.

B3 - De facto, contra tal pretensão não milita o teor literal do artigo 143.º, CPTA. Com efeito, como este TCAS tem admitido, que em certas situações esse efeito pode vir a ser alterado - o que não resulta literalmente do disposto no artigo 143.º do CPTA, mas pode impor-se pela interpretação sistemática e teleológica do preceito - em casos em que o tribunal não aprecie o mérito da providência e em que se limite a apreciar a forma e pressupostos do decretamento da mesma, como é o caso.

B4 - Mais se permite salientar a recorrente que a decisão em crise vai sustentada apenas na não verificação de um requisito (formal) de decretamento da providência, qual seja, o periculum in mora.

B5- A sentença em crise, logo no seu introito, indefere liminarmente os requerimentos de prova para, a final, indeferir o decretamento da providência por … falta de prova.

B6 - Para que possa considerar-se o receio de lesão grave e dificilmente reparável que venha a ocorrer na esfera do requerente, é necessário alegar factos integradores de uma situação de “periculum in mora”, o que exige a quantificação e qualificação dos danos decorrentes da conduta do requerido.

B7 - Acontece que essa quantificação resulta evidente dos autos, resultando sobejo o prejuízo que, no mais, vai alegado e provado.

B8 - Por se tratar de Confederação Nacional que congrega associações humanitárias, federações e entidades públicas e privadas de corpos de bombeiros, a requerente, ora recorrente, não tem fins lucrativos, pelo que se assoma evidente o prejuízo e os danos que tal restituição lhe poderiam significar. Uma entidade sem fins lucrativos não tem, por certo, mais de meio milhão de euros para disponibilizar a título de uma restituição que não lhe é assacável.

B9 - Mais ainda, a probabilidade séria de existência do direito basta-se, como infra melhor se deixará evidenciado, com um juízo de verosimilhança. Ora, por certo, tal juízo de verosimilhança resulta, desde logo, do facto de não subsistirem à recorrente fins lucrativos.

B10 - Mas, resultaria, igualmente, do rol testemunhal apresentado, caso este fosse inquirido e que mais não consubstancia do que membros dos corpos de bombeiros destinatários da formação objeto de celeuma nos autos e, bem assim, funcionários e dirigentes da requerente, ora recorrente, que cabalmente ilustrariam, com os seus depoimentos, o perigo do (não) decretamento de tal providência.

B11 - Como, outrossim, não se vislumbra motivo para se não atender à documentação contabilística junta aos autos e que atesta a realização das ações de formação.

B12 -Não se antolha como podem ir os requerimentos probatórios indeferidos, tout court, sem mais e sem qualquer motivo. Na verdade, e na senda da melhor jurisprudência, sempre se dirá que o despacho em crise carece, além de falta de razoabilidade lógica – salvo o revido respeito, que muito é! – de falta de fundamento. Com efeito, apesar da tendência ser, e muito bem, a de conferir maiores poderes de gestão processual ao juiz, não pode ele, com base nesses poderes, descurar o dever de fundamentação que sempre sobre si impende e que, de facto, tem reflexo no disposto no nº 5 do artigo 118.º, CPTA.

B13 - Como, em situação idêntica, refere este mesmo TCA- Sul, “o despacho proferido ao abrigo do artigo 90.º/2 do CPTA, que indefere requerimentos dirigidos à produção de prova testemunhal sobre certos factos, não se mostra devidamente fundamentado quando não permite perceber as razões pelas quais se verifica a “clara desnecessidade” da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova, o que tornava imprescindível essa fundamentação.” - cf. o aresto datado de 18/12/014, relatado por Esperança Mealha, disponível em www.dgsi.pt.

B14 - A ser assim, o despacho em crise encontra-se inquinado de vício, qual seja, o da falta de fundamentação que, atenta a sua gravidade, afeta toda a sentença em crise, razão pela qual deve a mesma soçobrar – o que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

B15 - Para o decretamento das providências cautelares, em geral, basta que se prove sumariamente - summaria cognitio - a probabilidade séria da existência do direito invocado ou aparência do direito - fummus bonus juris - e a justificação do receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação, ou perigo de insatisfação desse direito - periculum in mora.

B16 - Ora, já se viu que essa prova sumária estava feita e que, caso assim não se entendesse, sempre assistiria ao Tribunal Recorrido a possibilidade de ordenar a produção de prova – aliás, requerida – o que não fez nem fundamentou.

B17 - O fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável (periculum in mora) não é um facto naturalístico, mas um conceito normativo que carece de concretização jurisprudencial em função da factualidade demonstrada, da função instrumental da tutela cautelar, do princípio da efetividade dos direitos e do princípio da utilidade da intervenção judicial.

B18 - Queremos com isto significar que a tutelar, que é precária e que é instrumental, inerente a uma providência cautelar, nunca exigiria, como se exige na decisão em crise, uma prova inabalável.

B19 - De resto, como vem defendendo a melhor jurisprudência, o tribunal decretará a providência se a prova produzida revelar a probabilidade séria (e não, diremos nós, a certeza absoluta!) da verificação dos requisitos legais, bastando, porém, que exista uma probabilidade séria de que existe o direito invocado, não sendo necessária uma averiguação tal que possa pôr em perigo a eficácia da providência, pois esta justifica-se essencialmente porque a ação principal pode demorar alguns anos a ser decidida e assim, perder, pelo menos em parte, a sua eficácia – cf., por todos, o aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 20 de janeiro de 2015, relatado por Pimentel Marcos, disponível em www.dgsi.pt.

B20 - A ser assim - e além da já assinalada incongruência: não se...

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