Acórdão nº 9570/16.0TBPRT.P1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução21 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA e mulher BB instauraram a presente ação sob a forma comum contra “CC” e “DD, Ld.ª” pedindo que: - Seja reconhecido o direito de preferência dos autores na compra e venda do imóvel descrito na petição inicial, havendo-o para si mediante o pagamento da quantia de EUR 117 000,00, depositando EUR 30.000,00, 15 dias após a propositura da ação, e EUR 87 000,00 até 17 de Julho de 2017; - A referida transmissão seja efetuada com a garantia hipotecária constituída a favor da 1ª ré sobre o imóvel objeto da preferência, nos termos e condições constantes da escritura de compra e venda celebrada entre as rés a 25 de Agosto de 2015, ou, em alternativa, a constituição de fiança bancária de igual montante a favor da referida ré; - Seja ordenado o cancelamento da inscrição registada na CRP da Amora, referente ao prédio nº 3120 da União das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., ..., e averbada a propriedade sobre o mesmo imóvel a favor dos autores, na CRP e na matriz, bem como da garantia hipotecária a constituir.

Para tanto, alegam, em síntese, que: Por contrato celebrado em 9.10.1969 tomaram de arrendamento o prédio sito na rua ..., União das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., ..., atualmente inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4979º, e descrito na conservatória do registo predial sob o nº 3120, pertencente à 1ª ré.

Por carta datada de 4.5.2015, a 1ª ré comunicou-lhes a intenção de alienar o dito imóvel à 2ª ré, pelo preço e condições ali indicados, aquisição que, nos termos em que foi comunicada, não interessou aos autores, razão pela qual se abstiveram de exercer a preferência.

Tomaram, porém, conhecimento de que, por escritura pública outorgada a 25.8.2015, a 1ª ré vendeu o imóvel à 2ª ré, em condições diferentes das comunicadas aos autores.

Mais alegaram que, se lhes tivesse sido oferecida a compra do imóvel, nas condições vertidas na escritura de compra e venda, os autores teriam exercido a preferência, direito que pretendem exercer através da presente ação.

Por isso, vão efetuar o depósito de EUR 30.000,00 à ordem dos presentes autos, comprometendo-se a efetuar o pagamento da restante parte do preço (EUR 87.000,00) até ao dia 17.72017, conforme estipulado na escritura pública de compra e venda.

  1. As rés contestaram.

    2.1.

    Na sua contestação, a 1ª ré alegou, em síntese, que: O direito invocado se encontra extinto, por caducidade, por já ter decorrido o prazo previsto na 1ª parte do nº1, do art. 1410º do CC, e também porque os autores não efetuaram o depósito da totalidade do preço da venda no prazo fixado na 2ª parte do mesmo preceito legal.

    Por outro lado, tendo a compradora constituído garantia especial de cumprimento através da constituição de hipoteca sobre duas frações autónomas, os autores nada fizeram para garantir o cumprimento do pagamento do remanescente do preço, pelo que é de considerar que não se mostram preenchidos os requisitos para o exercício da preferência.

    Mais alegou que o autor AA renunciou expressamente ao exercício do direito de preferência que agora pretende exercer, indicando ser o preço da venda o motivo da renúncia.

    Finalmente, sustentou que se verificam os pressupostos do abuso de direito, uma vez que os autores reconheceram a compradora como legítima proprietária do imóvel em Setembro de 2015, gerando confiança na manutenção do negócio e que, nessa medida, litigam de má-fé, fazendo uso reprovável do processo.

    2.2.

    A 2ª ré alegou, em resumo, que: Os autores, por carta datada de 11.5.2015, expressamente renunciaram ao direito de preferência apenas devido ao montante do preço, que afirmaram ultrapassar as suas possibilidades e que o valor declarado na escritura de compra e venda se manteve inalterado, assim como a generalidade das condições do negócio.

    Invocou, ainda, a caducidade do eventual direito de preferência, dado que os autores têm conhecimento dos exatos termos do negócio, pelo menos, desde Setembro de 2015.

    Pediu igualmente a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

  2. Na 1ª instância foi proferido saneador-sentença que, julgando procedente a exceção de caducidade do direito de preferência, por falta de depósito do preço devido, absolveu as rés do pedido.

  3. Desta decisão apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao recurso.

  4. De novo irresignados, vieram os autores interpor revista excecional para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido pela Formação a que alude o art.º. 672º, nº 3, do CPC.

    Nas suas alegações, os autores, em conclusão, disseram: I. Pelo exposto, verificam-se os fundamentos legais para a admissão da revista excecional, por razões pragmáticas (a existência de decisões contraditórias), por razões teleológicas (estabilidade do agregado familiar) e pela efetiva contradição entre o acórdão recorrido e outros acórdãos proferidos sobre a mesma matéria.

    1. O conceito de preço devido adotado no douto acórdão recorrido, como correspondente ao preço contratual total, constitui uma errada leitura do art. 1410º, n° l do Código Civil, porquanto, tal leitura está em contradição com o disposto nos arts. 416° e 883° do mesmo diploma legal.

    2. A norma do art.1091° do Código Civil funda-se no disposto no n° 1 e na alínea c) do n° 2 do art. 65° da Constituição da República Portuguesa, sendo uma norma de interesse e ordem pública, obrigando à prevalência da interpretação mais favorável ao preferente habitacional das normas ordinárias que o concretizam, como é o caso do art.1410° n° 1 do mesmo Código.

    3. Sendo condição essencial do exercício da preferência, o projeto de venda previsto no art. 416º, do Código Civil, onde se englobam obrigatoriamente as condições de pagamento do preço, tem de considerar-se relevante para a opção do preferente a questão de saber se tem de obter o dinheiro em oito dias ou em 2, 3 ou 10 anos, pelo que não pode ser exigido que disponha do preço total na ação de preferência, quando ao terceiro adquirente, sem qualquer razão específica, foi concedido o pagamento em prazo dilatado no tempo.

    4. A exigência do depósito da totalidade do preço como condição para o prosseguimento da ação de preferência, além de violar o disposto no art. 416° do CC, na sua melhor interpretação, constitui também nessa perspectiva uma leitura inconstitucional da norma do art.1410° n° 1 do CC.

    VI. Releva ainda concluir que a leitura do n°1 do art.1410° do Código Civil considerando «preço devido» como preço do contrato ou preço total, independentemente de estar vencido ou não, cria uma contradição, entre essa disposição e as normas dos arts. 416° e 883° do Código Civil, em violação da regra do art.9° do Código Civil, que manda integrar no sistema jurídico a leitura de cada norma de forma a manter a lógica do conjunto.

    VII. A leitura da expressão «preço devido», feita no douto acórdão recorrido, como se se tratasse de prestação de caução, não pode ser aceite porquanto, o legislador distingue perfeitamente o preço da caução, como se vê do art. 623 ° do Código Civil; e, se pretendesse com a expressão preço devido uma garantia a favor do adquirente e do alienante, adotaria a expressão prestação de caução e não preço, de acordo com a regra de interpretação do art.9° do Código Civil que obriga a interpretar as normas considerando que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

    VIII. Mesmo que se entendesse ser de exigir aos Autores, uma garantia para a parte do preço ainda não paga pelo adquirente e não recebida pelo alienante, a solução proposta por aqueles na sua petição, oferecendo a reserva de propriedade do próprio prédio - art. 20° da p.i-, era perfeitamente aceitável, satisfatória e adequada.

    IX. Se a Ré alienante tivesse cumprido rigorosamente com a obrigação de preferência (indicando que o preço era pago em prestações) e os AA exercessem esse direito, não podia chegar à escritura pública de venda e dizer perante o notário: Não respeito o projeto de venda e só assino a escritura se me for paga a totalidade do preço. Pelo que não se compreende que, no caso de litígio, já possa tomar essa atitude, exigindo o depósito da totalidade do preço.

    X. Aliás, não foi alegada pelos RR qualquer circunstância específica que permitisse à Ré Irmandade considerar que a Ré DD merecia mais crédito do que os Autores, não havendo qualquer motivo para diferente exigência no que ao pagamento do preço diz respeito.

    XI...

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