Acórdão nº 00344/12.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução25 de Maio de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO Os Recorrentes, M...

e J...

, contribuintes fiscais n.º 1…e 1…, recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra que julgou improcedente o recurso interposto ao abrigo do artigo 146º-B do CPPT ex vi art.º 89.ºA da LGT, da decisão do Diretor de Finanças do Coimbra de aplicação da avaliação indireta da matéria coletável, tendo por fundamento a correção dos rendimentos declarados nas declarações de IRS relativa aos exercícios dos anos de 2005 a 2008, que determinou a fixação do rendimento coletável em sede da categoria G do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares respeitante aqueles anos, por avaliação indireta, em valores que totalizam € 4 936 273, 84.

1.1. Do Recurso da Sentença Os Recorrentes não se conformaram com a sentença recorrida e interpuseram recurso jurisdicional, apresentando alegações formularam as conclusões que se reproduzem: “(…) i) Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, pág. S69, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos».

ii) Entendeu a sentença recorrida que o montante de 4.936.273.84€, resultante dos depósitos efectuados entre 2005 a 2008 em conta bancária da empresa M..., deve constituir rendimento dos recorrentes porquanto são estes os beneficiários económicos da conta bancária, fundamentando tal conclusão nas únicas informações que são aquelas que constam dos autos, do processo instrutor e da certidão, remetida pelo Ministério Público, do processo de inquérito n.º 93/08.2IDAVR, todos contendo fotocópias simples de documentos particulares.

iii) Os documentos do processo instrutor foram legalmente impugnados, sendo que a prova das assinaturas ficou a pertencer a cargo da AT, nos termos definidos pelo n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil.

iv) E impugnados que foram nunca poderiam constituir alicerce probatório do que quer que fosse, pois constata-se que se tratam de documentos referentes a informações bancárias dos recorrentes e extraídos de um processo crime, sem que a AT tivesse seguido o procedimento imposto pelo art.º 63º-B da LGT.

  1. E o mesmo se diga da junção da certidão remetida pelo MP, que foi objecto de recurso interlocutório, não deixando de ser chocante como é que o Tribunal atende ao conteúdo da mesma, sendo conhecedor da jurisprudência do Pleno da SCT do STA.

    vi) O Tribunal ao valorar tais documentos branqueou a actividade procedimental ilegal da AT, o que merece o veemente repúdio dos ora recorrentes.

    vii) Os recorrentes não tiveram qualquer intervenção no processo penal onde foi obtida toda a informação sobre as contas bancárias e nessa medida não puderam exercer os seus direitos de controlo e de defesa e atacar a legalidade e legitimidade do acesso à informação bancária, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efectiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 e 2, ambos da CRP.

    viii) Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).

    ix) A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.

  2. A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.

    xi) Prevendo-se um procedimento administrativo sujeito ao princípio da legalidade e ao cumprimento de formalidades prévias, o que no caso a AT não fez, parece aos recorrentes que o Tribunal não pode ele próprio contribuir e incorrer na prática de uma ilegalidade ao valorar documentação/elementos extraídos do processo-crime, pois isso representa uma violação da lei, verificado que está que a AT não desencadeou o mecanismo do art.º 63º-B da LGT.

    xii) Se a lei não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito, sem que cumpra o procedimento do art.º 63º-B da LGT, também não pode o Tribunal dar esse salto e permitir ou melhor permitir-se valorar aquela informação sem o cumprimento prévio daquele formalismo.

    xiii) Estamos assim perante provas ilícitas que são aquelas provas obtidas apenas por meio de violação do direito material, independentemente de a constatação da ilicitude ter ocorrido dentro ou fora da órbita processual.

    xiv) A prova inadmissível é aquela que, por alguma razão, não pode ser aceite no processo. Tal prova não se vincula ao subjetivismo do magistrado, pelo contrário, sua condição é determinada por diversos elementos que independem da participação do juiz. Por não permitir a livre apreciação, a prova inadmissível é considerada por alguns espécie ou subespécie da prova ilegal.

    xv) As provas ilícitas estão previstas no mandamento constitucional insculpido no art. 32º, nº 8: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

    xvi) Tal comando encontra-se inserido na parte que trata das garantias de processo criminal, não fazendo qualquer menção ao processo civil. A ausência de uma norma que vede a utilização das provas ilícitas no processo civil provoca grandes discussões acerca da sua inadmissibilidade nesse campo processual. Para muitos, essa carência normativa pode ser resolvida por meio da analogia, tendo em vista que o motivo basilar da vedação no processo criminal — qual seja a proteção aos direitos fundamentais tidos como invioláveis — é perfeitamente aplicável ao processo civil. Nesse mesmo sentido, posiciona-se o Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 618/11.6TMLSB-A.L1-6 86 e o Tribunal da Relação de Guimarães no processo nº 435234/09.8YIPRT-A.G187 xvii) Certo é que a ausência de dispositivo no âmbito do processo civil não pode servir de fundamento para a admissibilidade de todo e qualquer meio de prova. O facto de inexistir a proibição expressa não implica a inexistência da própria ilicitude, pelo contrário, deve subsistir o conceito de ilicitude da prova mesmo diante da falta de regulação que proíba seu ingresso no processo. No entanto, há de se considerar que a lacuna torna-se um permissivo processual no sentido de possibilitar que a decisão sobre a admissibilidade ou não das provas ilícitas no processo civil seja averiguada à luz do caso concreto, respeitando os preceitos legais das normas processuais. Ressalta-se que os tribunais portugueses têm aplicado a analogia e, por tal razão, a presente pesquisa ultrapassa a barreira da discussão sobre a incidência do art.º 32º, nº 8 da CRP no processo civil e se propõe a analisar o imperativismo do próprio dispositivo.

    xviii) Assim, face ao exposto, entendem os recorrentes que prova documental em causa é ilegal nos presentes autos, razão pela qual não poderia sustentar o consequente juízo probatório.

    xix) Sendo ilegal também não pode sustentar a perícia efectuada, não estando aqui em causa a perícia efectuada com base em meras fotocópias, mas sim com base em documentos cuja ilegalidade a precede. Ora, se estão subtraídos à apreciação do julgador, também não podem sustentar as conclusões da perícia.

    xx) Deste modo, o julgado viola ostensivamente as disposições combinadas dos arts. 63º-B da LGT e 115, n.º 1 do CPPT.

    xxi) Consequentemente devem dar-se por não provados os factos cujo juízo probatório teve por base tais documentos, nomeadamente os constantes dos pontos 6 a 11 e 12 e 13, estes últimos por impossibilidade superveniente de valoração probatória.

    xxii) Subsidiariamente, O grau de “provável” que um juízo técnico pericial atribua não é uma certeza científica ou próximo dela e nem sequer significa que seja muito provável, sendo todavia mais do que uma possibilidade; é uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT